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13 – Violência entre crianças e adolescentes

Violência entre crianças e adolescentes: Nos últimos anos, um fenômeno vem chamando a atenção de especialistas em saúde mental, educadores e famílias: o aumento da agressividade entre crianças e adolescentes.

Violência entre crianças e adolescentes: por que está aumentando e quais os impactos na sociedade?

A violência entre crianças e adolescentes, nos últimos anos, um fenômeno vem chamando a atenção de especialistas em saúde mental, educadores e famílias. O aumento da violência entre crianças e adolescentes engloba casos de violência escolar, brigas, bullying e até a participação precoce em crimes têm ocupado espaço nos noticiários e despertado a preocupação da sociedade.

Mas afinal, por que os jovens estão cada vez mais agressivos? Por que, em idades tão precoces, muitos já estão cometendo delitos e se envolvendo em comportamentos violentos?

A resposta não é simples. Envolve fatores neurobiológicos, psicológicos, psiquiátricos, sociais e culturais, formando um mosaico de causas que interagem e potencializam esse quadro.

O alarme soa cada vez mais alto nos lares, escolas e em toda a sociedade. A crescente onda de agressividade e o envolvimento de crianças e adolescentes em atos infracionais, popularmente chamados de crimes, tornaram-se uma das questões mais prementes e complexas do nosso tempo. Relatos de bullying, violência escolar e crimes graves cometidos por jovens estampam as manchetes e geram um misto de medo, perplexidade e a busca urgente por respostas. Mas, afinal, o que está por trás desse fenômeno? Por que uma geração que cresce em um mundo de avanços tecnológicos e acesso à informação parece, em muitos casos, mais propensa à violência?

A resposta, como alertam especialistas de diversas áreas, não é simples nem única. Trata-se de uma intrincada teia de fatores que se entrelaçam, envolvendo desde a biologia do cérebro em desenvolvimento até as complexas dinâmicas familiares, sociais e culturais. Para compreender a fundo essa questão, é preciso mergulhar nas profundezas da mente juvenil, explorando as perspectivas da neurociência, psicanálise, psiquiatria e psicologia, que, juntas, oferecem um panorama mais claro e multifacetado do problema.

Violência entre crianças e adolescentes na Neurociência: o cérebro em construção e o controle dos impulsos

A neurociência explica que a adolescência é um período marcado por intensas transformações cerebrais. O córtex pré-frontal, região responsável pelo planejamento, raciocínio lógico e controle de impulsos, só atinge a maturidade plena por volta dos 25 anos. Enquanto isso, o sistema límbico, ligado às emoções e recompensas, é altamente ativo.

Esse desequilíbrio faz com que adolescentes tenham uma tendência natural a buscar sensações fortes, agir impulsivamente e priorizar recompensas imediatas. Em um ambiente permeado por violência, seja em casa, nas ruas ou nas redes sociais, esse mecanismo cerebral pode ser ativado de forma perigosa, favorecendo comportamentos agressivos.

Estudos de neuroimagem revelam que jovens expostos constantemente a cenas violentas desenvolvem dessensibilização emocional, ou seja, uma menor resposta do cérebro a situações de agressividade. Isso explica por que, em alguns casos, o crime e a violência passam a ser vistos como algo comum, quase banalizado.

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Longe de ser apenas uma questão de “mau comportamento” ou “falta de limites”, a agressividade na adolescência tem uma base neurobiológica sólida. A neurociência revela que o cérebro adolescente é uma obra em plena construção, marcada por um descompasso crucial entre o desenvolvimento de suas diferentes áreas. É nesse desequilíbrio que reside uma das chaves para entender a impulsividade, a busca por sensações e os comportamentos de risco tão característicos dessa fase da vida.

O “ponto nevrálgico” dessa questão é o córtex pré-frontal, a região cerebral responsável pelo que nos torna mais “humanos”: o planejamento, a tomada de decisões, o controle dos impulsos, a ponderação das consequências e a regulação das emoções. Funciona como o “CEO” ou o “freio” do nosso cérebro. O problema é que, na adolescência, esse “CEO” ainda está em treinamento, amadurecendo lentamente e só atingirá sua plena funcionalidade por volta dos 25 anos de idade.

