21 – Autismo Regressivo e Autismo Virtual
Autismo regressivo e “autismo virtual”: entrevista traz sinais, papel da poda neural, impactos do excesso de telas, diagnóstico responsável e debates sobre inclusão e políticas educacionais
Autismo Regressivo e Autismo Virtual – O Transtorno do Espectro Autista (TEA) tem sido pauta de debates cada vez mais frequentes na sociedade. No entanto, a popularização do tema nem sempre vem acompanhada de informação de qualidade. Pelo contrário, a desinformação e os mitos que cercam o autismo podem levar a diagnósticos equivocados, preconceito e até mesmo à exploração de uma condição que afeta milhões de pessoas em todo o mundo.
Em uma conversa esclarecedora, a psicopedagoga e especialista em autismo, Débora Santos, e a apresentadora Camila, que também é mãe de uma criança autista, abordam temas cruciais para a compreensão do TEA, desde as suas diferentes manifestações até as implicações políticas e sociais que o cercam.
Autismo Regressivo: A Perda de Habilidades
Um dos temas que mais gera dúvidas e angústia em pais e cuidadores é o autismo regressivo. Diferente do autismo clássico, em que os sinais são perceptíveis desde os primeiros meses de vida, no autismo regressivo a criança apresenta um desenvolvimento típico até um determinado momento, quando começa a perder habilidades já adquiridas.
A professora Débora Santos explica que o autismo é um transtorno de base genética, mas que fatores externos podem influenciar o seu desenvolvimento. “A criança que apresenta o autismo regressivo no momento da poda neural, essa criança, ela vai apresentar perda de habilidades que ela já havia conquistado”, afirma a especialista.
A poda neural é um processo natural que ocorre no cérebro, em que conexões neurais que não estão sendo utilizadas são eliminadas para dar espaço a novas aprendizagens. No entanto, em algumas crianças com predisposição genética para o autismo, esse processo pode desencadear a regressão.
“Meu filho, com dois aninhos, que é o momento onde nós temos uma poda neuronal mais expressiva, mais importante, ele dormiu uma noite, ele me deu boa noite, fui dormir. No dia seguinte, o menino acordou com a cara fechada, ele parou de falar, ele acordou sem falar, inclusive sem balbuciar. O que ele fazia era gritar”, relata Débora, ao compartilhar a sua experiência pessoal com o filho.
Essa perda de habilidades, principalmente a da fala, é um dos sinais mais recorrentes do autismo regressivo. No entanto, outras habilidades também podem ser afetadas. A especialista ressalta a importância de os pais estarem atentos a qualquer mudança no comportamento da criança e buscarem ajuda profissional ao menor sinal de alerta.
“Eu sabia que aquilo não era normal. A criança falava e, de repente, parou de falar. O que tá acontecendo?”, questiona Débora, ao relembrar a sua própria busca por respostas.
A Controvérsia das Vacina
Um dos pontos mais polêmicos quando se fala em autismo regressivo é a possível relação com a aplicação de determinadas vacinas em crianças. Embora a especialista não possa falar abertamente sobre o assunto, ela levanta um questionamento importante:
“Aquilo que é externo, essas pessoas dizem que pode, sim, influenciar na minha saúde, mas aquilo que eu injeto na minha vida, no meu corpo, não pode. Pode não fazer sentido não influenciar, né?”.
A professora Débora também menciona a atuação da Confederação Nacional pela Liberdade e Cidadania (Confenapais), uma organização que tem lutado contra a obrigatoriedade de submeter as crianças a procedimentos que, segundo eles, as transformam em “laboratórios”.
“A Confenapais tem lutado para que isso não ocorra mais, porque isso é proibido. Nós não precisamos sujeitar as nossas crianças a isso”, defende.
Autismo Clássico
Em contrapartida ao autismo regressivo, o autismo clássico, ou típico, apresenta sinais desde os primeiros dias de vida da criança. A apresentadora Camila, mãe do Matheus, compartilha a sua experiência com o filho, que desde cedo demonstrava comportamentos que fugiam ao padrão.
