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66- Transtornos Parafílicos

Mapa das parafilias “outros especificados”: definições, exemplos reais, critérios do DSM-5-TR, diferenças de consentimento, riscos legais e pistas para diagnóstico e avaliação clínica/forense

Transtornos Parafílicos – A sexualidade humana é um dos campos mais vastos e enigmáticos do comportamento. Ela se expressa de formas diversas, influenciada por fatores biológicos, psicológicos, culturais e sociais. Dentro desse vasto espectro, existem manifestações que ultrapassam os limites considerados normais ou socialmente aceitos — os chamados transtornos parafílicos.

Esses transtornos envolvem padrões de excitação sexual que se concentram em objetos, situações ou indivíduos atípicos. O simples fato de alguém ter um interesse sexual incomum não é suficiente para ser classificado como transtorno. O que diferencia a parafilia de um transtorno parafílico é o sofrimento significativo que causa à pessoa ou o prejuízo real a terceiros.

Segundo o DSM-5-TR, manual diagnóstico utilizado mundialmente na psiquiatria, o transtorno é diagnosticado quando essas fantasias, impulsos ou comportamentos persistem por pelo menos seis meses e provocam sofrimento intenso, angústia ou prejuízos sociais e ocupacionais.


Outros Transtornos Parafílicos Especificados

Entre as categorias mais abrangentes e complexas está o “Outro Transtorno Parafílico Especificado”, usado quando o indivíduo apresenta sintomas que se encaixam em um quadro parafílico, mas não preenchem todos os critérios de um transtorno específico já listado no DSM.

Essa categoria é essencial para que o clínico possa registrar casos raros, híbridos ou ainda pouco estudados pela literatura científica, mas que produzem sofrimento real. Nesses casos, o diagnóstico é acompanhado de uma explicação — por exemplo: “outro transtorno parafílico especificado, com excitação associada à observação de tragédias” ou “outro transtorno parafílico especificado, com excitação por autoperigo”.

Trata-se, portanto, de uma categoria diagnóstica aberta, que busca abranger o que a ciência ainda não nomeou completamente, mas que já se manifesta na experiência clínica.


Quando o Prazer Se Mistura ao Risco

O campo das parafilias é vasto e, muitas vezes, surpreendente até para profissionais da saúde mental. Há casos de indivíduos que sentem excitação sexual associada ao perigo, ao sofrimento, ou até à morte.

Um exemplo é a autassassinofilia, na qual o indivíduo sente prazer sexual ao se colocar em risco de morrer durante o ato sexual — frequentemente associada a práticas de asfixia ou sufocamento erótico. Embora possa parecer extrema, essa parafilia é mais comum do que se imagina, e muitos casos terminam em tragédias acidentais.

Outro caso curioso é o da erotonofilia, em que o orgasmo é associado ao ato de matar o parceiro ou à fantasia de fazê-lo. Essa parafilia, além de estar ligada ao perigo físico, costuma ser observada em alguns serial killers, nos quais o impulso sexual se confunde com o desejo de poder e domínio absoluto sobre a vítima.

Esses exemplos demonstram como, em certos casos, o prazer e a destruição podem coexistir de maneira inquietante, revelando o lado mais obscuro da mente humana.


Entre o Bizarro e o Comum: Quando o Fetiche Vira Patologia

Nem toda prática sexual incomum é patológica. O fator determinante é se há consentimento e se causa sofrimento ou prejuízo funcional.

Por exemplo, a autagonistofilia — prazer em ser filmado ou observado durante o ato sexual — é relativamente comum em uma era de exposição digital. A diferença está em quando essa necessidade se torna compulsiva ou passa a causar angústia caso não seja atendida.

Outro exemplo é a clismafilia, que envolve prazer obtido com enemas. Embora pareça estranha, essa prática só se torna um transtorno quando o indivíduo depende exclusivamente dela para alcançar o prazer ou quando sente vergonha e sofrimento por isso.

A capnolagnia, por sua vez, consiste em sentir desejo ao observar alguém fumando. Assim como a olfactofilia — atração por odores corporais — ou a mascalagnia, voltada para axilas — elas se tornam transtornos apenas quando o prazer sexual depende exclusivamente desses estímulos ou quando provocam danos psicológicos ou sociais.

Em todos esses casos, o desafio clínico é identificar se o comportamento é apenas uma variação da sexualidade humana ou se representa um padrão de compulsão e sofrimento.


A Linha Tênue Entre Fantasia e Crime

Algumas parafilias ultrapassam os limites da legalidade. É o caso da biastofilia, caracterizada pela excitação sexual ao atacar pessoas desconhecidas — frequentemente relacionada a casos de estupro.

A necrofilia, uma das mais conhecidas, envolve excitação sexual diante de cadáveres. Embora muitas vezes retratada em filmes de terror, ela é documentada na literatura psiquiátrica e criminal como uma manifestação extrema do desejo de controle total sobre o outro.

Já a zoolofilia — atração sexual por animais — e a sonofilia — excitação obtida ao manter relação sexual com alguém dormindo — também configuram crimes, independentemente de consentimento, pois envolvem vítimas incapazes de manifestar vontade.

Essas manifestações são estudadas não apenas pela psicologia, mas também pela criminologia e pela psiquiatria forense. O tratamento, nesses casos, exige acompanhamento multidisciplinar, combinando psicoterapia, intervenção farmacológica e, em alguns contextos, medidas judiciais.


