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14 – Funk e a legitimação do abuso

Funk e a legitimação do abuso - O problema emerge quando essas letras naturalizam o desejo por “novinhas” (termo popular para adolescentes e até pré-adolescentes). Nesse ponto, a música deixa de ser apenas expressão cultural para se tornar veículo de dessensibilização coletiva sobre a gravidade do abuso sexual infantil.

Funk e a legitimação do abuso – O funk brasileiro, especialmente em sua vertente “proibidão” ou “ostentação sexual”, consolidou-se como um fenômeno cultural e musical de grande alcance. Por um lado, ele é expressão de resistência e identidade de comunidades marginalizadas; por outro, suas letras muitas vezes carregam narrativas de violência, consumo e hipersexualização.

O Brasil enfrenta uma epidemia silenciosa e devastadora: o abuso e a exploração sexual de crianças e adolescentes. Dados recentes do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC) revelam uma tendência de crescimento alarmante nas denúncias, que saltaram de 18.809 em 2021 para 36.802 em 2024 — um aumento de 95,6%.

Em 2023, o país registrou um caso de estupro de vulnerável a cada 8 minutos. Enquanto a sociedade busca respostas para esse cenário trágico, emerge um debate complexo e necessário sobre os fatores culturais que podem contribuir para a normalização dessa violência. Neste contexto, a análise de fenômenos de massa, como o funk que hipersexualiza e objetifica “novinhas”, torna-se indispensável.

O problema emerge quando essas letras naturalizam o desejo por “novinhas” (termo popular para adolescentes e até pré-adolescentes). Nesse ponto, a música deixa de ser apenas expressão cultural para se tornar veículo de dessensibilização coletiva sobre a gravidade do abuso sexual infantil.

Funk e a legitimação do abuso
Funk e a legitimação do abuso

Cenário Geral das Denúncias (2020-2025)

Os dados mostram uma tendência preocupante de aumento no número de denúncias de violência sexual contra crianças e adolescentes no Brasil.

  • Queda em 2020: O único período que registrou uma queda no número de denúncias foi o ano de 2020, um resultado que especialistas atribuem à subnotificação causada pelo isolamento social durante a pandemia de COVID-19, que manteve as crianças em casa, muitas vezes com o agressor, e longe de ambientes seguros como a escola, onde os abusos são frequentemente identificados.
  • Aumento Pós-Pandemia: A partir de 2021, os números voltaram a crescer de forma expressiva. Entre 2021 e 2024, o Brasil registrou 110.449 denúncias de abuso sexual contra crianças e adolescentes. O auge ocorreu em 2024, com 36.802 denúncias, um aumento de 95,6% em relação a 2021.
  • Dados de 2025: Comparando os primeiros quatro meses, 2025 já supera 2024 em número de casos, com 11.110 denúncias registradas de janeiro a abril, contra 10.566 no mesmo período do ano anterior.

O Agressor Não é um Monstro Distante: O Perfil Real da Violência

Antes de analisar os fatores culturais, é crucial desmistificar a figura do agressor. Contrariando o imaginário popular, o perigo raramente vem de um estranho. Dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) e do Unicef indicam que em mais de 85% dos casos, o agressor é uma pessoa conhecida e de confiança da vítima: pai, padrasto, tio, avô, vizinho ou amigo da família. A própria residência da vítima é o palco do crime em cerca de 70% das ocorrências.
Esse perfil revela que a violência sexual infantil é um fenômeno que se nutre do silêncio, da confiança traída e de uma estrutura de poder desigual dentro do próprio lar. O agressor é, frequentemente, um indivíduo manipulador que se aproveita da inocência e da vulnerabilidade para cometer o abuso, muitas vezes sem que a própria criança compreenda a natureza da violência sofrida. É nesse terreno de normalização e silenciamento que os discursos culturais encontram solo fértil para florescer.
Funk e a legitimação do abuso
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Perfil do Agressor de Crianças e Adolescentes

Contrariando o estereótipo do “monstro” ou do estranho, os dados mostram que o agressor é, na esmagadora maioria dos casos, alguém próximo e de confiança da vítima e de sua família. Não há um perfil único, eles estão em todas as classes sociais, raças e religiões.

