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27 – Depressão e Psicose Pós-Parto

Depressão e Psicose Pós-Parto assombram o puerpério, da tristeza avassaladora à perigosa quebra com a realidade

Depressão e Psicose Pós-Parto – A maternidade é frequentemente idealizada como um período de plenitude e felicidade. No entanto, para muitas mulheres, o pós-parto é marcado por intensos desafios emocionais e psicológicos. Duas condições clínicas que se destacam nesse contexto são a depressão pós-parto e a psicose pós-parto.

Embora ambas surjam após o nascimento do bebê, elas diferem em intensidade, sintomas, causas e riscos associados. Compreender essas diferenças é fundamental não apenas para garantir o bem-estar da mãe, mas também para proteger a vida do recém-nascido.

Uma parcela significativa de mulheres, o período que se segue ao parto — o puerpério — se revela um labirinto sombrio, povoado por medos, angústias e uma tristeza que parece não ter fim. Longe de ser um desvio de caráter ou “falta de amor” pelo recém-nascido, esses sentimentos podem ser o sinal de transtornos mentais sérios que exigem atenção, acolhimento e tratamento especializado. Dois dos quadros mais importantes, e frequentemente confundidos, são a depressão pós-parto (DPP) e a psicose pós-parto (PPP).

Embora ambos surjam no delicado cenário do pós-nascimento, eles representam realidades clínicas, prognósticos e, crucialmente, níveis de risco completamente distintos. A depressão pós-parto, mais comum, lança uma névoa de desespero sobre a mãe, minando sua energia e capacidade de sentir prazer.

Já a psicose pós-parto, uma condição rara e gravíssima, fratura a percepção da realidade, podendo levar a consequências trágicas. Compreender as diferenças entre elas não é apenas um exercício acadêmico; é uma ferramenta vital para salvar vidas — a da mãe e a do bebê. 

A Depressão Pós-Parto

A depressão pós-parto (DPP) é um transtorno de humor que afeta entre 10% e 20% das mulheres após o nascimento do bebê. Ela se manifesta, em geral, nas primeiras semanas ou meses após o parto, podendo durar de meses a até dois anos se não for tratada.

A depressão pós-parto é a complicação não-obstétrica mais comum do pós-parto, afetando, segundo estimativas, uma em cada sete mulheres. Longe de ser uma simples melancolia ou o chamado “baby blues” — uma alteração de humor mais branda e transitória que pode durar até duas semanas —, a DPP é um quadro clínico que pode se instalar de forma insidiosa nas semanas ou meses seguintes ao nascimento, persistindo por um longo período se não for devidamente tratado.

Sintomas da depressão pós-parto

Os sintomas da depressão pós-parto são complexos e cariados e vão muito além da tristeza. A mulher se vê imersa em um estado de humor deprimido na maior parte do dia, quase todos os dias. Atividades que antes lhe davam prazer, incluindo os cuidados com o bebê, perdem a cor e o sentido (anedonia).

A energia vital parece se esvair, dando lugar a um cansaço avassalador que o sono não repara. Outros sinais incluem:

  • Alterações de sono e apetite: Insônia ou hipersonia, perda ou ganho de peso significativo.

  • Ansiedade e irritabilidade: Preocupação excessiva e constante, muitas vezes focada na saúde do bebê, e uma baixa tolerância a frustrações.

  • Sentimentos de culpa e inutilidade: A mãe pode se sentir uma “péssima mãe”, incapaz de cuidar do filho, e se culpar por não estar sentindo a alegria esperada.

  • Dificuldade de concentração: Tomar decisões simples se torna uma tarefa hercúlea.

  • Pensamentos sobre morte ou suicídio: Em casos mais graves, podem surgir ideias de autoextermínio.

Algumas mães também relatam: tristeza persistente e sensação de vazio, crises de choro frequentes e sem motivo aparente, sentimentos de inadequação e culpa, perda de interesse ou prazer em atividades antes valorizadas e dificuldade em criar vínculo afetivo com o bebê.

É crucial entender que, na depressão pós-parto, a mãe, apesar de todo o sofrimento, mantém o contato com a realidade. Ela sabe quem é, onde está e reconhece seu bebê. A dor é interna, uma batalha travada no campo do afeto e da cognição.