Enquanto o córtex pré-frontal se desenvolve a passos lentos, outra parte do cérebro, o sistema límbico, já está a todo vapor. Essa área, que inclui estruturas como a amígdala e o núcleo accumbens, é o centro das nossas emoções e do sistema de recompensa. É o motor que nos impulsiona em direção ao prazer, à novidade e às fortes emoções. Na adolescência, esse motor está turbinado, enquanto o freio (o córtex pré-frontal) ainda não tem força suficiente para controlá-lo.

 

“Temos um cérebro adolescente com um acelerador potente e um freio pouco eficaz. Essa combinação é a receita para a impulsividade e a dificuldade em medir as consequências dos atos”, explica a Dra. Ana Lúcia Faria, neurocientista e pesquisadora do desenvolvimento infantil.

Essa “tempestade cerebral” explica por que os adolescentes são mais propensos a agir por impulso, a se envolver em situações de risco e a ter reações emocionais intensas e, por vezes, agressivas. A amígdala, em particular, desempenha um papel central no processamento de emoções como o medo e a raiva. Em um cérebro adolescente, a amígdala pode ser hiper-reativa, levando a respostas agressivas desproporcionais a provocações ou frustrações.

Além disso, a neuroplasticidade, a incrível capacidade do cérebro de se moldar e criar novas conexões a partir das experiências, está no auge durante a adolescência. Isso significa que o ambiente e as vivências têm um impacto profundo e duradouro na arquitetura cerebral. Um ambiente familiar violento, a exposição constante a conteúdos agressivos na mídia ou o envolvimento em situações de estresse crônico podem “esculpir” um cérebro mais propenso à agressividade, reforçando os circuitos neurais associados a respostas violentas.

Psicologia da Violência entre crianças e adolescentes: a influência do ambiente e das emoções reprimidas

Sob a ótica da psicologia, a agressividade é frequentemente uma resposta aprendida. Crianças que crescem em lares conflituosos, expostas a brigas constantes ou à negligência, tendem a reproduzir comportamentos violentos. A falta de diálogo, afeto e limites claros também alimenta a frustração e a incapacidade de lidar com emoções como raiva, medo ou insegurança.

 A psicologia do desenvolvimento, por sua vez, foca nas tarefas e nos desafios de cada fase da vida. A adolescência é marcada pela busca da identidade, da autonomia e do pertencimento a um grupo. Quando essas necessidades não são atendidas de forma saudável, o jovem pode buscar no crime ou na violência uma forma de se afirmar e de encontrar um lugar no mundo.

As funções executivas, um conjunto de habilidades cognitivas que nos permitem controlar nossos pensamentos, emoções e ações, também são um campo de estudo importante para a psicologia. Déficits nessas funções, que, como vimos, estão relacionadas ao desenvolvimento do córtex pré-frontal, são fortes preditores de problemas de comportamento e delinquência.

A psicologia do desenvolvimento mostra ainda que a ausência de habilidades socioemocionais — como empatia, resolução de conflitos e autocontrole — contribui para que pequenos desentendimentos escalem para atos violentos. Nesse sentido, escolas que não oferecem programas de educação emocional deixam os jovens mais vulneráveis.

Outro ponto importante é o bullying: tanto vítimas quanto agressores podem desenvolver quadros de agressividade crônica, criando um ciclo que se perpetua e se intensifica na adolescência.

Psiquiatria: transtornos e diagnósticos precoces para combater a Violência entre crianças e adolescentes

A psiquiatria alerta que, em alguns casos, a agressividade pode estar ligada a transtornos de saúde mental. Entre os mais comuns estão o Transtorno de Conduta, o Transtorno Opositivo-Desafiador e até quadros de Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), quando não diagnosticados ou tratados adequadamente.

O Transtorno de Conduta é um dos diagnósticos mais associados à delinquência juvenil. Caracteriza-se por um padrão repetitivo e persistente de comportamento no qual são violados os direitos básicos dos outros ou normas sociais importantes. Isso inclui agressão a pessoas e animais, destruição de propriedade, fraudes, roubos e violações graves de regras.

