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20 – Desumanização – De Ser Humano a Nada

Desumanização - as consequências e seus efeitos sociais e como combatê-la no cotidiano.

Desumanização – A desumanização é um fenômeno recorrente ao longo da história da humanidade e, ao mesmo tempo, um processo psicológico profundo que influencia diretamente as relações sociais, a política e até a forma como construímos identidades coletivas.

Definir a desumanização significa compreender como, em determinados contextos, grupos ou indivíduos deixam de ser percebidos como humanos plenos e passam a ser vistos como objetos, inimigos, animais ou máquinas. Esse processo, que parece abstrato, está na raiz de alguns dos maiores horrores já cometidos pela humanidade, mas também se manifesta de maneira sutil em nosso cotidiano.

A desumanização, o processo de negar ou diminuir a humanidade de outros, é um fenômeno complexo com profundas implicações para indivíduos, grupos e sociedades inteiras. Desde as atrocidades históricas que marcaram o século XX até as formas mais sutis de exclusão e indiferença presentes no cotidiano contemporâneo, a desumanização representa uma falha fundamental na capacidade humana de reconhecer e valorizar a dignidade inerente a cada pessoa.

A desumanização é um dos mecanismos que ainda hoje perpetuam violências, exclusões e preconceitos. A psicologia social explica como os indivíduos constroem fronteiras entre “nós” e “eles”; a neurociência revela como o cérebro desliga circuitos de empatia diante da diferença; e a história mostra como ideologias desumanizantes legitimaram a escravidão, os genocídios e os discursos de ódio.

Compreender a desumanização requer, em primeiro lugar, uma análise cuidadosa de suas definições e dos quadros teóricos que buscam explicá-la. Embora o conceito central se refira à percepção ou tratamento de outros como menos que humanos, as abordagens para entender este processo variam significativamente.

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A desumanização na história

O fenômeno da desumanização acompanha a humanidade desde as primeiras civilizações organizadas. Na Grécia Antiga, por exemplo, os estrangeiros eram chamados de “bárbaros”, termo que carregava a ideia de inferioridade cultural e moral.

A palavra não era apenas um insulto: servia para justificar a exclusão política e, muitas vezes, a escravidão. Os romanos seguiram lógica semelhante, tratando povos conquistados como mercadoria ou ferramentas de trabalho.

Durante o período colonial, a desumanização assumiu proporções sistemáticas. Povos africanos e indígenas foram classificados como “seres inferiores”, incapazes de raciocínio moral ou espiritualidade sofisticada. Essa retórica desumanizante não era apenas fruto de preconceito, mas uma estratégia deliberada para legitimar a escravidão, a exploração econômica e o domínio cultural.

Ao transformar pessoas em mercadorias, o sistema escravagista só se sustentou porque sociedades inteiras aceitaram a narrativa de que certos grupos não eram plenamente humanos.

No século XX, a desumanização atingiu seu auge em tragédias como o Holocausto. Sob o regime nazista, judeus, ciganos, deficientes físicos e mentais foram retratados como “sub-humanos” ou “pragas” a serem exterminadas.

A propaganda nazista usava imagens que comparavam pessoas a ratos, insetos e doenças, reforçando a ideia de que não mereciam empatia. Essa linguagem precedeu o genocídio e facilitou a adesão da população a crimes que, em condições normais, seriam considerados impensáveis.

O Holocausto permanece como o exemplo mais estudado e extremo de desumanização sistemática. O regime nazista não apenas perpetrou o assassinato em massa de seis milhões de judeus e de milhões de outras vítimas, mas também construiu uma elaborada máquina ideológica para justificar suas ações. A propaganda nazista foi um instrumento fundamental nesse processo, empregando uma linguagem cuidadosamente elaborada para despojar os judeus de sua humanidade.

Uma análise linguística da propaganda nazista revela uma estratégia deliberada e progressiva. Em um primeiro momento, antes do extermínio em massa, a propaganda focava em negar aos judeus a capacidade de ter experiências mentais e emocionais complexas, retratando-os como seres insensíveis e puramente materialistas.

No entanto, à medida que a violência se intensificava, a retórica mudou. Durante o Holocausto, os judeus passaram a ser descritos como agentes conscientes e malévolos, dotados de uma mente ardilosa e destrutiva. Essa mudança estratégica servia a um duplo propósito: por um lado, retratava os judeus como uma ameaça existencial que precisava ser eliminada; por outro, fornecia uma racionalização para os executores, ajudando-os a superar o trauma psicológico de matar outros seres humanos [3].

Ao negar a humanidade moral dos judeus, a propaganda nazista abriu o caminho para a violência em massa, ilustrando de forma terrível como a desumanização verbal precede e possibilita a violência física.