O que diz que a psiquiatria e a psicologia 

Do ponto de vista psiquiátrico, a DPP é classificada como um episódio depressivo maior com início no periparto. O tratamento, especialmente em casos moderados a graves, frequentemente envolve a combinação de psicoterapia e medicamentos antidepressivos.

“Nenhum antidepressivo está contraindicado na gravidez ou lactação, mas alguns aspectos de segurança devem ser discutidos sempre em uma decisão compartilhada envolvendo o psiquiatra, a paciente e o obstetra”, afirma o Dr. Joel Rennó Jr., coordenador do Programa de Saúde Mental da Mulher do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da USP.

A psicologia, por sua vez, busca acolher e elaborar os sentimentos que emergem nesse período. A terapia cognitivo-comportamental (TCC), por exemplo, ajuda a reestruturar pensamentos disfuncionais e a desenvolver estratégias de enfrentamento. A abordagem psicodinâmica ou psicanalítica pode explorar conflitos mais profundos, como a reedição da relação da mulher com sua própria mãe, a ambivalência inerente à maternidade e a perda da identidade anterior ao nascimento do filho.

Na psicanálise, a depressão pós-parto pode ser interpretada como um conflito inconsciente relacionado à identidade materna, à relação da mulher com sua própria mãe e às ansiedades ligadas à perda da individualidade.

Depressão Pós-Parto vs. Psicose Pós-Parto
Depressão Pós-Parto vs. Psicose Pós-Parto
Depressão Pós-Parto vs. Psicose Pós-Parto
Depressão Pós-Parto vs. Psicose Pós-Parto

O que diz a Neurociência?

A neurociência tem esclarecido as complexas alterações cerebrais que ocorrem durante a gestação e o puerpério, oferecendo pistas sobre a vulnerabilidade à DPP. Estudos de neuroimagem mostram que a gravidez promove uma “poda” neuronal, uma reorganização de áreas cerebrais, especialmente no córtex pré-frontal e no sistema límbico, que são cruciais para a regulação emocional e o comportamento social. Essa plasticidade, embora fundamental para o desenvolvimento do vínculo mãe-bebê, pode também criar uma janela de vulnerabilidade.

Estudos apontam que a depressão pós-parto está relacionada a alterações hormonais (queda abrupta de estrogênio e progesterona), mas também a mudanças neuroquímicas envolvendo serotonina, dopamina e ocitocina. A ocitocina, conhecida como o “hormônio do vínculo”, muitas vezes encontra-se em níveis baixos, dificultando a sensação de prazer na interação com o bebê. Além disso, exames de neuroimagem mostram que áreas ligadas à regulação emocional, como a amígdala e o córtex pré-frontal, apresentam funcionamento alterado em mulheres com DPP.

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Pesquisas recentes, como a publicada no periódico Molecular Psychiatry, identificaram que mulheres que desenvolvem DPP apresentam alterações distintas em redes neurais, como a rede de modo padrão (associada à autorreflexão) e a rede de saliência (que nos ajuda a focar em estímulos importantes). Além disso, a abrupta queda dos níveis de estrogênio e progesterona após o parto pode desregular sistemas de neurotransmissores como a serotonina e a dopamina, intimamente ligados à regulação do humor. Estudos também apontam para um aumento no volume da amígdala — o centro do medo no cérebro — em mulheres com sintomas depressivos, o que pode explicar a ansiedade exacerbada.

A depressão pós-parto raramente leva a situações diretas de violência contra o bebê, mas pode resultar em negligência involuntária: dificuldade de amamentar, atraso nos cuidados, falta de interação emocional. A ausência de vínculo afetivo nessa fase crítica pode impactar o desenvolvimento emocional e cognitivo da criança.

O Delírio e a Ruptura: A Emergência da Psicose Pós-Parto

Se a depressão pós-parto é uma sombra, a psicose pós-parto é um terremoto. Trata-se de uma condição muito mais rara, afetando de 1 a 2 mulheres a cada 1.000 partos, mas de uma gravidade extrema, sendo considerada uma emergência psiquiátrica. O início é tipicamente súbito e dramático, ocorrendo nos primeiros dias ou nas primeiras semanas após o parto.

Sintomas: A Perda do Chão da Realidade

A característica central da psicose pós-parto é a perda de contato com a realidade. A mulher passa a vivenciar um estado de confusão mental, agitação e mudanças de humor bruscas e extremas. Os sintomas psicóticos clássicos se manifestam de forma intensa:

  • Delírios: Crenças falsas e irredutíveis, que não se baseiam na realidade. A mãe pode acreditar que o bebê está possuído, que é um salvador ou um demônio, ou que forças externas querem fazer mal a ela ou ao filho.