Principais Características:

 

  • Vínculo com a Vítima: A maioria dos agressores é do sexo masculino (cerca de 97%) e conhecido da criança ou da família (85,6%). Os agressores mais comuns são familiares como pais, padrastos, tios e primos, seguidos por vizinhos e amigos. Em muitos casos, o agressor mora na mesma casa que a vítima.
  • Gênero e Idade: A grande maioria dos agressores é do sexo masculino. No entanto, também existem agressores do sexo feminino, sendo as mães frequentemente notificadas em casos de negligência. Há também um número significativo de agressores que são menores de 18 anos.
  • Modo de Ação: Os agressores podem ser divididos em dois tipos: os “abusadores”, que usam de sutileza e carícias, fazendo com que a vítima muitas vezes não se perceba como violentada, e os “molestadores”, que são mais invasivos e consumam o ato sexual. Muitos são narcisistas, manipuladores e se aproveitam da posição de poder e confiança que detêm.
  • Local do Crime: A própria residência da vítima é o local mais comum da violência (entre 52,7% e 84,9% dos casos), o que reforça a vulnerabilidade e a dificuldade de denúncia.

Estudos sobre a Correlação entre Mídia e Violência Sexual

A relação entre o consumo de mídia e comportamentos agressivos ou violentos é complexa, mas diversos estudos apontam para uma correlação significativa, funcionando sob diferentes mecanismos.

Principais Conclusões dos Estudos Acadêmicos:

  • Dessensibilização e Normalização: A exposição prolongada a conteúdos violentos ou sexualizados na mídia pode levar a uma dessensibilização emocional. Isso significa que o público pode se tornar menos sensível à violência no mundo real e passar a normalizar comportamentos que são criminosos.
  • Letras de Músicas e Agressividade: Estudos experimentais demonstraram que ouvir músicas com letras violentas pode aumentar pensamentos agressivos e sentimentos de hostilidade em curto prazo. Gêneros como rap e heavy metal são frequentemente associados em estudos a atitudes hostis e comportamentos de risco, embora a causalidade não seja sempre direta. Uma pesquisa específica sobre “gangsta rap” apontou uma ligação com comportamento agressivo e misoginia.
  • Cultura do Estupro e Mídia: Uma meta-análise (um estudo que analisa vários outros estudos) encontrou uma correlação significativa, embora pequena, entre o consumo geral de mídia e a “aceitação de mitos do estupro” (crenças falsas que culpam vítimas e desculpam agressores). O consumo de pornografia, especialmente a violenta, foi um dos principais impulsionadores dessa relação.
  • Aprendizagem Social: A Teoria da Aprendizagem Social, de Albert Bandura, é frequentemente citada nesses estudos. Ela sugere que as pessoas, especialmente os jovens, podem aprender e imitar comportamentos (vicariamente) que observam na mídia, incluindo em letras de música e videoclipes.
  • Mídia como Fator de Risco: A exposição a conteúdo sexual na TV e em filmes está associada à iniciação sexual mais precoce em adolescentes. Além disso, o consumo de mídia sexualizada também foi associado a uma maior probabilidade de ser vítima de coerção ou violência sexual.
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Funk e a legitimação do abuso, a Psicologia social e a dessensibilização

Do ponto de vista da psicologia social, a repetição de conteúdos sexualizados envolvendo adolescentes pode provocar um processo de dessensibilização moral. Isso significa que, ao se expor repetidamente a esses estímulos, o público passa a normalizar aquilo que, de fato, é um crime.

  • Teoria da Aprendizagem Social (Albert Bandura): Esta teoria postula que aprendemos comportamentos observando e imitando “modelos”, como artistas e influenciadores. Quando um cantor de sucesso exalta o desejo por adolescentes, ele não está apenas se expressando; ele está oferecendo um modelo de comportamento que pode ser internalizado por milhões de ouvintes, legitimando essa conduta.
  • Processo de Normalização: A repetição massiva de um discurso na cultura popular cria uma ilusão de consenso. O que antes era um tabu ou um crime passa a ser percebido como “comum” ou “aceitável”. O termo “novinha”, despido de sua conotação de vulnerabilidade e desenvolvimento, é ressignificado como um elogio, um objeto de desejo, diluindo a percepção do crime de estupro de vulnerável.
Funk e a legitimação do abuso
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Perfil das Vítimas e Contexto do Abuso

  • Gênero e Idade: A grande maioria das vítimas é do sexo feminino (cerca de 88%). A faixa etária de 10 a 14 anos concentra quase metade dos casos. Preocupa o fato de que as vítimas estão cada vez mais novas; em 2022, 58% das vítimas de exploração sexual tinham até 14 anos.
  • Local do Crime: A residência da vítima é o local onde ocorre a maioria dos abusos (cerca de 69%). Em 44% das denúncias feitas entre 2021 e 2024, a vítima morava na mesma casa que o agressor.
  • Perfil do Agressor: Em mais de 84% dos casos, o agressor é um familiar (pai, padrasto, avô, tio) ou uma pessoa próxima da vítima (amigo, vizinho
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A Neurociência da Dessensibilização e da exposição à sexualização precoce – Funk e a legitimação do abuso

Na perspectiva da neurociência, músicas com forte apelo sexual ativam o sistema de recompensa (dopamina) no cérebro. Quando associadas a estímulos envolvendo “novinhas”, criam associações neuronais perigosas, reforçando a ideia de prazer ligado à exploração de adolescentes.