A escravidão transatlântica, que durou séculos e vitimou milhões de africanos, foi uma instituição fundamentalmente baseada na desumanização. Para justificar a brutalidade da escravidão, os ideólogos e traficantes de escravos desenvolveram e disseminaram a noção de que os africanos eram uma raça inferior, mais próxima dos animais do que dos europeus. Essa desumanização foi codificada em lei, na religião e na cultura.

Os africanos escravizados foram tratados como propriedade (chattel slavery), comprados e vendidos em leilões, marcados com ferro quente e submetidos a uma violência física e psicológica inimaginável. Suas famílias foram sistematicamente destruídas, suas culturas e religiões suprimidas, e seus nomes substituídos. O trauma da escravidão não foi apenas físico.

A constante ameaça de violência, a exigência de submissão absoluta e a negação de qualquer forma de autonomia deixaram cicatrizes psicológicas profundas. Como a historiadora Nell Irvin Painter descreve, a escravidão foi uma “instituição desumanizante” que infligiu traumas físicos e psicológicos através de espancamentos, excesso de trabalho e nutrição inadequada [4].

Apesar dessa opressão sistemática, os escravizados resistiram e preservaram sua humanidade através de laços familiares, da religião e da cultura, em um testemunho notável da resiliência do espírito humano.

Outro exemplo brutal ocorreu em Ruanda, em 1994, quando a elite governante hutu disseminou a ideia de que os tutsis eram “baratas” que precisavam ser esmagadas. Essa metáfora animalizante foi um dos gatilhos que levaram ao massacre de aproximadamente 800 mil pessoas em apenas 100 dias. A desumanização, portanto, não é apenas um recurso retórico, mas um passo fundamental na preparação psicológica para a violência coletiva.


Abordagens Teóricas

A Abordagem Baseada em Danos (Harms-based approach): Esta perspectiva, frequentemente encontrada em teorias feministas e na filosofia, foca nas ações que prejudicam ou diminuem a humanidade de uma pessoa. Segundo esta visão, desumanizar é tratar alguém de forma a violar suas capacidades humanas centrais, como autonomia, subjetividade e dignidade. A objetificação sexual, por exemplo, é frequentemente analisada como uma forma de desumanização sob esta ótica, pois reduz um indivíduo a um mero instrumento para os desejos de outro, negando sua agência e integridade [1].

A Abordagem Psicológica (Psychological approach): Esta abordagem, predominante na psicologia social, concentra-se nos processos cognitivos e perceptivos que levam um indivíduo ou grupo a pensar em outros como menos que humanos. Esta perspectiva se subdivide em duas categorias principais:

  • Desumanização Categórica: Ocorre quando um indivíduo ou grupo é julgado como não pertencente à categoria “humano”. Esta é a forma mais extrema de desumanização, frequentemente associada a genocídios e outras formas de violência em massa. A teoria da sub-humanização, proposta por David Livingstone Smith, argumenta que, em tais casos, os perpetradores acreditam que suas vítimas possuem uma “essência sub-humana” distinta, que as torna fundamentalmente diferentes e inferiores [2].

  • Desumanização Gradual: Ocorre quando um indivíduo ou grupo é visto como menos humano do que outros, embora ainda seja reconhecido como pertencente à espécie humana. Esta forma mais sutil de desumanização pode se manifestar na negação de certas qualidades humanas, como a capacidade de ter emoções complexas, intelecto ou moralidade.

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A psicologia da desumanização: como o “outro” perde a humanidade

Do ponto de vista da psicologia social, a desumanização pode ser entendida como um processo de retirada de atributos considerados tipicamente humanos. Isso significa negar ao outro características como racionalidade, emoções complexas, capacidade de sofrimento, moralidade e direitos básicos.

A teoria da identidade social, desenvolvida por Henri Tajfel e John Turner, ajuda a explicar esse fenômeno. Segundo os autores, os indivíduos tendem a dividir o mundo em grupos de pertença (“nós”) e grupos externos (“eles”). Essa categorização, aparentemente simples, cria um terreno fértil para a exclusão e para a percepção de que o “outro” é menos humano.

