26 – Transtorno do Masoquismo Sexual
Masoquismo - Tapa, arranhão, xingamento, amarração, jogos de poder: o que para alguns casais é estímulo consensual pode, em outros contextos, aproximar-se de sofrimento, culpa e prejuízo. Entre a intimidade e a clínica, o transtorno do masoquismo sexual pede uma discussão honesta

Masoquismo – Tapa, arranhão, xingamento, amarração, jogos de poder: o que para alguns casais é estímulo consensual pode, em outros contextos, aproximar-se de sofrimento, culpa e prejuízo. Entre a intimidade e a clínica, o transtorno do masoquismo sexual pede uma discussão honesta: quando a excitação ligada a dor, humilhação ou restrição deixa de ser apenas preferência erótica e passa a configurar um problema de saúde mental?
O que é (e o que não é) o Transtorno do Masoquismo Sexual
A sexualidade humana comporta uma ampla gama de preferências. Em muitas relações, estímulos de dor leve, humilhação performática ou contenção aparecem como parte do jogo — e podem ser vividos com alegria, intimidade e segurança. Isso, por si só, não é transtorno.
Para compreender o transtorno do masoquismo sexual, é imperativo dissociá-lo da prática consensual e recreativa. A linha divisória, segundo a psiquiatria, é a presença de sofrimento e prejuízo. O Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, em sua mais recente revisão (DSM-5-TR), estabelece critérios rigorosos para o diagnóstico.
Falamos em transtorno do masoquismo sexual quando se cumpre um conjunto de condições clínicas bem demarcadas. Há excitação sexual recorrente e intensa associada a ser humilhado, espancado, amarrado ou submetido a sofrimento, por no mínimo seis meses, manifestada por fantasias, impulsos ou comportamentos (Critério A).
Além disso, tais fantasias, impulsos ou comportamentos causam sofrimento clinicamente significativo e/ou prejuízo social, ocupacional ou em áreas relevantes da vida (Critério B). Sem sofrimento ou prejuízo, falamos em interesse masoquista; com sofrimento e prejuízo, podemos falar em transtorno.
A diferença parece sutil, mas é decisiva: o critério B funciona como freio para a patologização. A clínica não está aqui para policiar o prazer, e sim para reconhecer quando um padrão sexual passa a desorganizar a vida do sujeito, violar limites ou expor a pessoa a riscos extremos.
Critérios Diagnósticos
Para compreender o transtorno do masoquismo sexual, é imperativo dissociá-lo da prática consensual e recreativa. A linha divisória, segundo a psiquiatria, é a presença de sofrimento e prejuízo. O Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, em sua mais recente revisão (DSM-5-TR), estabelece critérios rigorosos para o diagnóstico.
Primeiro, o indivíduo deve experimentar, por um período de pelo menos seis meses, uma excitação sexual intensa e recorrente derivada do ato de ser humilhado, espancado, amarrado ou submetido a qualquer outra forma de sofrimento. Essa excitação pode se manifestar através de fantasias, desejos intensos ou comportamentos concretos. É a centralidade dessa associação entre sofrimento e excitação que define o núcleo da parafilia.
Segundo e crucial critério, que efetivamente transforma uma parafilia em um transtorno parafílico, é que essas fantasias, impulsos ou comportamentos causem um sofrimento clinicamente significativo ou um prejuízo no funcionamento social, profissional ou em outras áreas importantes da vida. É essa angústia que transforma uma preferência sexual em um transtorno.
Indivíduos com o transtorno podem sentir uma severa ansiedade, culpa, vergonha e ter pensamentos obsessivos sobre seus desejos, o que interfere em sua capacidade de manter relacionamentos saudáveis, focar no trabalho ou simplesmente viver em paz consigo mesmos.
O manual MSD para profissionais de saúde destaca que, embora o masoquismo sexual seja uma forma de parafilia, a maioria das pessoas com interesses masoquistas não atende a esses critérios clínicos, vivenciando suas preferências de forma harmoniosa e sem sofrimento [1]. Essa distinção é vital para evitar a patologização de comportamentos consensuais que não causam dano.
Critério A: conteúdo e duração
Por seis meses ou mais, há excitação sexual recorrente e intensa derivada de ser humilhado, espancado, amarrado ou submetido a sofrimento. Essa excitação aparece em fantasias, impulsos e/ou comportamentos. Não se trata de um episódio isolado, de ocasião; há padrão estável.
Critério B: sofrimento e prejuízo
As fantasias, impulsos ou comportamentos causam sofrimento clinicamente significativo (angústia, culpa persistente, vergonha paralisante, ansiedade) ou prejuízo funcional (rompimentos repetidos, perda de emprego, isolamento, risco jurídico, acidentes). Se o indivíduo não relata sofrimento e não há prejuízo — apesar de interesses masoquistas —, não se fecha diagnóstico de transtorno; trata-se de interesse sem caráter patológico.
Especificadores pertinentes
- Com asfixiofilia: excitação sexual por restrição da respiração (muito discutida dada a alta letalidade potencial).
- Em ambiente protegido: sintomas que só se manifestam (ou são observáveis) em contextos institucionais (prisão, hospital).
- Em remissão completa: tempo prolongado sem sintomas sob condições naturais, com preservação funcional.
Esses especificadores não são ornamentais: eles organizam risco, manejo clínico e prioridade de intervenção.
O comportamento masoquista geralmente se torna evidente no início da idade adulta, embora, em alguns casos, possa ter suas raízes em brincadeiras de infância com conotações sádicas ou masoquistas.