O Corpo Como Objeto de Fascínio

Diversas parafilias giram em torno de partes específicas do corpo. A pigofilia (atração por nádegas), a tricofilia (excitação por cabelos e pelos), a quiromania (fascínio por mãos) e a nasofilia (fetiche por narizes) são exemplos de como o foco do desejo pode se deslocar de maneira particular.

Em geral, esses fetiches são inofensivos e até comuns dentro da variação sexual humana. No entanto, quando o indivíduo não consegue obter prazer sexual sem a presença desses estímulos — e isso lhe causa sofrimento —, o quadro pode ser classificado como um transtorno.

Outro exemplo curioso é a gerontofilia, atração por pessoas significativamente mais velhas, e a microfilia, pelo oposto — o desejo por pessoas de baixa estatura ou com traços corporais específicos. Esses comportamentos só preocupam quando se tornam exclusividade e geram isolamento ou prejuízo social.


O Desejo Dirigido a Objetos

Há também parafilias nas quais o objeto do desejo é literalmente um objeto. A objectofilia, por exemplo, caracteriza pessoas que se apaixonam por coisas inanimadas — carros, pontes, instrumentos musicais — e até acreditam ter vínculos emocionais e sexuais com eles. Casos assim já foram noticiados em diferentes países, incluindo indivíduos que chegaram a “se casar” simbolicamente com seus objetos de afeição.

A mecanofilia segue um caminho semelhante, envolvendo excitação sexual por máquinas e veículos. Embora pareça absurda, é documentada em estudos clínicos e já motivou ocorrências policiais por atos públicos de natureza sexual com automóveis e motocicletas.

Esses casos revelam a complexidade das ligações entre fantasia, objeto e identidade, mostrando como a sexualidade pode se deslocar do humano para o inanimado.


A Influência da Cultura e da Sociedade

Os transtornos parafílicos também refletem o contexto social em que o indivíduo vive. Em culturas altamente repressivas, certos desejos podem ser empurrados para o inconsciente, transformando-se em compulsões. Já em sociedades mais permissivas, o limite entre o aceitável e o patológico se desloca constantemente.

O consentimento e a autonomia são os critérios centrais para distinguir o fetiche do transtorno. A pessoa pode viver suas fantasias livremente desde que não cause sofrimento nem viole direitos de terceiros. Quando o prazer depende do sofrimento, do medo ou da submissão alheia — e especialmente quando envolve não consentimento —, o comportamento deixa de ser expressão da sexualidade e passa a ser sintoma clínico e jurídico.

A psicologia moderna busca compreender essas dinâmicas sem julgamentos morais, mas com base na ética e na saúde mental. O foco não é condenar, mas entender o que está por trás do impulso — seja uma tentativa inconsciente de controle, uma compulsão, ou uma forma de expressão reprimida.


A Neurociência do Desejo e da Compulsão

Pesquisas recentes apontam que o cérebro de pessoas com transtornos parafílicos apresenta ativação anormal em áreas associadas à dopamina e ao sistema de recompensa, especialmente no núcleo accumbens e no córtex orbitofrontal.

Essas regiões são responsáveis por processar prazer, motivação e controle de impulsos. Em muitos casos, há um descompasso entre o estímulo e o sistema inibitório, levando o indivíduo a associar prazer a estímulos de risco, dor ou transgressão.

A neurociência também mostra que o condicionamento repetido de fantasias específicas pode reforçar circuitos cerebrais, tornando o comportamento mais compulsivo. Isso explica por que muitos indivíduos relatam dificuldade em controlar seus impulsos, mesmo conscientes das consequências.

Entretanto, a boa notícia é que o cérebro é plástico. Terapias cognitivo-comportamentais e abordagens psicodinâmicas, associadas a medicamentos moduladores de dopamina e serotonina, têm se mostrado eficazes na redução da compulsão e no resgate da autonomia sobre o desejo.


Tratamento e Abordagem Terapêutica

O tratamento dos transtornos parafílicos exige empatia, confidencialidade e rigor ético. O primeiro passo é romper o ciclo de vergonha e isolamento que muitos pacientes vivenciam.

A psicoterapia cognitivo-comportamental é frequentemente utilizada para identificar gatilhos, reestruturar pensamentos disfuncionais e desenvolver mecanismos de autocontrole. Em casos mais graves, podem ser indicados medicamentos como inibidores seletivos da recaptação de serotonina (ISRS) ou até antiandrogênicos, que reduzem a libido.

A terapia de grupo e a psicoeducação também desempenham papéis importantes, permitindo que o indivíduo compreenda a origem do seu comportamento e aprenda a lidar com ele sem causar dano a si ou aos outros.

O grande desafio é encontrar o equilíbrio entre respeitar a diversidade sexual e proteger a integridade física e emocional das pessoas envolvidas.


Um Espelho da Condição Humana

Os transtornos parafílicos, em sua variedade e complexidade, revelam muito mais sobre a condição humana do que sobre o “desvio” em si. Eles mostram como o prazer, o medo, o poder e a vulnerabilidade estão entrelaçados na psique.

Cada parafilia, quando analisada profundamente, fala sobre controle, identidade, limite e desejo — aspectos universais da experiência humana. O papel da ciência não é julgar, mas compreender, tratar e prevenir os danos que surgem quando o prazer perde o limite e transforma-se em sofrimento.

Com conhecimento e empatia, é possível devolver ao indivíduo o poder de viver sua sexualidade de forma consciente, segura e responsável.

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