  • Mecanismos de Defesa Moral: A desumanização pode funcionar como um mecanismo de defesa que permite que indivíduos cometam atos imorais sem sentir culpa ou angústia. Ao convencer-se de que a vítima não é totalmente humana, o perpetrador pode contornar as inibições morais contra a violência e a crueldade.
  • Vieses Cognitivos: Vários vieses cognitivos podem contribuir para a desumanização. O viés de confirmação pode levar as pessoas a procurar e interpretar informações que confirmem seus preconceitos sobre um grupo. O erro fundamental de atribuição pode levar a atribuir as ações negativas de um indivíduo à sua natureza inerente (ou à do seu grupo), em vez de às circunstâncias.
  • Falta de Empatia: A incapacidade ou falta de vontade de se colocar no lugar do outro e compartilhar seus sentimentos é um componente central da desumanização. A empatia atua como um freio poderoso contra o tratamento cruel dos outros.
  • Hierarquias e Poder: Estruturas sociais e organizacionais que criam grandes desequilíbrios de poder podem fomentar a desumanização. Aqueles em posições de poder podem começar a ver aqueles sob seu controle como meros instrumentos para seus próprios fins.
  • Burocracia e Rotinização: Sistemas burocráticos que enfatizam regras, eficiência e impessoalidade podem levar à desumanização. Quando as pessoas são tratadas como meros números ou casos a serem processados, sua humanidade individual é perdida. Este fenômeno é frequentemente observado em grandes organizações, incluindo hospitais e agências governamentais.
  • Condições Econômicas: A competição por recursos escassos e a desigualdade econômica podem exacerbar as tensões intergrupais e criar um ambiente propício à desumanização, onde grupos desfavorecidos são culpados por problemas sociais e econômicos.

A desumanização pode assumir duas formas principais. A primeira é a desumanização animalizante, na qual pessoas são comparadas a animais irracionais ou primitivos. Foi assim que colonizadores descreveram povos indígenas e africanos, associando-os à selvageria e ao instinto. A segunda é a desumanização mecanicista, quando o ser humano é tratado como objeto, engrenagem ou máquina sem emoções. Essa forma é comum em contextos de trabalho extremo ou exploração industrial, nos quais trabalhadores são vistos apenas como números ou peças substituíveis.

Pesquisas mostram que a desumanização não se limita a momentos de guerra ou genocídio. Ela está presente em situações cotidianas, como quando se usa apelidos pejorativos, quando pessoas em situação de rua são ignoradas como se fossem invisíveis ou quando, em ambientes corporativos, indivíduos passam a ser tratados apenas como recursos, sem reconhecimento de suas necessidades emocionais. Esses pequenos atos de desumanização, repetidos em larga escala, alimentam preconceitos e sustentam desigualdades.


A neurociência da desumanização: o cérebro que desliga a empatia

A neurociência tem contribuído de forma decisiva para compreender como a desumanização acontece no cérebro. Pesquisas com imagens de ressonância magnética funcional (fMRI) revelam que, quando vemos uma pessoa que reconhecemos como semelhante a nós, áreas como o córtex pré-frontal medial e a junção temporoparietal são ativadas. Essas regiões estão relacionadas à empatia, à teoria da mente e à capacidade de entender o estado mental do outro.

No entanto, quando o indivíduo é percebido como desumanizado – seja como inimigo, membro de um grupo estigmatizado ou pessoa marginalizada –, a atividade nessas regiões diminui significativamente. Em seu lugar, observa-se maior ativação da amígdala, região cerebral associada ao medo, à ameaça e às respostas defensivas. Em outras palavras, o cérebro literalmente “desliga” os circuitos da empatia diante do processo de desumanização.

Essa descoberta ajuda a explicar por que soldados podem matar inimigos sem colapsar emocionalmente, ou por que populações inteiras podem se acostumar a discursos de ódio. A desumanização reduz a carga moral associada à violência, tornando-a mais aceitável ou até necessária dentro de certas narrativas.


Da linguagem à exclusão social

Embora frequentemente associada a genocídios e crimes contra a humanidade, a desumanização também se manifesta em formas sutis e cotidianas. Um exemplo claro está na linguagem. O uso de metáforas que comparam pessoas a animais, objetos ou doenças reforça uma visão degradante e justifica a exclusão. Termos pejorativos dirigidos a imigrantes, minorias étnicas ou opositores políticos são formas de desumanização que moldam a percepção social.

Na mídia e, mais recentemente, nas redes sociais, a desumanização se tornou ainda mais visível. O fenômeno do cancelamento, por exemplo, muitas vezes envolve a redução de uma pessoa a um único erro ou característica, ignorando sua complexidade humana. Esse processo legitima ataques coletivos e linchamentos virtuais, desconsiderando os efeitos psicológicos devastadores para quem é alvo.

Outro espaço de manifestação é o trabalho. Em contextos de exploração, trabalhadores podem ser tratados como números em uma planilha, desprovidos de individualidade. Isso não apenas compromete a saúde mental, mas também reforça a ideia de que sua dignidade está atrelada apenas à produtividade.

