13 – Leo Motta – Das Ruas Para o Guinees Book
Leo Motta - A história de superação que expõe as fraturas sociais do Brasil, da dependência química à invisibilidade da população de rua, e a redescoberta da vida através da arte.

Leo Motta – O que define a condição humana? Seria a capacidade de sonhar, a resiliência diante do infortúnio ou a empatia pela dor alheia? Para Leo Motta, a resposta a essa pergunta foi forjada no asfalto frio e impiedoso das ruas do Rio de Janeiro.
Ex-morador de rua, sobrevivente de uma tragédia pessoal avassaladora e de duas décadas de dependência química, ele se recusou a ser apenas mais um número nas estatísticas que assombram o Brasil. Hoje, como escritor, ator e palestrante, sua vida é um testemunho contundente de que a existência é, em sua essência, uma série de escolhas. A sua foi a de se reerguer, transformar a dor em palavra e a palavra em um farol de esperança.
A trajetória de Leo Motta é um espelho que reflete as fraturas de uma nação. Em um país onde mais de 335 mil pessoas vivem em situação de rua [1] e cerca de 11,4 milhões de cidadãos já fizeram uso de cocaína ou crack [2], sua história pessoal transcende o individual para se tornar um diagnóstico preciso das falhas estruturais que perpetuam a exclusão e o sofrimento. Ele é a personificação de uma crise social complexa, que entrelaça a falta de amparo psicológico, a violência urbana, a ineficácia das políticas públicas e o preconceito que marginaliza e desumaniza.
Essa entrevista tem como objetivo contar a história de Leo, não como um conto de fadas sobre superação, mas como uma análise profunda de uma realidade que a sociedade brasileira insiste em ignorar. Através de seu testemunho, de sua dor e de sua arte, mostramos a condição sub-humana, a brutalidade da vida nas ruas e o poder redentor da cultura. A história de Leo não é sobre um homem que foi salvo, mas sobre um homem que, ao se salvar, decidiu usar sua voz para tentar salvar outros, provando que mesmo do mais profundo abismo, é possível encontrar uma porta de saída.
A Tragédia como Gênese do Abismo
Toda grande jornada de transformação parece começar com um grande abalo, um evento cataclísmico que quebra o mundo como o conhecemos. Para Leo Motta, esse terremoto teve data e nome. Aos 21 anos, em 2003, ele estava iniciando a fase adulta com a alegria de ser pai. Seu filho, um bebê de cinco meses, era o centro de seu universo. Um universo que se estilhaçou da forma mais brutal e inimaginável.
“Eu perco o meu filho de cinco meses, assassinado pela mãe. Uma mulher que, por um momento, não aceitava a nossa separação… ligou alguns dias antes, na véspera do Dia das Mães. Me disse que, se eu não fosse passar essa data com ela, que ela faria uma loucura.
Poucos dias após, de fato, ela fez essa loucura, descrita como ela, que para mim foi um assassinato, um crime totalmente hediondo, quanto uma criança de cinco meses que não podia pedir à sua agressora para parar as excessivas agressões”, relata Leo.
A dor de um jovem pai que tem de sepultar o próprio filho, cujo corpo frágil ele mesmo acomodou em um pequeno caixão, é uma ferida que desafia a capacidade de resiliência. Na comunidade onde nasceu e cresceu, um lugar desprovido de amparo psicológico, não havia ombros amigos suficientes para suportar o peso de tal trauma. Mas havia uma alternativa, uma rota de fuga que prometia um alívio ilusório e imediato.
Leo já havia tido contato com as drogas. Aos 14 anos, em um recreio de escola pública, experimentou a maconha. Aos 17, conheceu a cocaína. Mas foi a dor lancinante da perda que o empurrou para o precipício da dependência.
“Eu usei drogas durante 20 anos na esperança de preencher um vazio, buscando ser feliz. Como na verdade, só é feliz quem não usa drogas”, confessa.
A cocaína se tornou sua companheira diária, um anestésico para a alma que, na verdade, a corroía ainda mais profundamente. Aos 33 anos, em uma espiral descendente, ele conheceria o crack.