As atividades podem ser solitárias, como amarrar-se, perfurar a própria pele, aplicar choques elétricos leves ou até mesmo a perigosa prática da asfixiofilia. Esta última, que envolve a restrição da respiração para intensificar o orgasmo, é considerada um subtipo do transtorno e acarreta um risco significativo de dano cerebral permanente ou morte acidental, pois a perda de consciência pode ocorrer rapidamente, impedindo que a pessoa se liberte.
Quando praticado com parceiros, os atos podem incluir ser amarrado, vendado, espancado, açoitado, humilhado com urina ou fezes, forçado a se travestir ou coagido a atos sexuais simulados. É importante notar que, mesmo em práticas consensuais, alguns indivíduos com o transtorno podem, com o tempo, escalar a gravidade de suas atividades em busca de uma excitação cada vez maior, podendo parar de utilizar “palavras de segurança” pré-acordadas, o que pode levar a lesões graves e não intencionais.
Característica | Descrição |
---|---|
Duração Mínima | Os sintomas devem estar presentes por pelo menos 6 meses. |
Critério Central | Excitação sexual intensa e recorrente ao ser humilhado, espancado, amarrado ou sofrer. |
Impacto Clínico | Causa sofrimento significativo ou prejuízo no funcionamento social, profissional, etc. |
Manifestações | Fantasias, impulsos intensos ou comportamentos. |
Asfixiofilia | Um subtipo perigoso que envolve a restrição da respiração para excitação sexual. |
O diagnóstico, portanto, não se baseia apenas na natureza do ato sexual, mas no impacto que ele tem na vida do indivíduo. A ausência de angústia ou prejuízo funcional descaracteriza o transtorno, classificando a prática como um interesse sexual masoquista, uma variação da sexualidade humana que não requer intervenção clínica.
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Perfil Psicológico e Comorbidades
A característica central não é o desejo em si, mas o profundo cisma interno que ele provoca. O perfil psicológico é frequentemente marcado por uma batalha constante entre a busca por uma forma muito específica de prazer e a avalanche de emoções negativas que se segue.
Conforme aponta a literatura, sentimentos como ansiedade severa, culpa, vergonha e pensamentos obsessivos sobre as práticas masoquistas são o núcleo do sofrimento que define o transtorno [2]. Essa angústia pode ser tão penetrante a ponto de corroer a autoestima, minar a confiança e sabotar a capacidade do indivíduo de formar laços afetivos e profissionais estáveis. A pessoa pode se sentir presa em um ciclo onde a busca por alívio sexual leva a um sofrimento emocional que, por sua vez, pode intensificar a necessidade de buscar novamente aquela forma específica de escape.
Mas o que motiva alguém a buscar prazer na dor ou na humilhação? A psicologia oferece várias lentes para examinar essa questão, sem que haja um consenso universal. Uma das teorias mais proeminentes, apoiada por estudos recentes, sugere que a motivação principal é a troca de poder.
Em um mundo onde o controle é uma constante fonte de estresse e responsabilidade, entregar-se a um parceiro de confiança, abdicando temporariamente da autonomia, pode ser uma forma paradoxal de alcançar uma sensação de controle através da sua entrega. É uma liberação catártica.
Outros praticantes relatam que o BDSM lhes permite entrar em um estado alternativo de consciência, uma espécie de transe que se assemelha a um estado meditativo e profundamente relaxado, servindo como uma fuga do “eu” cotidiano e de suas ansiedades [2]. Nesse estado, as preocupações e a autocrítica podem ser temporariamente silenciadas pela intensidade da experiência física e emocional.
A busca por respostas também nos leva às origens do desenvolvimento desses desejos. Não existe uma causa única, e a etiologia é provavelmente uma interação complexa de fatores biológicos, psicológicos e sociais. A maioria dos indivíduos com interesses masoquistas relata um interesse intrínseco que surgiu em uma idade jovem, sem um gatilho aparente, sugerindo uma possível predisposição inata. No entanto, uma minoria conecta esses impulsos a experiências formativas, incluindo disciplina parental excessivamente rígida ou, em alguns casos, traumas como o abuso sexual infantil.
Neste último cenário, a teoria psicodinâmica sugere que a reencenação do trauma em um ambiente controlado pode ser uma tentativa inconsciente de dominar e reprocessar a experiência original, transformando a passividade da vítima em uma participação ativa.
Outra teoria, baseada no behaviorismo, postula que o condicionamento clássico pode desempenhar um papel: se a dor ou a humilhação foram acidentalmente associadas à excitação sexual em um momento crucial do desenvolvimento, essa ligação pode se tornar um padrão erótico fixo. É crucial, contudo, evitar generalizações; a ligação com o trauma não é uma regra, mas uma das muitas peças possíveis neste complexo quebra-cabeça psicológico.
Teoria Psicológica | Descrição da Origem do Masoquismo |
---|---|
Troca de Poder | A entrega voluntária do controle a um parceiro é vista como uma forma de liberação do estresse e da responsabilidade cotidiana. |
Escape do Self | A prática permite uma fuga das ansiedades e da autoconsciência, induzindo um estado mental alterado, semelhante à meditação. |
Condicionamento/Aprendizagem | A associação acidental ou proposital de dor/humilhação com excitação sexual em fases cruciais do desenvolvimento pode fixar esse padrão. |
Reação ao Trauma | Para uma minoria, pode ser uma forma de reencenar ou ganhar controle sobre experiências traumáticas passadas, especialmente abuso. |
Em termos de comorbidades psiquiátricas, o transtorno do masoquismo sexual frequentemente não vem sozinho. A intensa ansiedade e a vergonha associadas podem predispor ou coexistir com uma gama de outras condições. Transtornos de ansiedade, transtornos depressivos e transtorno de estresse pós-traumático (TEPT) são comuns.
