Neurodivergencias

13 – Flávio Bolsonaro Quer Mais Proteção Para os Autistas

Flávio Bolsonaro - O PL 4.598/2025 prevê mais proteção penal para pessoas com deficiência e neurodivergentes

Flávio Bolsonaro – O senador Flávio Bolsonaro (PL/RJ), entregou um Projeto de Lei (PL) na sexta-feira, 27 de setembro, que altera o Decreto Lei 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), para incluir como circunstância agravante, a prática de crime contra a pessoa com deficiência ou neurodivergente e para estender a causa de aumento de pena, tornando-a aplicável independentemente do local da prática do crime.

A violência contra pessoas em situação de vulnerabilidade costuma ser dupla: fere o corpo ou o patrimônio e atinge a dignidade de quem, por características funcionais, cognitivas ou sensoriais, enfrenta barreiras na comunicação, na mobilidade, no processamento emocional e na compreensão social. É dentro desse contexto que surge o Projeto de Lei 4.598/2025, de autoria do senador Flávio Bolsonaro, propondo duas mudanças no Código Penal brasileiro.

PL 4.598/2025: proteção penal para pessoas com deficiência e neurodivergentes by Camila Abdo

A primeira inclui, expressamente, como circunstância agravante, a prática de crime contra pessoas com deficiência ou neurodivergentes. A segunda amplia a causa de aumento de pena para lesão corporal contra pessoa com deficiência, tornando-a aplicável independentemente do local do crime, e não apenas quando ocorre “nas dependências de instituição de ensino”, como hoje consta em redações específicas do art. 129.

Em linguagem simples, o projeto afirma que a pena deve ser mais severa sempre que a vítima for pessoa com deficiência ou neurodivergente, não importando se a violência ocorreu na escola, em casa, na rua, no trabalho ou em um hospital. Essa virada é jurídica, social e, sobretudo, humana, pois tira da invisibilidade um grupo historicamente exposto a abusos, negligências e violações.

O texto da proposta é objetivo ao alterar o art. 61, inciso II, do Código Penal, para inserir expressamente a pessoa com deficiência e a pessoa neurodivergente entre as hipóteses de agravamento da pena. O projeto também ajusta o art. 129, §12, inciso II, para suprimir a limitação do aumento de pena apenas quando a lesão ocorre em instituição de ensino.

Ao retirar essa amarra espacial, o senador Flávio Bolsonar pretende pôr fim a uma assimetria: por que a agressão sofrida dentro da escola seria mais grave do que a praticada dentro de casa, em via pública ou em um ambiente de saúde? A violência não escolhe cenários e, do ponto de vista da vítima, seus impactos psicobiológicos e sociais são profundamente semelhantes. A calibragem penal mais justa, portanto, precisa acompanhar a realidade fática das agressões e a vulnerabilidade intrínseca de quem as sofre.

Há, aqui, um diálogo com a Constituição, com os tratados internacionais incorporados ao ordenamento jurídico e com a própria Lei Brasileira de Inclusão. O projeto invoca a dignidade da pessoa humana, a igualdade e a proteção integral, além de lembrar a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, que impõe ao Estado brasileiro a adoção de medidas efetivas para prevenir e punir todas as formas de violência contra pessoas com deficiência.

Ao estender a proteção para pessoas neurodivergentes, a proposta abarca condições como autismo, TDAH, dislexia, discalculia e outras variações do funcionamento neurológico que, no cotidiano, impõem desafios específicos à interação social, à regulação emocional, ao planejamento executivo e à leitura de contextos ameaçadores. É um passo normativo que reconhece a diversidade funcional do cérebro humano e a necessidade de respostas jurídicas coerentes com a ciência do desenvolvimento.

A discussão, no entanto, não é apenas de lei. É, antes de tudo, um tema que atravessa a neurociência, a psicologia e a psiquiatria. Quando o texto do projeto aponta que a vulnerabilidade pode ser explorada pelo agressor, ele também admite, de maneira implícita, o acúmulo de evidências sobre como o cérebro neurodivergente processa estímulos, regula o medo, interpreta pistas sociais e enfrenta sobrecargas sensoriais.

Em pessoas autistas, por exemplo, há dados sólidos sobre diferenças nas redes de conectividade social, nos circuitos de atenção ao olhar e na integração sensorial. Em quadros de TDAH, a literatura descreve alterações nos mecanismos de controle inibitório e de recompensas, que podem impactar a percepção de risco e a reatividade a ambientes conflituosos.

Para a psicoeducação e para o desenho de políticas públicas, isso significa reconhecer que a prevenção da violência contra pessoas neurodivergentes começa antes do crime, com ambientes adequados, rotinas previsíveis, comunicação clara, suporte terapêutico e redes de proteção treinadas para identificar sinais de perigo.

A psicologia do desenvolvimento nos lembra que o risco de vitimização não surge apenas de fatores externos. Muitas vezes, ele é potencializado pela soma de barreiras invisíveis: dificuldade em decodificar intenções, hipersensibilidade a estímulos, consumo elevado de energia atencional diante de mudanças abruptas de contexto e histórias de exclusão que fragilizam laços de confiança.

