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38- Perícia Neuropsicológica e Psicológica Em Crimes Sexuais

Perícia Neuropsicológica e neuropsicológica em crimes sexuais: objetivos, métodos, limites, quando solicitar e como ela orienta decisões justas

Perícia Neuropsicológica– No dia a dia da investigação e do processo penal, a perícia não é luxo: é ferramenta decisiva para sustentar decisões justas. No campo da psicologia, ela ganha um papel particular. O psicólogo jurídico, amparado pelo art. 4º da Lei 4.119/1962, realiza avaliações técnicas, emite pareceres e elabora laudos que descrevem o funcionamento mental de pessoas envolvidas em ações penais — autores, vítimas diretas e vítimas indiretas.

Embora a prática seja privativa de psicólogos, profissionais de outras áreas que atuam em Sexologia Forense precisam compreender quando solicitar, o que esperar e como interpretar o resultado. Entender o método não transforma ninguém em psicólogo; torna, sim, a investigação mais eficiente e o julgamento mais bem embasado.


O Objeto da Perícia

A perícia psicológica não apura autoria nem “prova” a ocorrência do crime. O objeto é o indivíduo, não o evento. Quem decide sobre autoria e materialidade é o sistema de justiça, com base no conjunto probatório.

O laudo psicológico ou neuropsicológico responde a perguntas técnicas formuladas por juízes, promotores, delegados e defensores: capacidade de entendimento e autodeterminação, presença de transtornos mentais, credibilidade do relato sob o prisma clínico, impactos psíquicos do trauma, riscos de reincidência, entre outras questões.

Em termos práticos, a avaliação contextualiza a conduta humana, iluminando como fatores biológicos, psíquicos e socioculturais moldaram aquele comportamento.


Como a Avaliação Se Estrutura No Processo

A perícia é orientada por quesitos. As perguntas formuladas pelas partes e pelo magistrado delimitam o foco: o perito investiga o funcionamento mental por meio de entrevista clínica, testes psicológicos validados, análise documental e, quando necessário, instrumentos neuropsicológicos.

O resultado é um laudo que integra dados objetivos, observações clínicas e uma discussão técnica alinhada à literatura científica. Não se trata de “achismo” nem de opinião pessoal: a força do documento reside no método e na coerência interna entre dados, raciocínio e conclusão.


Avaliação Psicológica Forense

A avaliação psicológica em crimes sexuais busca subsidiar a Justiça com elementos sobre personalidade, dinâmica psíquica, cognição social, impulsividade, empatia, distorções cognitivas, manejo de afetos e eventuais sintomas compatíveis com transtornos mentais.

Também examina impactos do trauma em vítimas diretas e indiretas, incluindo estratégias de enfrentamento, presença de ansiedade, depressão, estresse pós-traumático e alterações no funcionamento cotidiano. O objetivo é traduzir fenômenos clínicos em respostas úteis à decisão judicial, preservando a neutralidade técnica.

Ela não promete dizer “quem mente” e “quem fala a verdade” com certeza matemática. Fala, sim, de consistência do relato, compatibilidade entre narrativa e reações emocionais, plausibilidade clínica e presença de indicadores de simulação quando houver. O compromisso é com a ciência e com os limites do método.


Perícia Neuropsicológica

A avaliação neuropsicológica examina a relação entre funções cognitivas e funcionamento cerebral. É indicada quando há dúvidas sobre memória, atenção, linguagem, funções executivas, julgamento moral, controle inibitório e tomada de decisão. Em crimes sexuais, ela pode ser crucial para discutir:

Imputabilidade e capacidade processual: o acusado compreendia o caráter ilícito do ato? Conseguia determinar-se de acordo com esse entendimento? Tem condições cognitivas de acompanhar o processo e orientar sua defesa?

Danos psíquicos e cognitivos da vítima: houve comprometimentos de atenção, memória ou processamento emocional secundários ao trauma, com repercussão acadêmica, laboral ou social?

Transtornos neurocognitivos e outros quadros que alteram julgamento, empatia e inibição, potencialmente modulando risco e responsabilidade.

A coleta de dados envolve entrevistas clínicas, histórico médico, observação comportamental e baterias de testes padronizados. A síntese final não se limita a “escores”: interpreta o perfil cognitivo à luz do caso, evitando conclusões fora do alcance dos achados.