1. O Sistema de Recompensa e a Associação Perigosa: Músicas com forte apelo rítmico e sexual ativam o sistema de recompensa do cérebro, liberando dopamina, o neurotransmissor associado ao prazer e à motivação. Quando essas músicas associam o prazer sexual à figura da “novinha”, o cérebro começa a criar e a reforçar uma perigosa conexão neural: adolescência = objeto de desejo sexual = recompensa. Para indivíduos com predisposição a comportamentos abusivos, essa associação funciona como um reforço positivo, validando seus impulsos desviantes.

2. A Atrofia da Empatia no Córtex Pré-Frontal: A empatia — a capacidade de compreender e se importar com o sofrimento alheio — é processada em grande parte no córtex pré-frontal. Estudos de neuroimagem mostram que a exposição contínua a conteúdos violentos ou que objetificam pessoas (transformando-as em meros objetos de prazer) pode reduzir a atividade nesta área. O resultado é a dessensibilização emocional.

O sofrimento da vítima de abuso deixa de gerar uma resposta empática e passa a ser visto com indiferença. A repetição da narrativa da “novinha” desejável e disponível contribui para que o cérebro “aprenda” a ignorar a realidade do abuso, focando apenas na gratificação prometida pela letra da música.

3. Moldando o Cérebro em Desenvolvimento: O impacto é ainda mais grave em adolescentes, cujo córtex pré-frontal, responsável pelo controle de impulsos, planejamento e tomada de decisões, ainda está em maturação. A exposição a essas narrativas pode moldar seus valores e percepções sobre sexualidade, normalizando a ideia de sexo precoce, sem consentimento maduro e desvinculado de afeto, tratando o outro como um meio para um fim.


Além disso:

  • A exposição contínua a letras sexualizadas reduz a resposta empática do córtex pré-frontal, levando à dessensibilização emocional frente ao sofrimento das vítimas.

  • Em adolescentes, cujos cérebros ainda estão em desenvolvimento, isso pode moldar esquemas de valorização do sexo desprotegido, precoce e sem consentimento maduro.

Psicanálise, Psquiatria e sexualidade infantil

A psicanálise e a psiquiatria forense fornecem a lente para entender o agressor.

  • Psicanálise: Desde Freud, a psicanálise reconhece a existência de uma sexualidade infantil, mas entende que ela deve ser protegida e sublimada em um desenvolvimento saudável. A cultura de massa que erotiza a infância quebra a barreira simbólica de proteção que a sociedade deveria impor. Ela convida o adulto a projetar seu desejo em uma figura que deveria estar no campo do cuidado, não do erotismo. Para indivíduos com conflitos psíquicos não resolvidos, essa “permissividade cultural” pode ser o gatilho que faltava para a transgressão.
  • Psiquiatria e Criminologia: Para indivíduos com transtornos parafílicos (como a pedofilia ou a hebefilia – atração por adolescentes pós-púberes), essas músicas não criam o desejo, mas o legitimam e racionalizam. A letra funciona como um “álibi cultural”, uma prova de que seu impulso não é uma aberração individual, mas um desejo compartilhado e celebrado pela cultura. Estudos sobre gatilhos criminológicos mostram que a disponibilidade de conteúdos que apoiam fantasias sexuais desviantes aumenta a probabilidade de que essas fantasias se transformem em atos.

Psiquiatria e criminologia

Na criminologia e psiquiatria forense, observa-se que indivíduos com transtornos sexuais parafílicos (como pedofilia ou hebefilia) encontram nesses conteúdos musicais um reforço cultural que legitima seus impulsos.

Estudos sobre gatilhos criminológicos mostram que a disponibilidade de conteúdos sexualizados envolvendo menores aumenta a chance de racionalização do abuso. Assim, a letra da música pode funcionar como “combustível cultural” para o crime.

Impacto social e coletivo

  • Na educação: adolescentes passam a enxergar a precocidade sexual como natural, reduzindo o senso crítico sobre consentimento.

  • Na justiça social: comunidades vulneráveis, já expostas a desigualdades, sofrem ainda mais com a objetificação precoce de meninas.

  • Na cultura: o termo “novinha” vira sinônimo de beleza e desejo, diluindo a percepção de crime.