Além disso, há uma sobreposição significativa com outros transtornos parafílicos, notadamente o sadismo sexual. A sobreposição com o sadismo é tão comum que o termo “sadomasoquismo” se tornou parte do léxico popular, refletindo a frequência com que os papéis de dominante e submisso podem ser intercambiáveis ou coexistir na mesma pessoa.
Essa dualidade sugere que o tema central pode não ser a dor em si, mas a intensidade da experiência e a dinâmica de poder. O tratamento eficaz, portanto, muitas vezes requer uma abordagem holística que contemple não apenas o comportamento masoquista, mas também as condições psiquiátricas associadas que alimentam o ciclo de sofrimento e angústia.
Quando o “Jogo” é Saudável —
E Quando Deixa de Ser
Há uma fronteira ética incontornável: consentimento. Práticas eróticas que envolvem dor, contenção, humilhação performática ou inversão de poder podem ser parte de uma vida sexual saudável, desde que respeitem:
- acordo explícito entre os envolvidos,
- liberdade para interromper a qualquer momento,
- conhecimento dos riscos,
- respeito a limites físicos e emocionais,
- ausência de coerção (econômica, emocional ou física).
Quando há quebra do consentimento, inviabilização do “não”, culpa esmagadora, compulsão (a pessoa não consegue deixar de fazer mesmo quando quer parar), uso de substâncias para suportar práticas que não deseja ou exposição a risco grave (como asfixia), o quadro se afasta do que a cultura adulta-consensual entende como saudável. É nesse ponto que o critério B — sofrimento e prejuízo — tende a se manifestar.
Nota clínica: o fato de alguém relatar prazer com o sofrimento não elimina a avaliação de prejuízo. O prazer pode coexistir com quedas drásticas de qualidade de vida, acidentes e consequências jurídicas. A clínica precisa olhar para o quadro inteiro.
“Mas sentir prazer com dor não significa estar sofrendo”
Um dos desafios conceituais mais delicados é este: o sofrimento é fonte de prazer para o masoquista; então, como falar em sofrimento clinicamente significativo?
A resposta está em camadas diferentes de experiência. A dor física ou a humilhação performática, quando consentidas e contextualizadas, podem ser (e frequentemente são) vividas como prazerosas por quem tem interesse masoquista.
O sofrimento clinicamente significativo a que o diagnóstico se refere geralmente está em outro nível: angústia persistente com a própria preferência, culpa paralisante, obsessão que sabota a vida afetiva e o trabalho, roubo de tempo e energia, uso compulsivo de pornografia específica, incapacidade de manter relações que não incluam o padrão, exposição a risco grave e arrependimento repetido depois do ato.
Assim, é possível que a pessoa goste do estímulo durante o sexo e, ainda assim, sofra com o impacto global do padrão em sua vida. É aí que a clínica entra — para dimensionar o que está em jogo, sem moralismo.
A Neurociência
A questão que mais intriga leigos e cientistas é, talvez, a mais fundamental: como o cérebro pode interpretar a dor, uma sensação universalmente programada para sinalizar perigo, como algo prazeroso? A neurociência, com suas ferramentas de imagem cerebral e análise de neurotransmissores, começa a oferecer respostas surpreendentes que desafiam a dicotomia simplista de dor versus prazer.
A resposta parece residir nos complexos e interconectados circuitos de recompensa e saliência do cérebro, onde a percepção é altamente dependente do contexto.
Em um nível fundamental, tanto o prazer quanto a dor são sinais de saliência – eles nos dizem que algo importante está acontecendo e que merece nossa atenção. O cérebro possui um circuito de prazer evolutivamente antigo, no qual a dopamina atua como um dos principais mensageiros químicos.
A liberação de dopamina no núcleo accumbens, uma região chave do sistema de recompensa, está associada à sensação de prazer que obtemos de atividades como comer, ter um orgasmo ou até mesmo atos altruístas. O que a pesquisa revela é que esse sistema não é ativado apenas por estímulos positivos.
Estudos demonstraram que estímulos dolorosos, especialmente quando são esperados e controlados, também podem desencadear a liberação de dopamina no mesmo circuito. Alguns neurônios dopaminérgicos parecem funcionar como “detectores de saliência”, respondendo tanto a uma gota de açúcar quanto a um choque doloroso. Isso sugere que o cérebro está programado para registrar a intensidade e a importância de uma experiência, independentemente de sua valência positiva ou negativa [3].
Além da dopamina, as endorfinas, os opiáceos naturais do corpo, desempenham um papel crucial. A dor física e emocional prolongada pode levar à liberação de endorfinas, que se ligam a receptores opiáceos no cérebro, produzindo analgesia e uma sensação de euforia. Esse é o mecanismo por trás da “euforia do corredor”, onde o desconforto de um exercício extenuante dá lugar a uma sensação de bem-estar.
No contexto do masoquismo, é plausível que um mecanismo semelhante esteja em jogo. A dor autoinduzida e controlada, dentro de um cenário ritualizado e seguro, pode ativar esse sistema de recompensa endógeno, transformando uma experiência que de outra forma seria aversiva em algo profundamente gratificante. A antecipação do alívio e do prazer após a dor também pode, por si só, fortalecer a liberação de dopamina, criando um poderoso ciclo de reforço comportamental.
Um estudo publicado na revista Pain utilizou ressonância magnética funcional (fMRI) para observar a atividade cerebral de indivíduos masoquistas enquanto recebiam estímulos dolorosos. Os resultados foram notáveis. Quando a dor era apresentada em um contexto visualmente associado ao masoquismo, os participantes masoquistas exibiam uma ativação mais intensa em áreas do cérebro ligadas ao processamento sensório-discriminativo da dor (a parte que diz “onde dói” e “quão forte é”), como o córtex somatossensorial secundário.
