18 – Duping Delight – Enganar e Dissimular
Duping Delight — o prazer de enganar — e sua importância nas microexpressões faciais, na psicologia forense e na identificação de comportamentos manipuladores

Duping Delight – Mentir é uma das ações humanas mais antigas e universais. Desde a infância, as pessoas aprendem que a mentira pode ter diferentes propósitos — evitar punições, proteger sentimentos ou manipular situações.
No entanto, há casos em que a mentira ultrapassa a barreira do utilitarismo e se transforma em fonte de prazer. É nesse território psicológico e comportamental que surge o fenômeno conhecido como Duping Delight, um conceito criado pelo psicólogo norte-americano Paul Ekman, referência mundial em estudos sobre microexpressões faciais e linguagem não verbal.
O termo, em tradução livre, significa “prazer em enganar”. Ele descreve o sentimento de satisfação que algumas pessoas experimentam ao conseguir enganar outras — um misto de excitação, superioridade e triunfo. O Duping Delight revela uma faceta inquietante do comportamento humano: o prazer que pode estar por trás do ato de dissimular.
Em contextos forenses, compreender esse comportamento é essencial. O sorriso discreto de quem mente, o olhar confiante de quem manipula ou o micro movimento dos lábios ao relatar um crime são sinais que ajudam peritos e analistas a entender não apenas o que foi dito, mas o que se esconde nas entrelinhas da expressão humana.
A Psicologia Por Trás do Prazer de Enganar
Mentir não é apenas uma ação verbal; é uma experiência emocional complexa. Ao enganar, o cérebro ativa mecanismos ligados à recompensa — os mesmos que se manifestam quando o indivíduo sente prazer, conquista algo ou vence um desafio. Essa ativação libera dopamina e adrenalina, produzindo sensações de euforia e poder.
O Duping Delight é justamente a expressão física dessa emoção. Ela se manifesta, muitas vezes, por meio de um micro sorriso bilateral — um sorriso sutil, que dura frações de segundo, misturando traços de alegria e desprezo. É o sorriso de quem sente prazer por ter conseguido ludibriar alguém, mesmo que o outro ainda não saiba.
De acordo com Ekman, o prazer da dissimulação surge de várias fontes: o sentimento de poder sobre o outro, a emoção do risco de ser descoberto ou a satisfação intelectual de manipular percepções com sucesso. Para algumas pessoas, especialmente aquelas com traços narcisistas ou psicopáticos, enganar se torna um jogo — uma forma de reafirmar sua inteligência e controle emocional.
Diferença Entre Duping Delight e Mitomania
Embora ambos os termos estejam relacionados ao ato de mentir, eles descrevem fenômenos psicológicos completamente diferentes — um voltado à emoção e outro ao comportamento.
O duping delight, expressão cunhada pelo psicólogo Paul Ekman, representa o prazer, a satisfação ou a excitação que uma pessoa sente ao enganar alguém com sucesso. Trata-se de uma resposta emocional ligada ao ato da dissimulação.
O indivíduo que experimenta o duping delight não mente apenas por necessidade ou conveniência, mas sente uma espécie de triunfo psicológico ao perceber que conseguiu manipular a percepção do outro. Esse prazer pode se manifestar através de microexpressões involuntárias, como sorrisos sutis, olhar vibrante ou mudanças discretas na linguagem corporal — sinais que muitas vezes escapam ao controle consciente.
O ponto central do duping delight é o prazer emocional do engano. O mentiroso sente um impulso de autovalidação: o ato de enganar reforça seu senso de poder, domínio e controle sobre o outro. É uma resposta mais emocional do que patológica — um marcador comportamental que pode ser observado tanto em situações cotidianas quanto em contextos forenses, especialmente em indivíduos com traços narcisistas, maquiavélicos ou psicopáticos. Ou seja, o duping delight está mais ligado à emoção de prazer pela mentira bem-sucedida do que à compulsão de mentir em si.