Em cenários de conflito, a pessoa neurodivergente pode não conseguir acionar respostas defensivas típicas, pedir ajuda de forma eficaz ou interpretar corretamente a escalada de agressividade do outro. A legislação, ao identificar essa condição, precisa traduzir em linguagem punitiva aquilo que a clínica observa diariamente: a vulnerabilidade não é fraqueza, é uma característica situacional que exige proteção reforçada.

Na psiquiatria, a interface com a violência se dá por diversos fatores. Transtornos de ansiedade, depressão, TEA e TDAH podem coexistir com histórico de bullying, violência doméstica e abusos institucionais.

O sofrimento psíquico prolongado altera a fisiologia do estresse, modulando o eixo hipotálamo-hipófise-adrenal e interferindo na qualidade do sono, na memória e na tomada de decisão. Em quadros de hipervigilância, a pessoa pode evitar espaços públicos por medo, reduzir atividades de lazer, abandonar tratamentos e comprometer a capacidade de trabalho e estudo.

A lei, nesse sentido, não produz neurobiologia, mas pode mitigar os gatilhos sociais que agravam sintomas, reconhecendo que cada episódio de violência acarreta repercussões psíquicas e somáticas que demandam cuidado interdisciplinar.

Ao propor que a agravante alcance, de forma explícita, crimes contra pessoas com deficiência ou neurodivergentes, o PL 4.598/2025 preenche uma lacuna normativa. O Código Penal já previa agravantes quando a vítima é criança, idoso, enfermo ou gestante. A ausência de menção expressa à pessoa com deficiência e à pessoa neurodivergente gerava uma mensagem ambígua de menor reprovabilidade.

A proposta corrige o descompasso e alinha o estatuto penal com as diretrizes de inclusão e acessibilidade. O fundamento não é simbólico, é prático: a tipologia de violência que recai sobre esses grupos é ampla e recorrente, variando de abusos psicológicos e financeiros até agressões físicas e violências sexuais.

Em todas elas, o agressor pode manipular as barreiras comunicacionais e cognitivas da vítima, aumentar o isolamento, usar ameaças incompreensíveis e, com isso, reduzir a probabilidade de denúncia. A resposta agravada sinaliza à sociedade que explorar vulnerabilidades neurobiológicas e funcionais é juridicamente mais grave porque suas consequências humanas, emocionais e sociais são desproporcionalmente danosas.

Um ponto sensível do projeto é a retirada da restrição espacial da majorante por lesão corporal. Antes, a redação atrelava o aumento de pena ao fato de a violência ocorrer “nas dependências de instituição de ensino”. O argumento do PL é claro: a escola não pode ser a única lente do agravamento.

Violências no lar, em serviços de saúde, no transporte público, no trabalho e em espaços de lazer reproduzem, e por vezes agravam, os mesmos mecanismos de dano. Ao uniformizar a proteção, a proposta evita redundâncias internas no Código Penal e harmoniza hipóteses de aumento de pena, fechando brechas que, na prática, poderiam resultar em respostas penais menos severas apenas por causa do endereço do crime. Em termos de política criminal, a mudança é um convite à coerência: a gravidade da conduta deve ser aferida pela exploração da vulnerabilidade da vítima, e não pela portaria do prédio onde ela aconteceu.

Para a neurociência aplicada à justiça, o PL suscita um debate importante sobre risco, dano e responsabilidade. Proteger não significa infantilizar, tampouco assumir que toda pessoa neurodivergente é incapaz. O que se afirma é o reconhecimento de padrões de risco que pedem barreiras protetivas mais altas, investigações especializadas e acolhimento informado por evidências.

Delegacias e Ministérios Públicos precisam ser treinados para conduzir depoimentos com adaptações sensoriais e comunicacionais. Laudos psicológicos e psiquiátricos devem considerar sobrecargas sensoriais, mutismo seletivo, respostas atípicas ao estresse e a necessidade de tempo adicional para processamento. Na etapa do inquérito, medidas protetivas que respeitem rotinas, cuidadores e terapias são essenciais. No Judiciário, o reconhecimento da neurodiversidade não pode ser confundido com redução da autonomia, mas com garantia de acessibilidade procedimental.

A psicologia forense, por sua vez, deve ser chamada desde cedo a identificar contextos de revitimização. Em muitos casos, a pessoa com deficiência ou neurodivergente depende de seus agressores para atividades básicas, transporte, acesso a serviços e medicação. A exigência de provas testemunhais clássicas, sem adaptações, tende a reproduzir silenciamentos.

Avaliações em ambiente amigável, com linguagem clara e mediação de profissionais capacitados, reduzem retraumatização e aumentam a qualidade da prova. O objetivo é conjugar técnica com humanidade, valorando os relatos sem impor à vítima o custo de atravessar um procedimento hostil ou inacessível.