Vítima Direta, Vítima Indireta e Autor

Nas situações de violência sexual, a perícia pode incidir sobre:

Vítima direta
Foca nos impactos psíquicos, no vínculo entre sintomas e evento e na capacidade de testemunhar. Analisa também fatores de proteção, rede de apoio e riscos secundários (revitimização, estigmatização). O cuidado ético é máximo: entrevistas acolhedoras, protocolos que evitam sugestionamento e minimizam dano.

Vítima indireta
Familiares e cuidadores podem manifestar reações intensas (culpa, luto, colapso funcional). A perícia mapeia esses efeitos quando pertinentes ao processo, inclusive para orientar medidas protetivas e decisões de guarda.

Autor ou acusado
Examina personalidade, histórico psicopatológico, padrões de relacionamento, risco de reincidência e recursos de controle. Quando cabível, discute diagnósticos diferenciais (uso de substâncias, transtornos do humor, quadros neurocognitivos) e avalia se eles explicam ou modulam a conduta, sem confundir compreensão clínica com justificação jurídica.


Ética e Método

A perícia forense exige independência técnica, imparcialidade e rastreabilidade metodológica. Técnicas e instrumentos precisam ser validados para uso forense, com documentação do raciocínio clínico e da cadeia de informações que levaram às conclusões.

O sigilo é relativo: o que interessa à Justiça é reportado no laudo, resguardando dados sensíveis desnecessários ao julgamento. Quando avalia crianças e adolescentes, o perito adota linguagens e setting apropriados, evitando revitimização e contaminação do relato.


O Que Pedir Na Prática

Quem solicita a perícia aumenta muito o valor probatório quando faz perguntas claras e pertinentes. Em vez de “o réu é culpado?”, perguntas como “há elementos clínicos que indiquem prejuízo de julgamento moral e controle inibitório no período dos fatos?”, “os sintomas apresentados pela vítima são compatíveis, no tempo e na forma, com a narrativa de violência sexual?” ou “há sinais de simulação ou de amplificação de sintomas?” geram respostas técnicas efetivas. A perícia rende mais quando o quesito é jurídico no enunciado e técnico no foco.


Limitações e Potenciais Falhas

Laudos robustos reconhecem limitações: indisponibilidade de documentos, tempo decorrido entre fato e avaliação, condições emocionais no momento da entrevista, efeitos de medicações, fadiga, escolaridade, cultura e bilinguismo. Também explicitam quando determinado achado é compatível com mais de uma explicação, apresentando hipóteses alternativas. Essa transparência não fragiliza o laudo; fortalece sua credibilidade.


Integração Com Outras Provas

Exame de corpo de delito, vestígios digitais, depoimentos, histórico escolar, prontuários médicos, oitivas especializadas e dados sociofamiliares compõem o mosaico probatório. A perícia psicológica e neuropsicológica dialoga com essas peças, agregando significado clínico aos fatos.

Em crimes sexuais, onde muitas vezes a materialidade é escassa ou tardia, essa leitura técnica pode ser o elemento que desfaz ruídos e ancora a decisão judicial.


Para Equipes Investigativas

Solicite a perícia quando houver dúvida clínica relevante que impacte a instrução ou a sentença: indícios de transtorno mental ou neurocognitivo no acusado, inconsistências significativas de memória na vítima, sinais de simulação, necessidade de estimar incapacidade laborativa ou educacional após o trauma, discussão de imputabilidade e semi-imputabilidade.

Acompanhe o processo pericial garantindo acesso aos documentos e logística para comparecimento. Ao final, leia o laudo buscando coerência entre dados, análise e conclusão — é nesse encadeamento que reside sua força.


Técnica a Serviço Da Justiça e Da Proteção

Perícia psicológica e neuropsicológica não são um apêndice burocrático. São instrumentos de precisão para compreender pessoas em situações extremas e decisões com grande impacto social. Quando bem solicitadas, bem realizadas e corretamente interpretadas, ajudam a proteger vítimas, responsabilizar ofensores e evitar erros judiciais. Mesmo quem não é psicólogo ganha muito ao entender o que pedir, por que pedir e como ler.

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