Crucialmente, eles mostraram uma ativação atenuada nas áreas de processamento afetivo da dor, como o córtex cingulado anterior e a amígdala, que são responsáveis por gerar o sofrimento e a emoção negativa associados à dor. Em outras palavras, o cérebro deles estava registrando a sensação física da dor com grande acuidade, mas estava “desligando” a resposta emocional de sofrimento.
Além disso, o estudo revelou uma conectividade funcional reduzida entre o opérculo parietal e a ínsula. O opérculo parietal é uma área que integra informações de múltiplos sentidos, enquanto a ínsula é vital para a interocepção (a percepção do estado interno do corpo) e a experiência subjetiva das emoções.
Os pesquisadores propõem que o opérculo parietal pode atuar como uma “estação de retransmissão” que, em masoquistas e sob o contexto correto, modula e atenua os aspectos afetivo-motivacionais negativos da dor, permitindo que a sensação pura seja vivenciada sem o componente de sofrimento [4]. Essa desconexão funcional pode ser a chave neural que permite a dissociação entre a sensação física da dor e a sua interpretação emocional como algo negativo.
Componente Neurobiológico | Função no Contexto do Masoquismo |
---|---|
Dopamina (Núcleo Accumbens) | Neurotransmissor do sistema de recompensa. Liberado em resposta a estímulos salientes, incluindo a dor controlada, criando um componente de reforço e prazer. |
Endorfinas | Opiáceos naturais do corpo. Liberados em resposta à dor, produzem analgesia e euforia, ativando secundariamente o circuito de dopamina. |
Opérculo Parietal | Região cerebral que atua como uma “estação de retransmissão”. Em masoquistas, parece atenuar a resposta emocional negativa à dor, filtrando o sofrimento. |
Ínsula | Centro de integração de sensações corporais e emoções. A conectividade reduzida com o opérculo parietal pode explicar a dissociação entre a dor física e o sofrimento emocional. |
Córtex Cingulado Anterior e Amígdala | Áreas ligadas ao componente afetivo e aversivo da dor. Sua ativação atenuada em masoquistas durante a experiência dolorosa consensual é um achado chave. |
O cérebro masoquista não parece ser insensível à dor; pelo contrário, ele a processa de forma diferente, filtrando a negatividade e talvez até amplificando a pura sensação física, que então é recodificada como prazerosa pelo sistema de recompensa.
A neurociência nos mostra que a fronteira entre dor e prazer é muito mais permeável do que imaginamos, e que o contexto, a intenção e a experiência de vida podem literalmente religar os circuitos cerebrais para transformar o sofrimento em satisfação. É um testemunho notável da plasticidade do cérebro humano.
Asfixiofilia
Entre os especificadores, a asfixiofilia — excitação por restrição da respiração — merece atenção redobrada. Há casos documentados de morte acidental em contexto de prática erótica com hipóxia, tanto em situações a dois quanto em atividade solitária. Pequenas variações de pressão, tempo e técnica podem levar a perda de consciência, lesão cerebral hipóxica e parada cardiorrespiratória.
Não cabe aqui um “manual de segurança” — e não há forma isenta de risco. O recado clínico é claro: o risco letal é real. Quando a excitação depende desse elemento, há prioridade de intervenção por se tratar de um fator de alto perigo. Em perícias e laudos, a presença desse especificador muda a gestão do caso e pode justificar medidas mais intensivas de acompanhamento e redução de dano (sempre dentro de balizas éticas e legais).
Pornografia Específica e Reforço do Padrão
Uma característica associada ao transtorno do masoquismo sexual é o uso intenso de pornografia que retrata humilhação, espancamento, amarração ou sofrimento. O consumo frequente, por si só, não fecha diagnóstico. O que se observa, em muitos casos, é um círculo de reforço: quanto mais o indivíduo consome esse conteúdo, mais as pistas de excitação se estreitam; quanto mais estreitas, maior a dificuldade de excitar-se com estímulos que antes eram suficientes; quanto maior a dificuldade, mais tempo e intensidade são buscados, com prejuízo no trabalho, nos estudos e nos vínculos.
A clínica descreve isso como um processo de condicionamento (aprendizagem por associação) somado a reforço operante (o alívio/ prazer pós-ato “ensina” o cérebro a repetir). Entender essa dinâmica ajuda a planejar intervenção.
Prevalência: por que não temos números confiáveis
Você encontrará a mesma constatação em diferentes fontes: não sabemos a prevalência real do transtorno do masoquismo sexual na população geral. Os motivos são vários:
- Privacidade e estigma: muitas pessoas não falam sobre práticas íntimas, especialmente quando envolvem dor ou humilhação performática.
- Fronteira com o consensual: como vimos, há um vasto território de práticas consensuais que não configuram transtorno. Pesquisas que misturam preferência com transtorno superestimam números; pesquisas que restringem demais subestimam.
- Amostras enviesadas: estudos com pessoas em contexto forense ou clínico tendem a encontrar mais comorbidades e maior gravidade, o que não representa o conjunto da população.
- Mudança cultural: o que era visto como “desvio” há décadas hoje pode ser percebido como variação legítima entre adultos, reduzindo o impulso de buscar tratamento e, portanto, de aparecer nas estatísticas.
No fim, a resposta honesta é: não há número sólido, e tudo indica que parte relevante das pessoas com interesse masoquista vive bem, sem sofrimento e sem prejuízo — logo, fora do escopo do transtorno.