O ponto de ruptura final, o momento em que a convivência sob o mesmo teto que sua mãe se tornou insustentável, veio aos 35 anos. Uma overdose, testemunhada pela mulher que lhe deu a vida, foi o estopim.
“Decidi não fazer essa mulher sofrer, que tanto me ama. Fui para as ruas do Rio de Janeiro”, conta.
A ida para as ruas não foi uma expulsão, mas uma escolha autoimposta, um ato de exílio para proteger quem ele mais amava de sua própria autodestruição. Mal sabia ele que estava apenas trocando um inferno privado por um inferno público, onde a invisibilidade e a violência seriam suas novas companheiras.
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A Vida de Leo Motta na Invisibilidade
O primeiro dia na rua é um delírio. “A ficha de fato não cai”, descreve Leo. Um dia se dorme em uma cama, no outro, o corpo repousa sobre o concreto frio de uma calçada. No segundo dia, a negação persiste. Mas no terceiro, a realidade se impõe com a força de um soco no estômago.
“Quando você sente fome, você começa a sentir os olhares de nojo, de repúdio, de exclusão, a ficha cai”.
As ruas do Rio de Janeiro, cartão-postal para o mundo, se transformaram para Leo em um labirinto de miséria e degradação. Ele se tornou parte de uma paisagem humana que a maioria das pessoas escolhe não ver. Uma paisagem que, segundo dados recentes, é composta por 7.865 pessoas somente na capital fluminense e que se espalha por todo o Brasil, formando um contingente de mais de 335 mil moradores de rua. Um número que cresceu assustadoramente, 14,6 vezes maior do que era em 2013 [1].
Leo Motta logo aprendeu que a rua tem suas próprias leis, sua própria hierarquia e seus próprios demônios. Ele identifica 11 perfis distintos de pessoas que ali vivem, cada uma carregando seus próprios traumas e motivos. Desde o trabalhador que perdeu o emprego e não conseguiu mais pagar o aluguel, até o jovem expulso de casa pela família por sua orientação sexual, ou o doente mental sem amparo. E há os perfis mais perigosos.
“Hoje, quem mora, quem dorme na rua acaba morrendo… A gente tem 11 perfis de situação de rua. Infelizmente, tem um perfil muito perigoso que são os territorialistas que se dizem ali donos de espaços.
Temos também pessoas que estão saindo do sistema carcerário e indo direto para as calçadas. Aqui no Rio, a gente tem um fator que não tem em São Paulo: muitas das vezes, porque aqui no Rio a gente tem quatro facções criminosas.
Tem pessoas que estão sendo expulsas de locais dominados pelo crime, chegando à calçada”, explica Leo.
A violência é uma constante, uma moeda de troca em um ambiente onde a vida humana perde seu valor. Leo sentiu isso na pele. “Eu fui agredido na rua por uma pessoa que queria a camisa que eu tinha ganhado de uma doação”. A disputa não é por luxo, mas pela sobrevivência mais básica: um pedaço de papelão para forrar o chão, um cobertor para aplacar o frio, um prato de comida. A brutalidade se torna a norma, e o perigo pode vir de qualquer lugar, inclusive da pessoa que divide a mesma marquise, a mesma miséria.
Essa realidade expõe a falência múltipla do Estado. A rua se torna o destino final para aqueles que o sistema falhou em proteger: os egressos do sistema prisional sem programas de reintegração, as vítimas da violência urbana sem amparo, os doentes mentais sem tratamento e os dependentes químicos sem acesso a uma rede de saúde eficaz.
A história de Leo Motta é a prova viva de que a rua não é uma escolha, mas a consequência de uma série de direitos violados.
“No meu caso, faltou ali um atendimento psicológico, um acompanhamento… faltou também ali um tratamento específico, porque eu só fui saber que eu era portador de uma doença com 35 anos”, lamenta. Uma doença que o levou a um lugar onde a humanidade é testada a cada segundo.