Já a mitomania — também chamada de “pseudologia fantástica” ou “mentira patológica” — descreve um comportamento persistente e quase automático de mentir. O indivíduo mitômano não mente apenas por conveniência; ele mente como padrão, muitas vezes sem motivação clara, sem ganho material e, em alguns casos, sem plena consciência do ato.
É um comportamento crônico, repetitivo e disfuncional, que pode estar associado a transtornos de personalidade, como o transtorno de personalidade histriônica, borderline, antissocial ou narcisista. Em muitos casos, o mitômano fabrica histórias grandiosas, altera fatos e passa a acreditar nas próprias narrativas, misturando fantasia e realidade.
Enquanto o duping delight é um fenômeno emocional, transitório e observável na expressão facial e corporal, a mitomania é um padrão de comportamento contínuo e destrutivo. O primeiro envolve prazer em enganar; o segundo, uma compulsão em mentir. Assim, embora ambos envolvam a mentira, suas naturezas, motivações e implicações psicológicas são distintas.
Aspecto | Duping Delight | Mitomania |
---|---|---|
Natureza | Sensação ou emoção (prazer em enganar com sucesso) | Padrão de comportamento persistente de mentir ou fabricar histórias |
Foco | O ato de enganar e o sentimento de vitória que advém disso | A tendência habitual de mentir, muitas vezes sem finalidade aparente |
Motivo | Pode estar ligado ao poder, controle ou prazer de enganar | O impulso de mentir é mais interno, muitas vezes sem ganho claro |
Status clínico | Não é um diagnóstico; é um conceito psicológico/forense | Associado à mentira patológica; pode aparecer em transtornos de personalidade |
Expressão visível | Pode haver “vazamento” facial — sorrisos, microexpressões de prazer | Nem sempre há prazer evidente; o foco é a repetição da mentira |
Objetivo da mentira | O engano em si e a sensação de vitória | Pode não haver objetivo claro; a mentira é quase automática |
Em síntese, quem sente duping delight encontra prazer em uma mentira bem-sucedida, uma emoção efêmera e associada ao êxito da manipulação. Já o mitômano mente de forma constante e involuntária, muitas vezes acreditando nas próprias invenções, o que causa prejuízos emocionais, sociais e relacionais. O primeiro é um indício de dissimulação consciente; o segundo, um distúrbio comportamental profundo.
O Duping Delight no Contexto Forense
No campo da psicologia forense, o Duping Delight tem enorme relevância. Ele aparece com frequência em entrevistas, interrogatórios e depoimentos de suspeitos. Ao relatar seus atos, alguns criminosos deixam escapar expressões sutis de prazer — micro sorrisos que revelam satisfação em ter burlado o sistema, enganado as vítimas ou manipulado a opinião pública.
Um exemplo emblemático citado em aulas e treinamentos é o do serial killer de Goiânia, Tiago Henrique Gomes da Rocha. Durante entrevistas, especialistas observaram momentos em que, ao descrever seus crimes, ele expressava discretos sorrisos. Esses movimentos, analisados em câmera lenta, mostravam indícios claros do Duping Delight: prazer e desprezo em um mesmo gesto.
Em um dos trechos, ao afirmar “eu não tive outra opção a não ser matar”, Tiago exibe um leve micro sorriso. Essa expressão involuntária sugere que, em algum nível, ele associava o ato de matar à sensação de poder e satisfação. O comportamento é típico do perfil conhecido como serial killer hedonista, aquele que comete homicídios movido por prazer pessoal.
Entre o Poder e o Risco: O Prazer da Dissimulação
O ato de enganar carrega uma dimensão psicológica que mistura excitação e controle. Para alguns indivíduos, especialmente os manipuladores habilidosos, a mentira é vista como uma arte. A antecipação do momento em que a mentira será contada, o jogo de persuasão e o risco de ser descoberto funcionam como gatilhos emocionais de prazer.