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Masoquismo, Crime e Perfilamento Criminal
Tradicionalmente, o masoquismo sexual, especialmente quando consensual, tem sido visto pela criminologia como uma prática privada com pouca ou nenhuma relevância para o comportamento criminal. A lógica é simples: se o sofrimento é autoinfligido ou buscado consensualmente, onde estaria a vítima ou o crime?
A lei, na maioria das jurisdições, intervém apenas quando há ausência de consentimento, dano corporal grave ou quando as práticas envolvem menores. No entanto, pesquisas recentes começam a traçar uma linha surpreendente e perturbadora entre traços de personalidade masoquista e o envolvimento em crimes violentos, desafiando essa percepção e abrindo um novo e complexo campo para o perfilamento criminal.
Um estudo publicado no Journal of the National Medical Association examinou a relação entre narcisismo, masoquismo e envolvimento com a justiça criminal em uma amostra de indivíduos pós-encarcerados. Os resultados foram contraintuitivos e significativos. A análise encontrou uma forte associação entre o pensamento masoquista e o envolvimento em crimes violentos.
Essa ligação permaneceu estatisticamente significativa mesmo após o controle de outras variáveis conhecidas por estarem associadas à criminalidade, como a psicopatia. O estudo sugere que, enquanto as intervenções de reabilitação de infratores se concentram em traços como a personalidade antissocial, o masoquismo é frequentemente ignorado, podendo representar um fator de risco oculto e um alvo potencial para novos tratamentos [5].
“Nossas análises encontraram uma forte associação entre masoquismo e crime violento no nível univariado, e o masoquismo foi um preditor significativo no nível multivariado, controlando para preditores conhecidos de crime violento.” – Piros, Bauman, & Clark (2023) [5]
Como podemos interpretar essa conexão? A hipótese não é que o desejo masoquista em si leve diretamente ao crime. Em vez disso, os traços psicológicos subjacentes que caracterizam o transtorno do masoquismo – como a autoimagem negativa, a tendência à autossabotagem, a busca por situações de risco e a dificuldade em regular emoções intensas como vergonha e raiva – podem criar uma perigosa vulnerabilidade.
Um indivíduo que se sente fundamentalmente “merecedor” de punição ou sofrimento pode, consciente ou inconscientemente, se colocar em situações que levam à violência, seja como vítima recorrente ou, paradoxalmente, como agressor, em um ciclo complexo de autopunição e externalização da angústia. A agressão contra o outro pode ser uma forma distorcida de infligir a si mesmo as consequências inevitáveis do ato, como a captura e a punição.
Do ponto de vista do perfilamento criminal, essa descoberta é de extrema importância. O criminal profiling busca entender as características comportamentais e de personalidade de um agressor para ajudar na investigação. A presença de traços masoquistas pode ser uma “assinatura psicológica” sutil, mas importante.
Por exemplo, um agressor que deixa pistas que parecem levar à sua própria captura, ou que se envolve em crimes de alto risco com pouca recompensa aparente, pode estar agindo sob a influência de uma compulsão masoquista à autopunição.
Essa ideia, conhecida na literatura criminológica como “perdedor por excelência” (loser par excellence), descreve o criminoso que inconscientemente deseja ser pego. Além disso, a dinâmica de poder presente no BDSM pode, em indivíduos com o transtorno e outras comorbidades (como transtornos de personalidade do Cluster B), ser distorcida e extravasar para contextos não consensuais. A fantasia de submissão pode se misturar com a realidade de forma perigosa, ou a frustração por não conseguir realizar a fantasia de forma segura pode levar a atos impulsivos e violentos.
É crucial reiterar que a vasta maioria das pessoas com interesses masoquistas não é e nunca se tornará criminosa. A correlação encontrada nos estudos refere-se a indivíduos com traços masoquistas patológicos, muitas vezes em conjunto com outras condições psiquiátricas e um histórico de vida adverso.
O que a criminologia forense começa a entender é que o masoquismo, quando se torna uma fonte de sofrimento e desregulação, pode ser um fator a mais na complexa equação que leva ao comportamento criminal violento. Ignorar essa peça do quebra-cabeça é perder uma oportunidade valiosa tanto para a investigação criminal, ajudando a identificar suspeitos, quanto para a reabilitação eficaz de infratores, ao tratar uma das possíveis raízes psicológicas do comportamento delitivo.
Quando Começa e Como Evolui
Relatos clínicos indicam idade média em torno de 19 anos para o surgimento consciente de preferências masoquistas. Em alguns casos, sinais aparecem na puberdade e até na infância, sob a forma de fantasias vagas (sem conteúdo sexual explícito à época) ligadas a restrição ou submissão. Isso não significa que a criança “tenha” o transtorno; indica apenas que pistas de excitação podem se formar cedo, e só mais tarde ganham contorno erótico.
O curso varia. Em muitas pessoas, a intensidade decai com a idade (fenômeno visto em outros padrões sexuais, normativos e parciais). Em outras, o padrão oscila ao sabor de estressores, disponibilidade de parceiros e acesso a conteúdos. O uso de pornografia específica pode prender o ciclo em níveis mais intensos; relações afetivas estáveis e satisfatórias podem reduzir a centralidade do padrão. Não existe uma única trajetória.
Consequências Funcionais e Perigos Concretos
Os manuais indicam que as consequências funcionais são pouco conhecidas em nível populacional. Em clínica e perícia, porém, alguns riscos se destacam:
- Acidentes em práticas com restrição de ar, amarração, uso de objetos contundentes ou cortantes.
- Rupturas relacionais por incompatibilidade de desejo, coerção de parceiros a práticas que eles não querem, ou mentiras para satisfazer impulsos.