Outro quadro comum é o Transtorno Opositivo Desafiador (TOD), marcado por um padrão de humor raivoso/irritável, comportamento questionador/desafiante e índole vingativa. Embora menos grave que o Transtorno de Conduta, o TOD pode ser um precursor deste e causar prejuízos significativos na vida do jovem e de sua família.

O Transtorno Explosivo Intermitente (TEI) também merece atenção. Caracteriza-se por explosões de raiva recorrentes e desproporcionais à provocação, que podem resultar em agressão verbal ou física. Essas explosões não são premeditadas e causam grande sofrimento ao indivíduo.

É fundamental destacar que o diagnóstico desses transtornos deve ser feito por um profissional qualificado, após uma avaliação cuidadosa que leve em conta o histórico do jovem, o contexto familiar e social e a presença de outros transtornos, como depressão, ansiedade e TDAH (Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade), que frequentemente coexistem com os transtornos de comportamento.

“O trauma na infância, como abuso físico, sexual ou emocional, é um dos principais fatores de risco para o desenvolvimento de transtornos mentais na adolescência, incluindo os transtornos de conduta. Um cérebro em desenvolvimento exposto a um ambiente tóxico tem mais chances de adoecer”, alerta a psiquiatra infantil Dra. Helena Costa.

Além disso, a depressão e a ansiedade também podem se manifestar de forma agressiva em crianças e adolescentes, especialmente quando não conseguem expressar sua dor emocional de maneira saudável. O resultado são explosões de raiva, comportamentos de risco e, em casos mais graves, envolvimento em infrações.

A psiquiatria destaca ainda a importância da intervenção precoce: quanto mais cedo o transtorno é identificado e tratado, maiores são as chances de reverter ou minimizar os comportamentos agressivos.

Psicanálise: o inconsciente e a violência simbólica

Se a neurociência nos mostra o “hardware” do cérebro adolescente, a psicanálise nos convida a explorar o “software”, o universo simbólico e inconsciente que move os jovens. Para a psicanálise, a agressividade não é apenas um comportamento a ser reprimido, mas uma expressão, muitas vezes distorcida, de conflitos internos, angústias e desejos não elaborados.

A psicanálise oferece um olhar diferenciado, indo além da biologia e da clínica médica. Para Freud, a agressividade é parte da condição humana, derivada do instinto de morte (Thanatos) e da dificuldade em lidar com frustrações. Quando a criança não encontra meios simbólicos de elaborar seus conflitos internos, essa energia pode se manifestar em atos violentos.

Desde Sigmund Freud, o pai da psicanálise, a agressividade é entendida como uma pulsão fundamental do ser humano, a pulsão de morte (Thanatos), que se contrapõe à pulsão de vida (Eros). Na adolescência, com o turbilhão de transformações físicas e psíquicas, essas pulsões se intensificam. A agressividade pode surgir como uma forma de lidar com a angústia da castração, com a perda da identidade infantil e com a difícil tarefa de construir um novo lugar no mundo.

Donald Winnicott, outro importante psicanalista, oferece uma perspectiva complementar. Para ele, a agressividade tem uma origem ainda mais primitiva, ligada à própria sobrevivência e à constituição do eu. Uma certa dose de agressividade é vital e criativa. O problema surge quando essa agressividade não encontra um ambiente acolhedor e seguro para ser expressa e integrada. Um ambiente familiar negligente ou violento pode transformar essa força vital em destrutividade.

“A tendência antissocial, na visão de Winnicott, é um pedido de socorro. É a expressão de uma esperança de que o ambiente, que falhou em algum momento crucial do desenvolvimento, possa ser reencontrado e restaurado”, afirma o psicanalista Carlos Mendes, especialista em adolescência.

O bullying, por exemplo, pode ser entendido, sob a ótica psicanalítica, como uma projeção. O agressor ataca no outro aquilo que ele não suporta em si mesmo, suas próprias fragilidades e inseguranças. A violência, nesse caso, é uma tentativa desesperada de afirmar uma identidade e um poder que, no fundo, são extremamente frágeis.