Na esfera social, pessoas em situação de rua frequentemente experimentam formas extremas de desumanização. Ser ignorado, não receber contato visual ou ser tratado como invisível é uma maneira de negar a esses indivíduos sua condição humana. Esse tipo de exclusão é silencioso, mas profundamente cruel.

  • Distância e Anonimato: A globalização e a urbanização podem criar um senso de distância e anonimato que facilita a indiferença em relação ao sofrimento de estranhos. Quando não temos contato direto com outros grupos, é mais fácil vê-los como abstrações e não como indivíduos com suas próprias vidas e sentimentos.
  • Propaganda e Discurso de Ódio: A história está repleta de exemplos de como a propaganda e o discurso de ódio podem ser usados para desumanizar sistematicamente um grupo, retratando-o como uma ameaça, uma praga ou uma entidade sub-humana. Este foi um elemento central na preparação do terreno para o Holocausto e outros genocídios [3].
  • Polarização e Identidade de Grupo: Uma forte identificação com o próprio grupo (“endogrupo”) pode levar à desvalorização e desumanização de grupos externos (“exogrupos”). Em contextos de alta polarização política ou social, a tendência de ver o “outro” como inimigo e menos humano se intensifica.

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A Desumanização do Século XXI

Embora os exemplos históricos de desumanização sejam chocantes em sua brutalidade, o fenômeno continua a se manifestar de formas mais sutis, porém igualmente perniciosas, na sociedade contemporânea. A era digital, em particular, introduziu novas arenas e mecanismos para a desumanização.

A Desumanização na Era DigitalA tecnologia digital, que prometia conectar o mundo, paradoxalmente criou novas formas de isolamento e desumanização. Vivemos em uma era de “falsa proximidade”, onde as interações mediadas por telas substituem o contato humano genuíno. As relações tornam-se cada vez mais superficiais, rápidas e filtradas por algoritmos.

Um fenômeno particularmente interessante é o que Crys Feijes chama de “a humanização da IA e a desumanização do ser humano”. À medida que desenvolvemos inteligências artificiais para serem mais empáticas e responsivas, corremos o risco de nos desvincularmos uns dos outros.

A IA torna-se uma “válvula de escape” emocional, oferecendo uma forma de conexão sem os desafios e as complexidades das relações humanas reais. Ao depositar nossas necessidades emocionais em máquinas, podemos estar nos esquecendo de como nos conectar uns com os outros [5].

As redes sociais também desempenham um papel significativo nesse processo. Os algoritmos que governam essas plataformas são projetados para maximizar o engajamento, muitas vezes promovendo conteúdo polarizador e indignado. Isso pode levar à criação de “bolhas” e “câmaras de eco”, onde visões opostas são caricaturadas e desumanizadas.

O anonimato (ou pseudo-anonimato) online também pode diminuir as inibições, levando a formas de assédio e abuso verbal que seriam socialmente inaceitáveis em interações face a face.


Desumanização no Ambiente de Trabalho e na Saúde

A desumanização não se limita ao mundo digital. Em muitos ambientes de trabalho, a pressão por eficiência e produtividade pode levar ao tratamento dos funcionários como meros recursos ou engrenagens em uma máquina.

A ênfase em métricas e desempenho pode ofuscar o bem-estar e a dignidade dos trabalhadores, contribuindo para o esgotamento (burnout) e a alienação.

O sistema de saúde é outra área onde a desumanização é uma preocupação crescente. Médicos, enfermeiros e outros profissionais de saúde, muitas vezes sobrecarregados e trabalhando sob intensa pressão, podem começar a ver os pacientes não como indivíduos, mas como uma série de casos a serem processados.

A linguagem médica pode se tornar técnica e impessoal, e a eficiência pode ser priorizada em detrimento da empatia e da comunicação. Essa “desumanização organizacional” não afeta apenas a experiência do paciente, mas também contribui para o estresse e o burnout dos próprios profissionais de saúde [6].


Consequências psicológicas e sociais da desumanização

A desumanização tem efeitos devastadores para indivíduos e sociedades. Para a vítima, ser tratado como menos humano pode resultar em traumas profundos, perda de autoestima e internalização de estigmas. Isso gera vulnerabilidade a novas formas de violência e exclusão, além de prejudicar a saúde mental de forma duradoura.

Para o agressor, a desumanização produz uma dessensibilização emocional. Ao se acostumar a enxergar o outro como inferior, o indivíduo reduz sua capacidade de empatia e aumenta sua propensão à crueldade. Esse processo alimenta ciclos de preconceito e violência.