- Problemas laborais por uso compulsivo de conteúdo ou por comportamentos de risco (por exemplo, trancar-se no banheiro do trabalho para práticas autoeróticas perigosas).
- Exposição jurídica quando há envolvimento de não consentimento ou quando práticas realizadas em locais públicos configuram crime.
Em casos com especificador de asfixiofilia, o risco de morte acidental é alto; também há relatos de lesão cerebral por hipóxia. Isso exige atenção imediata.
Comorbidades
É comum a presença de outros transtornos parafílicos, como fetichismo (excitação por objetos ou partes específicas), transtorno transvéstico (excitação com o uso de peças associadas ao outro gênero), e, em alguns indivíduos, traços de ansiedade, depressão, uso problemático de substâncias e dificuldades de regulação emocional. Comorbidade não significa causalidade; aponta a necessidade de avaliação global, não apenas sexual.
Diagnóstico diferencial: o que considerar antes de concluir
Antes de fechar diagnóstico de transtorno do masoquismo sexual, convém avaliar com cuidado:
- Interesse masoquista sem sofrimento: excitação com dor/ humilhação performática sem angústia e sem prejuízo não configura transtorno.
- Transtorno de sadismo sexual: avaliar se a pessoa deseja causar dor/ humilhação (sadismo) além de receber (masoquismo) — são dimensões diferentes.
- Transtornos de personalidade: padrões rígidos de relação e necessidade de controle podem mimetizar quadros sexuais; é essencial separar o que é dinâmica relacional do que é padrão sexual.
- TOC e pensamentos intrusivos: culpa e crenças sobre “impureza” sexual podem superdimensionar a angústia; o que parece “transtorno sexual” às vezes é obsessão moral.
- Resposta a trauma: pessoas com história de violência podem encenar dinâmicas de submissão para reorganizar agência; isso pede manejo trauma-informado, sem rótulos apressados.
Em todas as hipóteses, a pergunta norteadora é: há sofrimento clinicamente significativo ou prejuízo funcional decorrente desse padrão?
Tratamento e Manejo do Transtorno
Quando sai do prazer sexual e começa o sofrimento e o prejuízo funcional, a busca por ajuda profissional torna-se um passo essencial para a recuperação do bem-estar. É importante frisar que o objetivo do tratamento não é erradicar as fantasias ou preferências sexuais do indivíduo, mas sim aliviar a angústia, a culpa e a vergonha que caracterizam o transtorno, e devolver ao indivíduo o controle sobre seus impulsos e sua vida. A abordagem terapêutica é geralmente multifacetada, combinando psicoterapia e, em alguns casos, intervenções farmacológicas, sempre dentro de um quadro de aceitação e respeito pela individualidade do paciente.
A terapia cognitivo-comportamental (TCC) é uma das abordagens mais eficazes e estudadas para transtornos parafílicos. O objetivo é ajudar o paciente a identificar e reestruturar os pensamentos e crenças disfuncionais (distorções cognitivas) que alimentam o ciclo de sofrimento. Por exemplo, um terapeuta pode trabalhar com o paciente para desafiar a crença de que ele é “mau” ou “pervertido” por ter esses desejos, ajudando a reduzir a vergonha e a culpa.
A TCC também dota o indivíduo de ferramentas práticas para gerenciar os impulsos de forma mais saudável, através de técnicas de prevenção de recaída e manejo de gatilhos. Técnicas como o treinamento de empatia (especialmente se houver sobreposição com sadismo) e a dessensibilização sistemática (onde o paciente é gradualmente exposto a seus gatilhos em um ambiente seguro e controlado, enquanto pratica técnicas de relaxamento) também podem ser empregadas [2].
A terapia de aversão, onde o estímulo masoquista é associado a uma experiência negativa (como um cheiro ruim), é uma técnica mais antiga e controversa, cujo uso diminuiu em favor de abordagens mais humanistas.
Outras formas de psicoterapia, como a terapia psicodinâmica, podem buscar explorar as raízes mais profundas do masoquismo, investigando experiências da infância e padrões de relacionamento que possam ter contribuído para o desenvolvimento do transtorno. O objetivo é trazer à consciência os conflitos inconscientes que podem estar sendo expressos através do comportamento masoquista, permitindo que o paciente compreenda suas motivações em um nível mais profundo e encontre formas mais adaptativas de lidar com elas.
Terapias mais recentes, como a Terapia de Aceitação e Compromisso (ACT), também mostram promessa, ajudando o indivíduo a aceitar seus pensamentos e desejos sem julgamento, enquanto se compromete a agir de acordo com seus valores de vida, em vez de ser governado pelos impulsos.
Em alguns casos, especialmente quando os impulsos são muito intensos, incontroláveis e colocam o indivíduo ou outros em risco, a medicação pode ser considerada como um adjuvante à psicoterapia. Tratamentos antiandrogênicos, que reduzem os níveis de testosterona (como o acetato de ciproterona ou análogos do GnRH), podem ser utilizados para diminuir a libido e a frequência dos impulsos sexuais, dando ao paciente um “respiro” para que a psicoterapia possa ser mais eficaz.
Antidepressivos, especialmente os inibidores seletivos da recaptação de serotonina (ISRS), também podem ser prescritos. Eles são úteis não apenas para tratar comorbidades frequentes como a depressão e a ansiedade, mas também porque um de seus efeitos colaterais comuns é a redução da libido e a dificuldade em atingir o orgasmo, o que pode ajudar a diminuir a intensidade dos impulsos parafílicos [1]. A decisão de usar medicação deve ser cuidadosamente ponderada entre o médico e o paciente, considerando os potenciais benefícios, efeitos colaterais e a natureza temporária ou de longo prazo do tratamento.