O Gosto Amargo da Humanidade – O Despertar pela Dor
No auge do verão carioca, com a sensação térmica beirando os 50 graus, a sede é uma tortura. Para a população em situação de rua, o acesso à água potável, um direito humano básico, torna-se um luxo.
Foi em um desses dias de calor escaldante que Leo Motta experimentou a face mais cruel da desumanização, um ato que, paradoxalmente, se tornaria o seu ponto de virada. Ele entrou em um restaurante para pedir um copo de água.
“O segurança me bota para fora… Eu, naquele momento, só queria água gelada. Ele fala: ‘Eu vou te dar’. Não demora, ele vem com um copo grande descartável, com bastante gelo e água. Pego aquele copo, sorri, agradeci. Ao levar na boca, de imediato eu coloquei para fora, porque, além de água e gelo, aquele copo ali também tinha sal.”
O sal na água era mais do que um ato de maldade; era a materialização do desprezo, a afirmação de que ele, Leo Motta, não era digno nem mesmo de saciar a sede. Naquele instante, uma antiga sabedoria de sua avó ecoou em sua mente: “Quem não sai por amor, sai pela dor”. A dor daquele gole salgado foi mais profunda do que a fome, o frio ou a solidão. Foi a dor da humilhação absoluta, o momento em que a ficha, que demorara tanto a cair, finalmente se assentou. Aquele foi o fundo do poço. E do fundo do poço, o único caminho é para cima.
Foi essa dor que o impulsionou a aceitar ajuda. Leo entendeu que a dependência química não era uma falha de caráter, mas uma doença que precisava de tratamento.
“O que me tira do endereço é uma doença. Então, quando eu chego em situação de rua, me oferecerem ou me darem um imóvel, um endereço, não ia mudar a minha realidade. O que mudou mesmo a realidade foi o tratamento da minha doença, que é a dependência química”, afirma com convicção.
Essa percepção é crucial e desafia muitas das políticas públicas assistencialistas, que frequentemente falham por não atacar a raiz do problema.
O caminho da recuperação, no entanto, é árduo e repleto de obstáculos. Sair das ruas é uma vitória, mas permanecer fora delas é uma batalha diária. Leo menciona uma estatística informal, mas poderosa: a alta taxa de reincidência. Muitos conseguem sair, mas acabam regredindo e voltando para as calçadas. Isso evidencia a necessidade de um acompanhamento contínuo, de uma rede de apoio que vá além do tratamento inicial.
Os dados nacionais corroboram essa complexidade. No Brasil, onde cerca de 9,3 milhões de pessoas já experimentaram cocaína e 2,32 milhões já usaram crack [2], a dependência química se revela como uma epidemia silenciosa. Entre os usuários de cocaína que consumiram a droga no último ano, 74,8% apresentam dependência, um número alarmante que demonstra o poder viciante da substância. Para o crack, embora os números sejam menores em termos absolutos, a realidade não é menos preocupante: 829 mil pessoas fizeram uso da droga no último ano, e a amostra de usuários não foi suficiente para calcular com precisão a taxa de dependência, o que por si só já indica a gravidade do problema.
Leo é um exemplo da complexidade desse desafio. Ele está há 3.207 dias limpo, uma contagem diária que simboliza não apenas a vitória da escolha sobre o vício, mas também a necessidade de vigilância constante. Cada dia é uma nova decisão, uma nova afirmação de vida. Essa contagem meticulosa revela algo profundo sobre a natureza da recuperação: ela não é um evento, mas um processo contínuo, uma série de pequenas vitórias que se acumulam ao longo do tempo.
A experiência de Leo também ilustra a importância do tratamento adequado. Ele passou 14 anos usando drogas sem saber que era portador de uma doença. Essa falta de diagnóstico e tratamento precoce é um reflexo das deficiências do sistema de saúde brasileiro, que ainda trata a dependência química mais como uma questão moral do que médica. A Secretaria de Assistência Social, que finalmente o acolheu, foi fundamental para sua recuperação, mas chegou tarde demais para evitar anos de sofrimento desnecessário.