Melanie Klein e Jacques Lacan também contribuíram para a compreensão da agressividade juvenil. Klein destacou a importância das primeiras relações objetais (a relação com a mãe, principalmente) na modulação da agressividade. Lacan, por sua vez, associou a violência a uma falha na simbolização, ou seja, quando o jovem não consegue expressar suas angústias através da palavra, ele o faz através do ato violento, a chamada “passagem ao ato”.

O papel das redes sociais e da cultura digital

Nenhuma análise seria completa sem mencionar o impacto da internet e das redes sociais. A chamada cultura da violência é constantemente reforçada por conteúdos que glorificam comportamentos agressivos — de vídeos de brigas até músicas que exaltam o crime.

Para crianças e adolescentes em fase de formação identitária, essa exposição pode atuar como um poderoso reforço positivo, estimulando a imitação e a busca por reconhecimento. O fenômeno das “lives de crimes” e a espetacularização da violência são exemplos claros de como a internet potencializa comportamentos perigosos.

O Caminho para a Mudança: Prevenção e Intervenção

Diante de um quadro tão complexo, a solução não pode ser simplista. Não se trata de endurecer leis ou de punir com mais rigor, mas de construir uma rede de proteção e de cuidado que atue em diversas frentes, desde a primeira infância até a adolescência.

Na família: É fundamental que os pais e cuidadores estabeleçam limites claros e consistentes, com afeto e diálogo. Um ambiente familiar seguro, acolhedor e com regras bem definidas é o principal fator de proteção contra a violência.

Na escola: A escola tem um papel crucial na identificação precoce de problemas de comportamento e no desenvolvimento de habilidades socioemocionais, como a empatia, a resolução de conflitos e o controle da raiva. Programas de prevenção ao bullying e de mediação de conflitos são essenciais.

Na sociedade: É preciso combater a desigualdade social, garantir o acesso à educação de qualidade, à cultura, ao esporte e ao lazer. Políticas públicas que promovam a inclusão social e a profissionalização dos jovens são fundamentais para oferecer alternativas ao crime.

Na saúde: É urgente ampliar o acesso a serviços de saúde mental para crianças e adolescentes. O diagnóstico e o tratamento precoces de transtornos mentais podem evitar o agravamento dos problemas de comportamento e o envolvimento com a criminalidade.

A agressividade e a criminalidade juvenil são um sintoma de uma sociedade que, em muitos aspectos, está doente. O grito dos nossos jovens, por mais violento e assustador que possa parecer, é um chamado à reflexão e à ação. Escutá-lo com atenção e buscar compreendê-lo em toda a sua complexidade é o primeiro e mais importante passo para construirmos um futuro mais seguro e menos violento para todos.

Os Números que Assustam: Estatísticas da Violência Juvenil no Brasil

Os dados mais recentes sobre violência envolvendo crianças e adolescentes no Brasil pintam um quadro alarmante que exige atenção urgente de toda a sociedade. Segundo o Atlas da Violência 2024, houve um crescimento significativo na proporção de estudantes que reportaram sofrer bullying nos últimos dez anos. Em 2009, os índices eram consideravelmente menores do que os registrados atualmente, evidenciando uma tendência preocupante de escalada da violência no ambiente escolar.

O Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania contabilizou mais de 274.999 queixas de violência contra crianças e adolescentes apenas em 2024. Esse número representa um aumento substancial em relação aos anos anteriores e reflete não apenas o crescimento dos casos, mas também uma maior conscientização sobre a importância de denunciar essas situações.

O Disque 100, canal oficial de denúncias de violações de direitos humanos, registrou 657.200 denúncias em 2024, representando um crescimento de 22,6% em relação a 2023. Esses dados constituem um novo recorde histórico e demonstram a gravidade da situação atual.

Particularmente alarmante é o fato de que cerca de 80% das agressões contra crianças até 14 anos acontecem dentro de suas próprias casas, segundo dados da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP). Isso significa que o lar, que deveria ser o ambiente mais seguro para o desenvolvimento infantil, tornou-se, em muitos casos, um local de risco e trauma.