A sensação de poder também é um fator determinante. Saber algo que o outro ignora, manipular a percepção alheia ou conduzir uma situação a seu favor reforça sentimentos de superioridade e domínio.
Em contextos criminais, isso é potencializado. Muitos criminosos experimentam prazer não apenas no ato ilícito, mas também no processo de enganar a polícia, os investigadores e até a mídia. Não é incomum que assassinos em série enviem cartas às autoridades, revelem pistas de seus crimes ou concedam entrevistas apenas para reafirmar sua inteligência e sua capacidade de controle.
O Duping Delight, portanto, não é apenas um gesto facial. É uma manifestação da psique humana em busca de validação e poder, revelando o prazer que alguns indivíduos sentem ao iludir o outro — mesmo que o preço disso seja a própria destruição moral.
Microexpressões e Linguagem Não Verbal
As microexpressões faciais são expressões involuntárias que surgem rapidamente — geralmente em menos de um quinto de segundo — e revelam emoções autênticas, muitas vezes contrárias ao que está sendo verbalizado.
No caso do Duping Delight, a microexpressão mais comum é o micro sorriso: um movimento sutil e quase imperceptível dos cantos da boca, acompanhado por leves contrações musculares ao redor dos olhos. Ele aparece no exato momento em que a pessoa sente prazer em enganar, ainda que tente esconder.
Analistas treinados em comportamento não verbal conseguem identificar essas microexpressões com precisão. Durante interrogatórios, a combinação entre linguagem verbal e não verbal é crucial. Quando há discrepância — por exemplo, quando o discurso expressa arrependimento, mas o rosto exibe satisfação — é possível inferir a presença do Duping Delight.
Esse fenômeno demonstra o quanto o corpo pode trair a mente. Por mais que o indivíduo tente controlar o discurso, o rosto frequentemente revela o que as palavras escondem.
Os Traços Narcisistas e o Prazer em Enganar
O Duping Delight está intimamente ligado a traços de personalidade narcisistas e psicopáticos. Para o narcisista, enganar o outro é uma forma de validação pessoal. Ele se sente inteligente, superior e admirado. Já o psicopata vê a mentira como ferramenta de manipulação — um instrumento para alcançar objetivos sem culpa ou empatia.
Em alguns casos, criminosos confessam seus delitos publicamente apenas para reafirmar seu controle sobre a narrativa. Querem ser reconhecidos, admirados e lembrados. A confissão, paradoxalmente, se torna uma nova oportunidade de prazer: o prazer de chocar, de ser notícia, de manter o poder simbólico mesmo após o crime.
É por isso que o Duping Delight aparece em contextos tão diversos — de pequenas mentiras cotidianas até crimes de grande repercussão. O elemento comum é sempre o mesmo: o prazer em ludibriar, o fascínio pelo controle e a euforia momentânea que o engano proporciona.
Casos Emblemáticos
Ao longo da história, vários criminosos exibiram sinais visíveis de Duping Delight. Entre os mais conhecidos está Suzane von Richthofen, condenada pelo assassinato dos pais em 2002. Em uma fotografia amplamente divulgada pela imprensa, Suzane aparece sorrindo durante sua saída temporária da prisão. O registro, feito no exato momento em que ela conquistava um benefício penal, mostra um sorriso interpretado por analistas como possível manifestação do Duping Delight — o prazer simbólico de ter “enganado o sistema” e desfrutar, ainda que brevemente, da liberdade.
Casos assim despertam debate ético e psicológico. Será que o sorriso é apenas uma reação automática à conquista momentânea, ou revela satisfação genuína por manipular o contexto? A resposta, embora complexa, reforça a importância da análise técnica e do conhecimento sobre o comportamento não verbal em ambientes forenses.
A Neurociência do Engano e do Prazer
Do ponto de vista neurocientífico, o Duping Delight é explicado pela ativação do sistema de recompensa cerebral — especialmente nas regiões do núcleo accumbens e do córtex orbitofrontal, que estão associadas ao prazer, à motivação e ao aprendizado por reforço.
