Neurociência

7- Engrama Cerebral: Memória e a Formação de Traços Cognitivos

Engrama é a representação física da memória no cérebro

Engrama pode soar técnica ou distante, mas ela carrega um dos conceitos mais fascinantes da neurociência, psicologia, psiquiatria e psicanálise: a representação física da memória no cérebro. Popularizado no início do século XX, o termo foi inicialmente proposto por Richard Semon, um biólogo alemão, para descrever as alterações permanentes no tecido cerebral que ocorrem como resultado de uma experiência vivida. Hoje, o engrama é estudado em profundidade para compreender como armazenamos e acessamos memórias, e como elas moldam nosso comportamento e identidade.

Neste artigo, vamos explorar o conceito de engrama cerebral sob diferentes perspectivas, destacando as contribuições da neurociência, psicologia e psicanálise, além de abordar como ele impacta a saúde mental.

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O Que é o Engrama Cerebral?

Na definição mais simples, um engrama é o rastro físico ou químico deixado no cérebro após uma experiência. Imagine que cada memória que formamos — desde um momento feliz da infância até um evento traumático — é gravada no cérebro por meio de padrões de conexões sinápticas entre os neurônios. Esses padrões, organizados em redes específicas, formam os engramas.

Na prática, o engrama é a “impressão digital” neurológica de uma memória. Ele não está confinado a uma área única do cérebro, mas é distribuído por várias regiões, como o hipocampo, o córtex pré-frontal e a amígdala, dependendo do tipo de memória (emocional, episódica ou motora).


A Neurociência por Trás do Engrama

A neurociência moderna está profundamente envolvida na investigação dos engramas, usando tecnologias avançadas, como a optogenética e a imagem funcional, para mapear as redes neurais associadas à memória.

1. Formação do Engrama

Quando uma experiência é vivida, os neurônios envolvidos formam novas conexões ou fortalecem as já existentes por meio de um processo chamado potenciação de longa duração (LTP). Este mecanismo fortalece as sinapses, facilitando a comunicação entre os neurônios, o que é crucial para a codificação e armazenamento das memórias.

  • Exemplo prático: Quando aprendemos uma nova habilidade, como tocar violão, essas conexões sinápticas se intensificam para registrar as etapas do aprendizado.

2. Recuperação do Engrama

A recuperação de uma memória ocorre quando os neurônios ativados durante a formação do engrama são estimulados novamente. Pesquisas mostram que o hipocampo desempenha um papel fundamental nesse processo, especialmente no acesso às memórias recentes.

  • Curiosidade científica: Experimentos com ratos mostraram que a estimulação artificial de grupos específicos de neurônios pode “reativar” memórias armazenadas, mesmo quando os animais pareciam incapazes de lembrar por conta própria.

3. Alterações no Engrama

Os engramas não são fixos. Eles podem ser alterados ou enfraquecidos ao longo do tempo, em um processo conhecido como reconsolidação da memória. Isso explica por que algumas lembranças podem mudar sutilmente quando as revisitamos.


Psicanálise e os Engramas: A Relação com o Inconsciente

Freud, o pai da psicanálise, não usou o termo “engrama” explicitamente, mas suas teorias sobre a memória e o inconsciente dialogam diretamente com o conceito. Para ele, memórias traumáticas ou significativas podem ser “recalcadas”, ou seja, armazenadas de forma inconsciente, mas com impacto no comportamento consciente.

1. Memória Recalcada e Traços Mnemônicos

Na psicanálise, memórias reprimidas podem ser vistas como engramas latentes, armazenados nas profundezas do inconsciente. Esses traços mnemônicos não desaparecem, mas influenciam pensamentos e comportamentos de maneira indireta.

  • Exemplo clínico: Uma pessoa que evita situações sociais sem compreender o porquê pode estar reagindo a um engrama traumático associado a rejeição ou humilhação no passado.

2. Reativação do Engrama

Processos terapêuticos, como a associação livre, ajudam a acessar esses engramas latentes, permitindo que o indivíduo os ressignifique e alivie os efeitos emocionais associados.

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Psicologia e Psiquiatria: O Papel do Engrama na Saúde Mental

Na psicologia e psiquiatria, o conceito de engrama é fundamental para entender como memórias moldam emoções, personalidade e transtornos mentais.

1. Engramas e Transtornos de Ansiedade

Memórias traumáticas armazenadas como engramas podem ser responsáveis por respostas de ansiedade exageradas, mesmo quando o perigo original não está mais presente. Isso ocorre porque a amígdala, parte do cérebro responsável por processar emoções, pode “hiperativar” esses engramas.

  • Exemplo prático: Em casos de transtorno de estresse pós-traumático (TEPT), o engrama do evento traumático é tão poderoso que a pessoa revive a experiência emocionalmente em situações desencadeantes.

2. Depressão e Engramas Negativos

Memórias associadas a eventos negativos podem ser mais facilmente acessadas em estados depressivos, reforçando um ciclo de pensamentos autodepreciativos.

  • Abordagem clínica: Terapias como a Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC) ajudam a reformular essas memórias ou reduzir seu impacto, enfraquecendo os engramas associados.

3. Plasticidade e Reprogramação

A plasticidade cerebral oferece esperança para modificar ou reprogramar engramas nocivos. Técnicas como estimulação transcraniana e terapia de exposição têm mostrado resultados promissores nesse sentido.


A Importância do Sono no Fortalecimento dos Engramas

Um dos aspectos menos discutidos, mas fundamentais, é o papel do sono na consolidação dos engramas. Durante o sono, especialmente na fase REM, o cérebro processa as experiências do dia e fortalece as conexões neurais mais relevantes.

  • Fato científico: A privação de sono pode prejudicar a consolidação da memória, resultando em engramas fragmentados ou fracos.

Curiosidades e Avanços Recentes

  1. Engramas Falsos: Estudos mostraram que é possível implantar memórias falsas em animais ao estimular artificialmente redes de neurônios. Isso levanta questões éticas e práticas sobre como memórias podem ser manipuladas.
  2. Relação com Inteligência Artificial: O estudo dos engramas inspira avanços na IA, ajudando a criar sistemas de aprendizado que imitam o funcionamento do cérebro humano.

Engrama, Memória e Identidade

O engrama cerebral é muito mais do que uma curiosidade científica. Ele é a base das nossas memórias, das nossas emoções e, em última instância, da nossa identidade. Sob as lentes da neurociência, psicologia, psiquiatria e psicanálise, vemos como esses traços de memória impactam desde as ações cotidianas até os transtornos mentais mais complexos.

Entender o funcionamento dos engramas nos aproxima de respostas para questões fundamentais sobre quem somos e como podemos superar desafios emocionais e psicológicos. Com a contínua evolução das pesquisas, o estudo dos engramas promete revolucionar o tratamento de memórias traumáticas e o aprimoramento da saúde mental.

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