A Palavra como Ferramenta de Reconstrução
Como se reconstrói uma vida estilhaçada? Para Leo Motta, o recomeço foi a palavra. Ainda durante o processo de recuperação, em um abrigo, ele encontrou uma nova forma de dar vazão à sua dor e às suas memórias: a escrita. Com um aparelho celular simples, ele começou a tecer as linhas de sua história, transformando o caos de suas experiências em uma narrativa coesa. Nascia ali o escritor.
O resultado desse processo catártico foi a trilogia “A Vida Depois das Marquises”, uma obra que é, ao mesmo tempo, um testemunho brutal e um manifesto de esperança. O primeiro livro, escrito inteiramente no celular, foi o ponto de partida para uma carreira literária improvável e bem-sucedida. A escolha do celular como ferramenta de escrita não foi apenas uma questão de conveniência, mas uma metáfora poderosa: a tecnologia que muitas vezes isola as pessoas se tornou, para Leo, um instrumento de conexão e expressão.
A trilogia não é apenas literatura; é sociologia aplicada, antropologia urbana, um documento histórico sobre uma realidade que a sociedade prefere ignorar. Cada página carrega o peso da experiência vivida, cada parágrafo é uma janela para um mundo que existe paralelo ao nosso, mas que raramente se cruza com ele. Leo não romantiza a vida nas ruas; ele a expõe em toda sua crueza, mas também revela a humanidade que persiste mesmo nas condições mais degradantes.
O impacto de sua obra transcendeu as expectativas. Leo se tornou o primeiro ex-morador de rua a palestrar e autografar em todas as edições da Bienal Internacional do Livro do Rio, um feito que quebrou barreiras simbólicas importantes. Sua presença na Bienal não é apenas um reconhecimento literário; é uma declaração de que a literatura não tem classe social, que a arte pode emergir dos lugares mais improváveis e que toda voz merece ser ouvida.
Esse reconhecimento o levou a sonhar ainda mais alto: entrar para o Guinness Book, o livro dos recordes. Não se trata de vaidade pessoal, mas de uma estratégia consciente para amplificar sua mensagem. Leo entende que os recordes chamam atenção, e atenção é exatamente o que a causa da população em situação de rua precisa. Cada holofote sobre sua história é um holofote sobre uma realidade social que precisa ser enfrentada.
“A cultura me salvou”, declara Leo. Essa frase, curta e potente, resume o poder transformador da arte. A literatura lhe devolveu a identidade que as ruas e as drogas haviam tentado apagar. Ele deixou de ser um número, um “ninguém”, para se tornar autor de sua própria história, em todos os sentidos da palavra. Sua escrita não apenas narra o passado, mas também ressignifica o presente e constrói um futuro.
O sucesso, no entanto, não o isentou do preconceito. Com mais de 115 matérias na grande mídia e o reconhecimento de instituições como a Academia Brasileira de Cultura, que lhe concedeu a medalha Abramil, Leo ainda sente o peso dos estigmas. “Hoje, ele ainda existe, mas muitas das vezes ele é velado”, admite. O preconceito se manifesta de formas sutis: um olhar de desconfiança, uma pergunta sobre sua “verdadeira” capacidade intelectual, a surpresa genuína quando alguém descobre que ele é, de fato, o autor dos livros que carrega.
“No outro dia, fui chamado de uma flor que nasceu do lixão, mas eu digo que é uma flor que para sempre vai carregar um espinho”, reflete Leo.
Essa metáfora é profundamente reveladora. A sociedade, mesmo quando reconhece sua transformação, ainda precisa categorizá-lo como uma exceção, uma anomalia. A “flor do lixão” é uma forma de manter a distância, de não questionar por que tantas outras flores potenciais permanecem soterradas no mesmo lixão.
Esse espinho que ele carrega não é apenas a memória indelével de tudo o que viveu, mas também uma responsabilidade. Leo entende que sua visibilidade vem com o dever de representar aqueles que continuam invisíveis. Por isso, seu trabalho atual vai muito além da literatura.