Abordagem Terapêutica | Mecanismo de Ação e Objetivos |
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Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC) | Identifica e modifica pensamentos e comportamentos disfuncionais. Reduz a culpa e a vergonha, e ensina habilidades de manejo dos impulsos e prevenção de recaída. |
Psicoterapia Psicodinâmica | Explora as raízes inconscientes e as experiências passadas que podem ter contribuído para o transtorno, buscando a resolução de conflitos internos. |
Terapia de Aceitação e Compromisso (ACT) | Ajuda o paciente a aceitar seus pensamentos e desejos sem julgamento, enquanto se foca em viver de acordo com seus valores pessoais. |
Terapia Antiandrogênica | Reduz os níveis de testosterona para diminuir a intensidade e a frequência dos impulsos sexuais, facilitando o trabalho psicoterapêutico. |
Antidepressivos (ISRS) | Trata comorbidades como depressão e ansiedade, e pode ajudar a reduzir a libido como um efeito secundário, diminuindo a urgência dos impulsos. |
É fundamental que o tratamento ocorra em um ambiente de total aceitação e sem julgamentos. O sucesso terapêutico depende da construção de uma aliança sólida entre o terapeuta e o paciente, onde este se sinta seguro para explorar os aspectos mais íntimos e angustiantes de sua sexualidade. A jornada pode ser longa, mas a recuperação do controle e a redução do sofrimento são objetivos realistas e alcançáveis.
Avaliação clínica e Forense
Uma avaliação sólida de possível transtorno do masoquismo sexual requer:
- Entrevista clínica com foco em história sexual, situação afetiva, saúde mental, uso de substâncias, marcos de vida, limites e consentimento nas relações.
- Exploração do critério temporal: há seis meses ou mais de padrão recorrente?
- Mapeamento de sofrimento e prejuízo: quais aspectos da vida foram impactados?
- Avaliação de risco: presença de asfixiofilia, práticas autoeróticas potencialmente letais, envolvimento de não consentimento, uso de substâncias para potencializar ou tolerar práticas.
- Descrição das motivações e significados: o que a pessoa busca com a prática? Dor física? Sensação de entrega? Alívio de culpa? O sentido importa para planejar intervenção.
- Diagnóstico diferencial e comorbidades: olhar o quadro completo, e não uma etiqueta isolada.
- Registro claro: em perícias, documentar métodos, achados, limites e graus de confiança, evitando conclusões além dos dados.
A postura ética exige ausência de julgamento moral e clara distinção entre preferência consensual e comportamento prejudicial/ coercitivo. Em ambiente jurídico, linguagem técnica e parcimônia protegem o processo e as pessoas envolvidas.
Tratamento: Quando Buscar Ajuda
Nem todo interesse masoquista demanda tratamento. Procura-se cuidado quando há sofrimento, prejuízo ou risco. As linhas mais estudadas incluem:
- Psicoterapia cognitivo-comportamental (TCC): mapeamento de gatilhos, reestruturação de cognições, treino de habilidades de regulação emocional e controle de impulso, estratégias de prevenção de recaída.
- Terapia baseada em aceitação e compromisso (ACT): foco em valores, aceitação de experiências internas sem agir compulsivamente, compromisso com ações que aproximem a pessoa da vida que deseja.
- Terapia de casal (quando aplicável): alinhar expectativas, negociar limites, tratar ressentimentos, definir acordos claros sobre o que é aceitável e o que não é.
- Farmacoterapia: em quadros com compulsividade, ansiedade ou depressão, podem ser considerados ISRS sob avaliação psiquiátrica; em casos extremos de risco, há discussões sobre modulação hormonal/ antiandrógenos — sempre com consentimento, acompanhamento e avaliação criteriosa de riscos/benefícios.
- Manejo de risco: quando há asfixiofilia ou outras práticas de alto perigo, prioriza-se a redução de dano, com planos de evitar contextos críticos e substituir por alternativas mais seguras. Importante: não se oferece tutorial de práticas perigosas; o objetivo é afastar a pessoa de condutas potencialmente letais.
Em qualquer caminho, confidencialidade, consentimento informado e respeito à autonomia são pilares.
Dilemas éticos
Na sala de atendimento, aparecem perguntas difíceis: “Se meu prazer passa por sentir dor, posso ter uma vida afetiva satisfatória?”, “Meu parceiro quer práticas que me deixam mal depois; estou sendo conivente com algo que me faz mal?”, “Sinto vergonha do que gosto; isso me torna uma pessoa ruim?”. O trabalho clínico, aqui, é restaurar agência, diferenciar desejo de compulsão, fortalecer limites e reduzir culpa tóxica.
Uma boa bússola é a tríade: liberdade, consentimento, consequências. Se falta liberdade (medo de dizer não), se o consentimento é turvado (álcool, pressão, chantagem emocional) ou se as consequências são repetidamente devastadoras, há um problema — e ele pede intervenção.
Cultura, Preconceito e o Risco de Patologização
A história da sexologia está marcada por excessos de patologização. Foi assim com orientações sexuais e com diversas variações que hoje entendemos como legítimas entre adultos. O aprendizado que fica: diferença não é doença. O diagnóstico exige mais do que diferença; exige sofrimento e prejuízo. Essa distinção protege tanto quem não precisa de rótulos quanto quem precisa de cuidado.
Também é verdade que a cultura pode disfarçar sofrimento sob a bandeira da liberdade. Se uma pessoa diz “é só meu jeito” mas chora todos os dias, perdeu emprego, rompeu laços e se coloca em risco grave para sustentar um padrão, estamos diante de algo que merece atenção clínica. Não há virtude em negar ajuda por medo de estigma — e não há virtude em diagnosticar por ansiedade ou moralismo.