  • Alucinações: Percepções sensoriais sem um estímulo real. É comum ouvir vozes (alucinações auditivas) que dão ordens ou comentam sobre seus atos, muitas vezes com conteúdo depreciativo ou violento.

  • Comportamento e fala desorganizados: A mulher pode apresentar um discurso incoerente, pular de um assunto para outro sem conexão lógica, ou exibir um comportamento bizarro e sem propósito.

  • Paranoia e desconfiança: Uma sensação avassaladora de que está sendo perseguida ou que todos ao seu redor representam uma ameaça.

Mulheres também relataram: confusão mental severa, alterações bruscas de humor, oscilando entre euforia e desespero, insônia extrema e ideias suicidas ou de fazer mal ao bebê.

O Risco Iminente: Por que a Vida do Bebê Está em Jogo

É aqui que reside a diferença mais perigosa em relação à depressão pós-parto. Devido à natureza dos delírios e alucinações, a psicose pós-parto coloca a vida do bebê em risco real e imediato. O risco de infanticídio, embora baixo em números absolutos (estimado em cerca de 4%), é uma possibilidade trágica e real. A mãe, em seu estado psicótico, pode agir com base em suas crenças delirantes, acreditando que está “salvando” o bebê de um destino terrível ou obedecendo as vozes que a comanda. O risco de suicídio também é significativo, chegando a 5%.

Por essa razão, a ação imediata é a hospitalização. A internação psiquiátrica é fundamental para garantir a segurança tanto da mãe quanto do bebê, permitindo que o tratamento seja iniciado em um ambiente controlado. O tratamento envolve o uso de medicamentos antipsicóticos e estabilizadores de humor, e a recuperação pode levar de seis meses a um ano.

A Visão da Psiquiatria e da Neurociência na Psicose Pós-Parto

Pesquisas sugerem que a psicose pós-parto está relacionada a uma vulnerabilidade genética associada a transtornos bipolares e esquizofrenia. Alterações neuroquímicas intensas no sistema dopaminérgico e no circuito córtico-límbico explicam os sintomas psicóticos, como delírios e alucinações. Além disso, distúrbios no ritmo circadiano e privação de sono funcionam como gatilhos.

A psiquiatria associa fortemente a psicose pós-parto ao transtorno bipolar. Estima-se que de 10% a 20% das mulheres com transtorno bipolar desenvolverão o quadro.

“O aumento do risco chega a 100%”, alerta a Dra. Samantha Meltzer-Brody, uma das maiores especialistas mundiais no tema. Acredita-se que a privação de sono após o parto, somada às flutuações hormonais e à predisposição genética, atue como um gatilho para um episódio maníaco ou misto com características psicóticas.

Para a psiquiatria, a psicose pós-parto exige internação imediata em ambiente hospitalar. O tratamento envolve o uso de antipsicóticos, estabilizadores de humor e, em alguns casos, eletroconvulsoterapia (ECT). Diferente da DPP, a psicose pode se instalar de forma abrupta, surpreendendo familiares e profissionais de saúde.

Do ponto de vista neurocientífico, as investigações ainda estão em andamento, mas já apontam para disfunções em circuitos cerebrais ligados ao processamento de informações e à regulação do humor.

Estudos com ressonância magnética funcional (fMRI) sugerem que mulheres com risco de PPP podem ter alterações na conectividade de redes neurais, especialmente no córtex pré-frontal, uma área chave para o julgamento e o controle de impulsos. A desregulação do sistema dopaminérgico, um neurotransmissor central na psicose, também é uma das principais hipóteses investigadas.

Na visão da Psicologia e da Psicanálise

Na psicologia clínica, a psicose pós-parto é entendida como uma ruptura com a realidade, na qual a mãe perde a capacidade de simbolizar a experiência da maternidade. A psicanálise a interpreta como um colapso do ego diante da sobrecarga psíquica: a mulher não consegue integrar o bebê em sua estrutura simbólica, resultando em delírios e alucinações.

A psicose pós-parto representa o maior risco direto para a vida do bebê. Delírios e alucinações podem levar a infanticídio ou abandono em situações de perigo, além de risco de suicídio materno. Por isso, é considerada uma emergência psiquiátrica.