Quando uma pessoa engana com sucesso, o cérebro libera dopamina, neurotransmissor responsável pela sensação de prazer e gratificação. Essa liberação reforça o comportamento, tornando a mentira potencialmente viciante. Para indivíduos com baixa empatia e alta busca por estímulo, esse mecanismo pode se repetir com frequência, transformando o engano em padrão de conduta.
Por outro lado, o risco de ser descoberto aciona o sistema límbico, produzindo adrenalina e elevando a frequência cardíaca. Essa combinação entre prazer e tensão cria um ciclo de excitação emocional, no qual o ato de mentir se torna um jogo interno — um desafio que precisa ser vencido.
Como Reconhecer o Duping Delight
em Entrevistas e Interrogatórios
Em contextos investigativos, identificar o Duping Delight exige atenção a detalhes sutis. O micro sorriso pode vir acompanhado de outras expressões corporais, como desvio do olhar, abaixar a cabeça após sorrir, ou pressionar os lábios para conter o gesto. Esses movimentos indicam que a pessoa percebeu ter demonstrado algo que não deveria.
Durante interrogatórios, é comum observar o mentiroso olhar para baixo logo após expressar o micro sorriso, tentando “corrigir” sua expressão. Esse comportamento é uma tentativa inconsciente de reprimir o prazer que escapou involuntariamente.
Por isso, o treinamento em leitura de microexpressões é uma das ferramentas mais valiosas para peritos, psicólogos forenses e investigadores. Ele permite ir além das palavras e compreender a verdadeira emoção que se manifesta no rosto do suspeito.
Mentir Pode Ser Irresistível?
O Engano Como Fonte de Excitação
Quando um indivíduo afirma que mentir é “irresistível”, está descrevendo algo mais profundo do que um simples ato de falsidade. O termo “irresistível” está associado a estímulos que produzem prazer, desejo e excitação.
Assim como vícios comportamentais — jogo, sexo, poder — a mentira pode se tornar um gatilho de recompensa. Alguns sujeitos relatam sentir um impulso quase incontrolável de enganar, especialmente quando há uma plateia envolvida ou quando acreditam que o desafio é difícil.
O prazer não está apenas em mentir, mas em enganar quem é difícil de enganar. Essa conquista reforça o ego e aumenta a autopercepção de inteligência e poder. É por isso que alguns indivíduos buscam reconhecimento, revelam detalhes dos próprios crimes ou até se vangloriam publicamente: o prazer está tanto no ato quanto na validação.
O Valor do Conhecimento Forense e da Análise Emocional
Compreender o Duping Delight é compreender a interseção entre psicologia, neurociência e comportamento humano. No ambiente forense, a análise das microexpressões e das motivações emocionais oferece pistas valiosas sobre o estado mental do acusado.
Saber interpretar o sorriso involuntário, a sutileza de um olhar ou o controle exagerado das expressões faciais pode fazer toda a diferença em um interrogatório. A verdade, muitas vezes, está escrita no rosto de quem tenta escondê-la.
A partir do estudo do Duping Delight, é possível reconhecer o poder das emoções — e, sobretudo, a vulnerabilidade humana diante do prazer de enganar.
O Fascínio Psicológico de Enganar
O Duping Delight revela algo inquietante sobre a natureza humana: a mentira, além de ferramenta de defesa, pode ser fonte de prazer. No campo forense, compreender esse fenômeno é essencial para interpretar comportamentos, distinguir verdade de dissimulação e identificar perfis com tendências manipuladoras.
O sorriso de quem engana, por mais discreto que seja, carrega o peso da verdade oculta — uma verdade que, ao ser revelada, mostra o quanto a mente humana é capaz de encontrar prazer até mesmo naquilo que destrói a confiança e a moral.
Entender o Duping Delight é, portanto, compreender o poder das emoções na construção e na ruína das relações humanas. E no cenário criminal, essa compreensão pode ser a chave para separar o arrependimento genuíno do prazer em mentir.