A análise temporal revela uma tendência consistente de crescimento. De 2013 a 2023, houve aumento em todos os tipos de violência contra crianças e adolescentes, conforme dados do Sistema de Informação de Agravos de Notificação do Ministério da Saúde. Esse crescimento sustentado ao longo de uma década indica que não se trata de um fenômeno isolado ou temporário, mas de uma questão estrutural que demanda intervenções sistêmicas.

No ambiente escolar, as denúncias de violência tiveram um aumento de mais de 18% em 2024 na comparação com 2023, segundo dados da Agência Gov. Esse crescimento é particularmente preocupante porque a escola deveria ser um ambiente de proteção e desenvolvimento, não de exposição à violência.

A Revolução Digital e Seus Impactos na Mente Juvenil

A era digital trouxe transformações profundas na forma como crianças e adolescentes se relacionam com o mundo e entre si. O excesso de telas tem impactos reais e mensuráveis no cérebro em desenvolvimento, contribuindo para o aumento da agressividade e da desatenção. Estudos neurocientíficos mostram que a exposição excessiva a dispositivos eletrônicos pode alterar a estrutura e o funcionamento cerebral, especialmente nas áreas responsáveis pelo controle de impulsos e regulação emocional.

O cyberbullying emergiu como uma nova forma de violência, potencializando os danos psicológicos porque a agressão pode ocorrer 24 horas por dia, sete dias por semana. Diferentemente do bullying tradicional, que ficava restrito ao ambiente escolar, o cyberbullying invade a privacidade do lar e não oferece momentos de respiro para as vítimas.

Os desafios online representam outro fenômeno preocupante, expondo crianças e adolescentes a situações de risco extremo. Esses desafios, que circulam nas redes sociais, podem levar a comportamentos autolesivos e até mesmo ao suicídio, demonstrando como a influência digital pode ter consequências trágicas na vida real.

A busca por curtidas e interações nas redes sociais ativa o sistema de recompensa cerebral de forma similar às drogas, criando uma dependência que pode levar a comportamentos cada vez mais extremos para obter atenção e validação social. Essa dinâmica é particularmente perigosa para adolescentes, cujo sistema de recompensa já está naturalmente hiperativo.

O Papel da Família na Prevenção da Violência

A família continua sendo o primeiro e mais importante ambiente de socialização da criança. Pesquisas consistentemente demonstram que a proteção familiar é um dos fatores mais eficazes na prevenção da agressividade juvenil. Quanto maior a proteção e o suporte familiar, menor é a expressão da agressividade verbal e hostilidade na idade juvenil.

Entretanto, quando a família se torna fonte de trauma, os efeitos podem ser devastadores. Maus-tratos infantis são preditores significativos de agressividade na adolescência. Crianças que sofrem abuso físico, sexual ou emocional têm maior probabilidade de desenvolver transtornos de comportamento e de reproduzir padrões violentos em suas relações futuras.

A negligência emocional, embora menos visível que o abuso físico, pode ser igualmente prejudicial. Crianças que crescem em ambientes onde suas necessidades emocionais não são atendidas podem desenvolver a chamada “tendência antissocial”, que, segundo Winnicott, é uma tentativa desesperada de recuperar o cuidado perdido.

Intervenções Eficazes: O Que Funciona na Prática

A experiência internacional e nacional mostra que intervenções precoces são mais eficazes e menos custosas do que tentativas de correção na adolescência tardia ou idade adulta. Programas que atuam na primeira infância, fortalecendo vínculos familiares e desenvolvendo habilidades parentais, têm demonstrado resultados promissores na prevenção da violência juvenil. Terapias baseadas em evidências, como a Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC), a Terapia Multissistêmica (MST) e a Terapia Familiar Funcional (FFT), têm mostrado eficácia no tratamento de adolescentes com problemas de comportamento. Essas abordagens trabalham não apenas com o jovem, mas com todo o sistema familiar e social que o cerca.

Os Centros de Atenção Psicossocial Infantojuvenil (CAPSij) desempenham um papel crucial no atendimento a crianças e adolescentes com transtornos mentais graves, incluindo transtornos de conduta. Esses serviços oferecem atendimento multidisciplinar e podem fazer a diferença entre a recuperação e o agravamento dos problemas comportamentais.