O que Fazer em Cada Caso?

No caso da Depressão Pós-Parto:

  1. Diagnóstico precoce: acompanhamento com psicólogo e psiquiatra.

  2. Psicoterapia: especialmente terapia cognitivo-comportamental.

  3. Farmacoterapia: uso de antidepressivos compatíveis com a amamentação.

  4. Rede de apoio: participação ativa do parceiro e familiares.

  5. Cuidado neuropsicológico: estratégias para estimular vínculo com o bebê.

No caso da Psicose Pós-Parto:

  1. Urgência psiquiátrica: procurar atendimento hospitalar imediato.

  2. Internação: a mãe não deve ficar sozinha com o bebê.

  3. Medicação intensiva: estabilizadores de humor e antipsicóticos.

  4. Proteção do bebê: acompanhamento social e médico imediato.

  5. Apoio psicológico à família: lidar com o impacto emocional e social da crise.

 

A depressão pós-parto e a psicose pós-parto compartilham o mesmo cenário de surgimento, mas apresentam intensidades, causas e riscos muito diferentes. Enquanto a depressão afeta de forma mais ampla e prolongada o bem-estar da mãe e o vínculo com o bebê, a psicose pós-parto é rara, porém extremamente grave, representando um risco imediato e direto à vida da criança.

Diferenciar depressão e psicose pós-parto é mais do que uma questão de diagnóstico; é um ato de cuidado e responsabilidade social. A romantização da maternidade cria uma perigosa cortina de silêncio que impede muitas mulheres de buscar ajuda, por vergonha ou culpa. É imperativo que familiares, amigos e profissionais de saúde estejam atentos aos sinais. Uma mãe que chora e se sente incapaz precisa de acolhimento e, possivelmente, de tratamento para depressão. Uma mãe que fala coisas sem sentido, que parece assustada ou que expressa ideias bizarras sobre o bebê precisa de ajuda médica urgente.

A neurociência, a psicologia, a psicanálise e a psiquiatria convergem ao demonstrar que compreender essas condições não é apenas uma questão de saúde individual, mas também de proteção social e familiar. Identificar sinais precocemente, buscar tratamento especializado e garantir apoio são passos fundamentais para salvar vidas e promover maternidades mais seguras e saudáveis.

O puerpério é uma revolução neurobiológica, psicológica e social. Entender que o cérebro da mulher passa por uma das transformações mais radicais de sua vida é o primeiro passo para desmistificar os transtornos mentais do pós-parto.

A psicanálise nos lembra que tornar-se mãe envolve lutos e reconfigurações psíquicas profundas. A psicologia nos oferece ferramentas para atravessar essa fase, e a psiquiatria, intervenções eficazes para restaurar o equilíbrio químico do cérebro. Juntas, essas áreas do saber formam uma rede de proteção que pode, e deve, amparar a mãe e seu bebê, garantindo que a sombra da tristeza ou o caos da psicose deem lugar à luz de uma nova vida.

Referências:

 

  1. Drauzio Varella – Psicose pós-parto: sintomas, tratamento e fatores de risco. Disponível em: https://drauziovarella.uol.com.br/mulher/psicose-pos-parto-sintomas-tratamento-e-fatores-de-risco/
  2. Drauzio Varella – Depressão pós-parto afeta mãe e bebê e precisa de tratamento. Disponível em: https://drauziovarella.uol.com.br/mulher/depressao-pos-parto-afeta-mae-e-bebe-e-precisa-de-tratamento/
  3. Cajão, Rute – Neurobiologia da Depressão Pós-Parto. (2011). Repositório Científico da Universidade de Coimbra. Disponível em: https://estudogeral.uc.pt/bitstream/10316/85678/1/Caj%C3%A3o%2C%20Rute%20-%20Neurobiologia%20da%20Depress%C3%A3o%20P%C3%B3s-Parto%20-%20FMUC%2020.pdf
  4. Deligiannidis, K. M., & Kroll-Desrosiers, A. (2020). Altered brain network connectivity in women with and at-risk for postpartum depression. Molecular Psychiatry. Disponível em: https://www.nature.com/articles/s41380-020-00878-2
  5. Perry, A., et al. (2021). Altered dynamics of the prefrontal networks are associated with the risk for postpartum psychosis: a functional magnetic resonance imaging study. Translational Psychiatry. Disponível em: https://www.nature.com/articles/s41398-021-01351-5

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