No campo da prevenção, o projeto conversa com uma agenda que envolve família, escola, saúde, assistência e segurança pública. A melhor política penal, por si só, não substitui rede de apoio. Programas de psicoeducação para pais e cuidadores, treinamentos para professores sobre manejo sensorial e comunicação alternativa, protocolos de atendimento de emergência que considerem sobrecargas auditivas e visuais, além de equipes de saúde mental integradas a serviços sociais, são elos do mesmo sistema de proteção.

Em ambientes de trabalho, políticas de acessibilidade cognitiva, rotinas mais previsíveis e comunicação sem ambiguidades reduzem riscos e fortalecem a autonomia. O reconhecimento jurídico da agravante não é um fim, é um gatilho para que todas as demais pontas da rede se ajustem.

A psiquiatria comunitária ensina que ambientes previsíveis, vínculos de cuidado estáveis e redes protetivas confiáveis reduzem ansiedade basal e hiperexcitação em pessoas com TEA e TDAH, por exemplo. Quando a lei sinaliza reprovação penal maximizada contra quem ataca essas pessoas, ela comunica também a necessidade de construir espaços socialmente amigáveis.

A violência não é apenas o ato físico, é o resultado de contextos que favorecem o agressor e isolam a vítima. Ao diminuir o espaço de impunidade e aumentar a vigilância social sobre tais condutas, a legislação cria incentivos para que instituições revejam protocolos, treinamentos e procedimentos internos.

O PL 4.598/2025 dialoga ainda com a dimensão simbólica do direito penal. A criminalização agravada, quando bem calibrada, tem efeito pedagógico. Ela comunica valores, reposiciona prioridades e pode desencadear auditorias institucionais.

Hospitais, escolas, centros de reabilitação e repartições públicas precisam desenvolver políticas internas que descrevam passo a passo como agir diante de suspeitas de violência. A melhor lei é aquela que provoca políticas e transforma culturas. E, quando falamos de neurodiversidade, transformar culturas significa abandonar o modelo único de funcionamento e acolher múltiplas formas de perceber, sentir e interagir com o mundo.

A partir da neurociência, podemos compreender por que uma mesma agressão tem impactos distintos em cérebros diferentes. A plasticidade neural é sensível ao estresse, e a exposição repetida a ambientes hostis altera circuitos de medo e memória. Em pessoas com hipersensibilidade sensorial, a soma de estímulos dolorosos, ruidosos e imprevisíveis acelera a exaustão e a retração social.

A lei que amplia a proteção penal reconhece, portanto, que as consequências não se encerram no dia do crime. Elas reverberam na qualidade do sono, no apetite, na atenção, no humor, na motivação para terapias e no engajamento escolar e laboral. Ao responsabilizar com maior severidade, o Estado tenta conter essa cadeia de danos que, na clínica, se expressa como piora do funcionamento global.

No plano da psicologia clínica, a intervenção pós-violência precisa ser célere e preparada para quadros de estresse pós-traumático, ansiedade e depressão. Técnicas baseadas em evidências, com adaptações sensoriais e comunicacionais, ajudam a restituir segurança e previsibilidade.

Em TEA, rotinas restauradas e previsíveis, treino de habilidades sociais adaptadas e comunicação aumentativa favorecem a retomada do cotidiano. Em TDAH, manejo de impulsividade, regulação emocional e estruturação de tarefas protegem contra recaídas em ambientes que remetem ao trauma. A lei não substitui terapia, mas cria as condições para que ela aconteça com menor risco e maior eficácia.

Uma preocupação recorrente quando se fala em agravantes é o risco de sobrecarga do sistema penal sem a correspondente melhora da prevenção. O texto do PL, ao corrigir uma lacuna histórica e retirar redundâncias, é um passo de racionalidade. Mas sua eficácia concreta dependerá dda repressão qualificada e prevenção inteligente.

Delegacias precisam de protocolos para registrar ocorrências com acessibilidade; promotorias devem orientar investigações com perícias psicológicas e psiquiátricas adequadas; juízes têm de reconhecer adaptações procedimentais para depoimentos e oitivas. A norma penal, sozinha, não reduz a incidência da violência, mas ajuda a reordenar prioridades e a salvar casos concretos quando a rede de proteção é acionada a tempo.

Ao final, o mérito do PL 4.598/2025 é reconhecer a neurodiversidade como dado real da vida social e como fundamento de proteção penal específica. Não se trata de criar hierarquias de vítimas, mas de reconhecer que as barreiras do mundo — barulhos, luzes, metáforas sociais, pistas não ditas, tempos acelerados, rotinas caóticas — pesam de forma diferente sobre cada cérebro.

Se, por um lado, celebramos a diversidade e defendemos inclusão, por outro, precisamos agir quando essa diversidade vira alvo de abuso. A lei proposta deixa uma mensagem clara à sociedade: a integridade de pessoas com deficiência e pessoas neurodivergentes é inviolável, e a exploração de sua vulnerabilidade não é apenas injusta — é mais grave e merece resposta penal à altura.

Artigos Relacionados

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Botão Voltar ao topo