Programas de mediação de conflitos nas escolas têm se mostrado eficazes na redução da violência escolar. Esses programas ensinam aos estudantes habilidades de resolução pacífica de conflitos, empatia e comunicação não-violenta.

Fatores sociais: desigualdade e ausência de perspectivas

A psicologia social aponta que a violência juvenil também está relacionada a fatores macroestruturais, como desigualdade social, exclusão e falta de oportunidades. Em contextos de vulnerabilidade, o crime pode ser visto como alternativa para conquistar status, pertencimento ou até sobrevivência.

Além disso, a percepção de impunidade e a falta de políticas públicas consistentes reforçam a sensação de que a agressividade “compensa”. Isso contribui para a escalada da violência entre jovens.

O Futuro da Prevenção: Tecnologia e Inovação

A tecnologia, que é parte do problema, também pode ser parte da solução. Aplicativos de monitoramento parental podem ajudar os pais a acompanhar a atividade online de seus filhos e identificar sinais de risco precocemente. Plataformas de educação socioemocional online podem complementar o trabalho das escolas no desenvolvimento de habilidades de vida.

Inteligência artificial está sendo utilizada para identificar padrões de comportamento que podem indicar risco de violência ou autolesão em redes sociais, permitindo intervenções preventivas. Realidade virtual está sendo testada como ferramenta terapêutica para ajudar jovens a desenvolver empatia e habilidades sociais em ambientes controlados.

Telemedicina e telepsicologia expandiram o acesso a serviços de saúde mental, especialmente importante em regiões com escassez de profissionais especializados. Essas modalidades de atendimento se mostraram especialmente relevantes durante a pandemia e continuam sendo uma alternativa valiosa.

A crescente agressividade entre crianças e adolescentes não é um fenômeno isolado ou inevitável. É o resultado de uma complexa interação entre fatores neurobiológicos, psicológicos, familiares e sociais que podem e devem ser abordados de forma sistemática e coordenada.

A neurociência nos ensina que o cérebro adolescente é maleável e responsivo a intervenções adequadas. A psicanálise nos lembra que por trás de cada ato agressivo há uma história de dor e necessidades não atendidas. A psiquiatria nos oferece ferramentas diagnósticas e terapêuticas para casos mais graves. A psicologia nos mostra caminhos para a prevenção e a promoção de desenvolvimento saudável.

O enfrentamento eficaz dessa questão exige um esforço coletivo que envolva famílias, escolas, profissionais de saúde, gestores públicos e toda a sociedade. Não podemos mais nos dar ao luxo de tratar a violência juvenil como um problema de “outros” ou como uma questão exclusivamente policial ou judicial.

Cada criança que cresce em um ambiente violento, cada adolescente que não recebe o suporte necessário para navegar as turbulências dessa fase da vida, cada jovem que encontra no crime a única forma de pertencimento e reconhecimento, representa não apenas uma tragédia individual, mas um fracasso coletivo que todos nós compartilhamos.

A boa notícia é que sabemos o que funciona. Temos evidências científicas sólidas sobre intervenções eficazes. O que nos falta é vontade política e mobilização social para implementar essas soluções em escala adequada. O futuro de nossa sociedade depende de nossa capacidade de cuidar de nossos jovens hoje.

O que fazer para reverter esse quadro?

Especialistas concordam que o enfrentamento da agressividade infantil e adolescente precisa ser multidisciplinar e intersetorial. Algumas medidas fundamentais incluem:

  • Educação emocional nas escolas, ensinando crianças a lidar com frustrações, conflitos e empatia.
  • Apoio psicológico acessível, com psicólogos e psiquiatras atuando em unidades básicas de saúde e instituições de ensino.
  • Fortalecimento dos vínculos familiares, oferecendo programas de orientação parental.
  • Controle e monitoramento do acesso digital, reduzindo a exposição precoce a conteúdos violentos.
  • Políticas públicas de inclusão social, criando oportunidades reais de estudo, trabalho e lazer saudável para jovens em situação de risco.

 

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