Para as Vítimas: A experiência de ser desumanizado pode levar a uma série de problemas de saúde mental, incluindo depressão, ansiedade, transtorno de estresse pós-traumático (TEPT) e uma perda de autoestima e dignidade. A internalização da desumanização pode fazer com que as vítimas acreditem na sua própria inferioridade, criando um ciclo vicioso de opressão.

Para os Perpetradores: Contrariamente ao que se poderia pensar, a desumanização também tem um custo para os perpetradores. O ato de tratar os outros como menos que humanos pode levar a um embotamento moral e emocional, uma perda de empatia e, em casos extremos, ao desenvolvimento de traços sádicos. A longo prazo, isso pode levar a um profundo isolamento psicológico e à perda da própria humanidade.

Para a Sociedade: Em um nível mais amplo, a desumanização corrói o tecido social. Ela alimenta a desconfiança, o medo e a hostilidade entre os grupos, tornando a cooperação e a coexistência pacífica mais difíceis. A desumanização é um ingrediente chave em conflitos intergrupais, violência política e genocídio. Ela destrói a coesão social e mina os fundamentos de uma sociedade justa e compassiva.

No nível coletivo, a desumanização legitima sistemas opressivos e dificulta a convivência democrática. Quando determinados grupos sociais são sistematicamente retratados como perigosos, preguiçosos, irracionais ou inferiores, cria-se um ambiente em que a desigualdade se perpetua e a violência se torna aceitável.


Por que combater a desumanização?

A desumanização é um fenômeno complexo, que atravessa a história, a psicologia e a neurociência. Ao longo dos séculos, ela permitiu que sociedades inteiras aceitassem práticas cruéis, desde a escravidão até genocídios modernos.

A desumanização é uma das forças mais destrutivas da história humana. Desde as câmaras de gás de Auschwitz até a fria indiferença de um burocrata, o ato de negar a humanidade do outro abre a porta para uma crueldade sem limites. No entanto, a história também nos mostra que a desumanização não é inevitável. Através da empatia, da educação, do contato e da busca por uma sociedade mais justa, podemos construir defesas contra essa tendência perigosa.

Reconhecer a humanidade em cada indivíduo, em toda a sua complexidade e vulnerabilidade, não é apenas um imperativo moral, mas uma condição essencial para a nossa sobrevivência e florescimento coletivos. A luta contra a desumanização é, em última análise, a luta pela nossa própria humanidade.

A psicologia social nos mostra que o mecanismo de dividir o mundo em “nós” e “eles” é universal, mas também perigoso. A neurociência demonstra que o cérebro humano é capaz de reduzir ou desligar sua empatia diante de determinadas narrativas. E o cotidiano revela que, mesmo sem perceber, muitas vezes reproduzimos pequenas formas de desumanização em nossas relações.

Reconhecer esse processo é o primeiro passo para combatê-lo. Isso significa refletir sobre a linguagem que usamos, questionar discursos que reduzem pessoas a estigmas, desenvolver políticas públicas que humanizem populações vulneráveis e investir em educação emocional. Se a desumanização está enraizada em nossa história e em nosso cérebro, também temos a capacidade de resistir a ela através da empatia, da consciência crítica e do compromisso ético com a dignidade humana.

Referências:

[1] Nussbaum, M. C. (1995). Objectification. Philosophy & Public Affairs, 24(4), 249–291. [

2] Phillips, B. (2025). Dehumanization. In The Stanford Encyclopedia of Philosophy (Summer 2025 Edition), Edward N. Zalta & Uri Nodelman (eds.). URL: https://plato.stanford.edu/entries/dehumanization/

[3] Redação Galileu. (2022, 10 de novembro). Nazistas usaram linguagem para desumanizar judeus e conduzir Holocausto. Revista Galileu. URL: https://revistagalileu.globo.com/sociedade/historia/noticia/2022/11/nazistas-usaram-linguagem-para-desumanizar-judeus-e-conduzir-holocausto.ghtml

[4] Painter, N. I. (2006, 14 de fevereiro). Slavery: A Dehumanizing Institution. OUPblog. URL: https://blog.oup.com/2006/02/slavery_a_dehum/

[5] Feijes, C. (2025, 30 de março). A Humanização da IA e a Desumanização do Ser Humano. Instituto Bem do Estar. URL: https://www.bemdoestar.org/artigos/a-humanizacao-da-ia-e-a-desumanizacao-do-ser-humano

[6] Abou Zeid, M. A. G., Khedr, M. A., Rayan, H. N., & Mostafa, B. (2024). The relationship between organizational dehumanization and work engagement: the mediating effect of nurses’ work stress. BMC nursing, 23(1), 1-12.

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