Ele é embaixador do projeto “Menina Moça Mulher“, o maior projeto de atendimento à mulher do Rio de Janeiro, ligado ao Instituto de Ciência Carlos Santos. Nessa função, ele acompanha especialmente mulheres em situação de rua grávidas, uma das populações mais vulneráveis da sociedade.
Seu trabalho na Secretaria Municipal de Assistência Social (SMAS) o mantém conectado com a realidade das ruas, não como observador, mas como agente de transformação. Ele não se limitou a escapar do sistema; ele voltou para ajudar a consertá-lo. Seus saraus de poesia, realizados com pessoas em situação de rua, são mais do que eventos culturais; são atos de resistência, afirmações de que a arte e a dignidade podem coexistir com a adversidade.
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A metamorfose de Leo Motta não se limitou à literatura. A arte, em sua busca por novas formas de expressão, o levou aos palcos do teatro. Ele se tornou um dos atores da peça “O Nome do Rato”, um drama social que explora a realidade da população em situação de rua. O título, por si só, é uma provocação. Nasce da pergunta de um repórter a uma pessoa deitada na calçada ao lado de um rato morto: “Qual o seu nome?”. A resposta, carregada de ironia e dor, é: “Qual você quer saber, o meu ou o do rato?”.
Para Leo, subir ao palco é mais do que atuar; é reviver e reinterpretar uma realidade que foi sua.
“É um transformador poder subir a um palco, poder mostrar uma realidade ali, mostrar de uma outra forma que existe uma porta de saída daquela situação”, reflete.
A experiência de estar frente a frente com o público, sem as câmeras que mediaram seu documentário, traz um “friozinho na barriga”, uma vulnerabilidade que potencializa a força de sua performance.
A peça se torna, assim, uma extensão de sua missão de vida. O teatro, como a literatura, funciona como uma poderosa ferramenta de denúncia e humanização. Ao dar corpo e voz a personagens que a sociedade prefere ignorar, Leo e o elenco da peça forçam o espectador a confrontar uma realidade incômoda.
Eles mostram que por trás de cada rosto anônimo nas calçadas existe uma história, uma identidade, um ser humano. A arte, mais uma vez, cumpre seu papel de quebrar as barreiras da indiferença e de construir pontes de empatia. Leo, o homem que um dia foi invisível, agora usa os holofotes para iluminar aqueles que continuam na sombra.
Prevenção e Tratamento
As provações que Leo Motta sofreu, lhe conferiu uma autoridade que poucos especialistas possuem: a da experiência vivida na pele. Por isso, quando ele fala sobre drogas, suas palavras carregam o peso de quem conheceu o fundo do abismo. Seu posicionamento sobre a legalização das drogas no Brasil é firme e contundente: ele é totalmente contra. E sua lógica é desarmante em sua simplicidade.
“Liberada já está”, afirma, referindo-se à facilidade com que se encontra drogas nas ruas.
“Eu sou totalmente contra a legalização, porque em nenhum momento o nosso país está preparado para isso, uma vez que não se tem programa para tratar. Porque você liberar fumar é uma coisa, agora tratar é outra. E o mais grave no Brasil é que, antes de se pensar em legalizar, a gente tem que pensar em prevenir”.
Sua crítica é direcionada à base do problema. Leo lembra que sua própria história com as drogas começou em uma escola pública, há 30 anos, e que, até hoje, programas eficazes de prevenção e conscientização são raros. Para ele, legalizar as drogas em um país que não consegue nem prevenir o uso nem tratar adequadamente seus dependentes seria como jogar gasolina em um incêndio. Ele desafia os defensores da legalização a “experimentar ouvir a mãe de uma pessoa que está lá na Cracolândia nesse momento”.
Essa crítica se estende à atuação do poder público em sua própria história. Ao revisitar a tragédia da morte de seu filho, a falha do sistema se revela em múltiplas camadas. Na época, ele não teve nenhum apoio institucional. “Eu nem sabia na época que existia [Direitos Humanos]”, conta.