A linha tênue entre liberdade artística e responsabilidade social

O debate não visa promover a censura ao funk, que é uma legítima e potente expressão cultural das periferias. A questão central é a responsabilização sobre o conteúdo. A liberdade de expressão artística não é um direito absoluto e ilimitado, especialmente quando colide com a proteção de direitos fundamentais, como a dignidade e a segurança de crianças e adolescentes.

Assim como a sociedade regula a publicidade de tabaco e álcool por seus potenciais danos, é imperativo discutir os limites éticos da produção cultural que, comprovadamente, contribui para um ambiente de dessensibilização e normalização da violência sexual.

É importante destacar que o debate não deve cair em censura pura e simples, mas em responsabilização crítica. O funk, enquanto expressão cultural, não pode ser reduzido ao estigma da exploração. Mas artistas, produtores e sociedade têm o dever de refletir sobre o impacto de letras que sexualizam menores.


A liberdade de expressão não é licença para normalizar crimes. Assim como existem restrições a propagandas de cigarro e álcool, pode-se pensar em limites éticos para a sexualização de crianças em músicas.

Prevenção e ações necessárias

  1. Educação midiática: ensinar crianças e adolescentes a interpretar criticamente conteúdos culturais.

  2. Ação jurídica: responsabilizar produções musicais que façam apologia explícita ao sexo com menores.

  3. Campanhas de conscientização: mostrar os impactos do abuso sexual infantil e desconstruir a ideia de “novinha”.

  4. Apoio psicológico: proteger crianças expostas à erotização precoce, oferecendo acolhimento emocional.

A Realidade do Abuso Sexual Infantil no Brasil

UM CRIME A CADA 8 MINUTOS Em 2023, o Brasil registrou 63.430 casos de estupro de vulnerável.
A ESCALADA DAS DENÚNCIAS (Disque 100)
  • 2021: 18.809
  • 2024: 36.802
  • Aumento de 95,6% em 3 anos!
As vítimas 
  • Gênero: 88% são meninas
  • Idade Crítica: Quase metade das vítimas tem entre 10 e 14 anos.
Onde o crime acontece?
  • 70% dos abusos ocorrem na casa da vítima.
Quem é o agressor?
  • 85,6% é conhecido da vítima (pai, padrasto, tio, avô, amigo).
  • Em 44% dos casos, o agressor mora com a vítima.
O EFEITO DA MÍDIA: A DESSENSIBILIZAÇÃO Estudos mostram que a exposição a conteúdos que sexualizam menores pode:
  • Reduzir a Empatia: Diminui a atividade nas áreas do cérebro ligadas à compaixão.
  • Normalizar o Crime: Torna o inaceitável parecer comum.
  • Legitimar o Agressor: Oferece um “álibi cultural” para o abuso.
VOCÊ PODE QUEBRAR ESSE CICLO. DENUNCIE. Disque 100 – A ligação é gratuita, anônima e funciona 24h.
(Fonte) Fonte: MDHC, Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Unicef.

 

Violência Online

O ambiente virtual também se tornou um espaço de risco. O Brasil saltou da 27ª posição em 2022 para a 5ª em 2024 no ranking de países com mais denúncias de páginas com conteúdo de abuso sexual infantil.

O problema central do funk como culura é a musicalização da sexualização infantil e a normalização do termo “novinha” como objeto de desejo. Esse fenômeno contribui para a dessensibilização social frente ao abuso sexual infantil, reforça práticas abusivas e ameaça o bem-estar das crianças.

O aumento vertiginoso das denúncias de abuso sexual infantil no Brasil é um sintoma de uma sociedade que falha em proteger suas crianças. Embora as causas sejam multifatoriais, é inegável que a cultura de massa desempenha um papel crucial na formação de valores e comportamentos.
A análise integrada da neurociência, psicologia, psicanálise e criminologia revela que músicas que sexualizam “novinhas” são mais do que entretenimento inofensivo. Elas funcionam como um potente agente de dessensibilização, reconfigurando circuitos neurais de empatia, normalizando o inaceitável e fornecendo um perigoso combustível simbólico para potenciais agressores.
Enfrentar essa realidade exige atenção a educação midiática crítica nas escolas, responsabilização da indústria musical, campanhas de conscientização que desconstruam o mito da “novinha”, e o fortalecimento das redes de proteção para que nenhuma denúncia seja ignorada. Proteger a infância é proteger o futuro, e isso começa por desafiar a cultura que a transforma em objeto.
É evidente que essas letras funcionam como gatilhos culturais de legitimação do abuso. O desafio da sociedade é encontrar o equilíbrio entre preservar a liberdade artística e proteger a infância de qualquer forma de exploração.
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