Dois Retratos Para Ilustrar Dilemas Diferentes
Caso 1 — Júlia, 32 anos, sem sofrimento nem prejuízo
Júlia gosta de cenas leves de submissão e contenção com o parceiro. Os dois conversam, definem limites, usam palavras de interrupção e se sentem mais conectados depois. Júlia trabalha, estuda, cultiva amizades e não relata angústia com suas preferências. Diagnóstico de transtorno? Não. Há interesse masoquista consensual sem sofrimento ou prejuízo. A clínica não tem o que corrigir.
Caso 2 — Renato, 28 anos, risco e angústia
Renato começou com vídeos de humilhação e evoluiu para práticas autoeróticas com restrição de respiração. Já desmaiou duas vezes; uma delas, no banheiro do trabalho. Compulsivo, assiste pornografia por horas, evita encontros afetivos, sente culpa intensa após os episódios e pensa em “dar um jeito de parar de vez”. Diagnóstico? Possível transtorno do masoquismo sexual com asfixiofilia, com sofrimento e prejuízo significativos. O caso pede intervenção imediata e plano de segurança.
É Bom Saber…
Em perícias criminais e processos cíveis, o tema aparece em variados cenários: disputas de guarda em que um dos genitores tenta desqualificar o outro com base em práticas íntimas; relatos de agressão em relações que misturam consentimento e coerção; mortes em contexto de atividade autoerótica; violência doméstica disfarçada de “brincadeira”.
Alguns princípios ajudam a não errar a mão:
- Consensualidade não é cortina para crime: se não há consentimento livre, há violência.
- Preferência não prova periculosidade: interesse masoquista sem sofrimento/ prejuízo não caracteriza incapacidade parental nem risco automatizado.
- Autoerotismo fatal exige investigação técnica cuidadosa para diferenciar suicídio, homicídio e acidente.
- Laudos devem ser parcimoniosos, descrevendo fatos e achados clínicos, não juízos morais.
Curiosidades
Toda pessoa que gosta de dor no sexo tem um transtorno?
Não. Se há consentimento, bem-estar e ausência de prejuízo, trata-se de variação legítima entre adultos.
Quem tem interesse masoquista é “viciado” em dor?
Interesse não é “vício”. Fala-se em compulsão quando a pessoa perde controle, sofre e se prejudica repetidamente.
Por que a asfixiofilia preocupa tanto?
Porque o risco de morte acidental é alto e imprevisível. Pequenos erros levam a hipóxia grave.
Pornografia causa transtorno?
Pornografia não “cria” do nada, mas pode estreitar pistas de excitação e reforçar padrões, piorando sofrimento e prejuízo.
Existe tratamento que “cure” o desejo?
O foco não é “apagar desejo”, e sim reduzir sofrimento/ prejuízo, expandir repertório de vida e restaurar liberdade. Em alguns casos, remédios ajudam com impulso e comorbidades.
Como Abordar o Paciente
Comece perguntando o que a pessoa quer: quer entender a própria sexualidade? Quer reduzir risco? Quer parar de se expor a determinadas práticas?
Investigue história sexual, início das fantasias, progressão, gatilhos, padrões de consumo de conteúdo. Pergunte sobre consentimento nas relações, acordos, quebras de limites.
Avalie sofrimento (angústia, culpa, vergonha) e prejuízo (trabalho, estudo, vínculos). Sondar situações de risco (especialmente asfixiofilia).
Checar comorbidades: ansiedade, depressão, uso de substâncias, insônia, ideação suicida.
Propor objetivos realistas: mais liberdade, menos culpa, menos risco, relações mais seguras.
Documentar tudo com clareza — e lembrar que respeito e ausência de moralismo são parte do tratamento.
Referências
[1] Brown, G. R. (2023). Transtorno do masoquismo sexual. Manuais MSD edição para profissionais. Acessado em https://www.msdmanuals.com/pt/profissional/transtornos-psiqui%C3%A1tricos/parafilias-e-transtornos-paraf%C3%ADlicos/transtorno-do-masoquismo-sexual [2] Psychology Today Staff. (2021). Sexual Masochism Disorder. Psychology Today. Acessado em https://www.psychologytoday.com/us/conditions/sexual-masochism-disorder [3] Linden, D. J. (2015). The Neurobiology of BDSM Sexual Practice. Psychology Today. Acessado em https://www.psychologytoday.com/us/blog/the-compass-pleasure/201503/the-neurobiology-bdsm-sexual-practice [4] Kamping, S., Andoh, J., Bomba, I. C., Diers, M., Diesch, E., & Flor, H. (2015). Contextual modulation of pain in masochists: involvement of the parietal operculum and insula. Pain, 157(2), 445–455. Acessado em https://pmc.ncbi.nlm.nih.gov/articles/PMC4795098/ [5] Piros, H. I., Bauman, A., & Clark, C. B. (2023). An exploration of the link between narcissism, masochism, and crime in a post-incarcerated sample. Journal of the National Medical Association, 115(5), 488-495. Acessado em https://www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S0027968423000913asfixiofilia; práticas consensuais; BDSM e clínica; critérios diagnósticos; sofrimento e prejuízo; avaliação forense; pornografia e reforço; comorbidades; diagnóstico diferencial; tratamento TCC, transtorno do masoquismo sexual, asfixiofilia, critérios diagnósticos, práticas consensuais, BDSM e clínica, avaliação forense, risco e segurança, pornografia específica, comorbidades, diagnóstico diferencial, TCC, saúde sexual, Transtorno do masoquismo sexual,
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