O único suporte veio de um inspetor de polícia que investigava o caso. A justiça dos homens também falhou de forma grotesca: uma troca de laudos no IML permitiu que a assassina, sua ex-companheira, ficasse impune e fugisse. Anos depois, Leo soube que ela havia morrido de AIDS, foragida.
“A justiça vem do céu, né? Porque do homem mesmo não teve essa justiça”, reflete, com uma mistura de resignação e fé.
É com essa bagagem que Leo Motta se tornou um conselheiro. Para as famílias que se culpam pelo destino dos filhos mergulhados nas drogas, ele oferece uma perspectiva libertadora, ainda que dura. Ele fala sobre a palavra “escolha”.
“Ele escolheu usar, então ele tem que sofrer as consequências. Sei que é dura a gente ver quem a gente ama morrendo pouco a pouco, mas é resultado de uma escolha”.
Ele enfatiza que, embora o uso possa começar como uma escolha, a doença da dependência traz um sofrimento que pode ser opcional, pois existe tratamento. A responsabilidade da família, em sua visão, não é se culpar, mas apoiar a busca por ajuda, que está disponível em diversas frentes, como os CAPS e os grupos de Narcóticos Anônimos.
Das Ruas Para a História
A trajetória de Leo Motta, da cinza da tragédia à ressurreição pela arte, é uma inspiração que merece ser contada para o mundo. Ele é a fênix que renasceu não apenas para voar, mas para mostrar a outros que o fogo da adversidade não precisa ser o fim. Sua vida é um documento vivo das mazelas de uma sociedade que produz, em escala industrial, a invisibilidade e o desamparo. Ele personifica a estatística, mas se recusa a ser definido por ela.
O legado de Leo está sendo escrito a cada palestra, a cada livro vendido, a cada apresentação no palco. Ele não é apenas um sobrevivente; é um agente de transformação, um intelectual forjado na universidade da rua, cuja voz ecoa com a legitimidade de quem esteve lá. Ao transformar sua dor em uma plataforma de denúncia e conscientização, ele força a sociedade a encarar o reflexo incômodo no espelho: a criança sem futuro, o dependente sem tratamento, o ser humano sem teto.
Ao ser questionado sobre o que é ser um ser humano, Leo mostra que ele é a própria resposta. Ser humano, em sua filosofia, é a capacidade de se colocar no lugar do outro, de estender a mão em vez de apontar o dedo, de enxergar a dignidade onde a maioria só vê degradação. É reconhecer que, por trás de cada história de fracasso, existe o potencial para uma história de sucesso, desde que haja uma oportunidade, um olhar, uma porta de saída.
Leo Motta assina seu nome na história não com ressentimento, mas com resiliência. Sua vida é a prova de que a esperança pode florescer nos lugares mais áridos e que a escolha de se levantar, por mais difícil que seja, é o que, no fim, nos define.


https://www.instagram.com/camilaabdo_/
Referências
[1] Agência Brasil. “Mais de 335 mil pessoas vivem em situação de rua no Brasil”. Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/direitos-humanos/noticia/2025-04/mais-de-335-mil-pessoas-vivem-em-situacao-de-rua-no-brasil
[2] Agência Brasil. “Cerca de 11,4 milhões de brasileiros já usaram cocaína ou crack”. Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2025-07/cerca-de-114-milhoes-de-brasileiros-ja-usaram-cocaina-ou-crack
[3] Entrevista com Leo Motta, fornecida para a elaboração deste artigo.
[4] G1. “Ex-morador de rua conta na Bienal do Livro como abandonou as drogas e se tornou escritor”. Disponível em: https://g1.globo.com/guia/guia-rj/noticia/2023/09/08/ex-morador-de-rua-conta-na-bienal-do-livro-como-abandonou-as-drogas-e-se-tornou-escritor-a-cultura-me-salvou.ghtml
[5] Projeto Colabora. “Da rua à Bienal: como o ex-dependente Leo Motta virou escritor”. Disponível em: https://projetocolabora.com.br/ods10/da-rua-a-bienal-do-livro-ex-dependente-quimico-conta-como-se-tornou-escritor/
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