“Ele não olhava no meu olho para mamar, mas ele mamava e aí eu falava tudo bem. Ele não olha no olho porque ele não gosta, porque ele mama. Porque autista geralmente não gosta de pegar no peito”, relata.
Outros sinais, como a ausência do engatinhar, a dificuldade para sentar e sustentar o próprio corpo, a falta do sorriso social e a ausência de balbucio, também estavam presentes no desenvolvimento do Matheus. No entanto, a mãe admite que relutou em aceitar o diagnóstico.
“Eu fui a mãe que passei por quatro profissionais até achar um que negasse, e o que não aconteceu. Mas eu tentei muito. Eu relutei dois anos e meio para aceitar de fato o autismo do meu filho. Passei pelo luto, enfim, aquela coisa toda, né? A revolta, a tristeza, o medo”, desabafa.
A professora Débora explica que a principal diferença entre o autismo regressivo e o clássico é que, no primeiro caso, a criança tem um desenvolvimento totalmente típico até o momento da regressão. Já no segundo, os sinais são perceptíveis desde cedo.
No entanto, ela alerta que alguns sinais, como a hipersensibilidade tátil, podem estar presentes em ambos os casos.
“A criança que só anda na pontinha do pé, por que que tem criança que só anda na pontinha do pé? Porque quando ela encosta a palma, a sola do pé no chão, tá? Isso é que pode causar ou dor ou algum incômodo, porque ela está encostando a pele dela no chão ou em determinada textura: areia, grama”, exemplifica.
É importante ressaltar que nem toda criança que apresenta algum desses sinais é autista. A questão sensorial, por exemplo, pode estar presente em diversos transtornos e até mesmo em crianças com desenvolvimento típico.
“Não estou dizendo que toda criança que não gosta de se sujar tem autismo, não é nada disso”, esclarece a especialista. O diagnóstico preciso só pode ser feito por um profissional capacitado, como um neurologista pediátrico ou um psiquiatra infantil.
Autismo Virtual e a Indústria do Laudo
Outro tema de extrema relevância abordado na conversa é o chamado “autismo virtual”. O termo se refere a crianças que apresentam comportamentos semelhantes aos do autismo, mas que, na verdade, são resultado da exposição excessiva a telas, como celulares e tablets.
A professora Débora Santos alerta para os perigos de deixar as crianças “crescerem sem incomodar” na frente de uma tela.
“Hoje, muitos pais estão, sim, entregando os seus filhos pra tela do celular e não estão educando essas crianças”, afirma.
A falta de interação humana, de estímulos adequados e de experiências frustrantes para o desenvolvimento da resiliência pode levar a atrasos globais no desenvolvimento da criança.
“Essa criança, ela não tenha essa alternância de conversa, ela não vai ter conflito para ela aprender a resolver. Ela não vai ter frustração, porque ela só tá recebendo, ela não precisa pensar, ela só tá recebendo informação”, explica a especialista.
Como consequência, a criança pode apresentar dificuldades na fala, na socialização e no comportamento, características que podem ser facilmente confundidas com o autismo. É nesse contexto que surge a “indústria do laudo”, um fenômeno preocupante em que crianças recebem diagnósticos de autismo, TDAH, dislexia, entre outros transtornos, de forma indiscriminada.
“Sim, pessoal, está acontecendo a indústria do laudo, não é anular o autismo de ninguém. […] Está tendo sim a indústria do laudo porque, junto da indústria do laudo, tem a indústria das terapias e a indústria farmacêutica”, denuncia Camila.
A professora Débora confirma a existência dessa prática e relata já ter atendido pais que buscavam o laudo de autismo para obter benefícios, como a isenção de impostos na compra de um carro. “Infelizmente existem pais que querem o laudo, como você falou no começo, né? Mas existem aqueles que precisam do laudo, que de fato estão dentro do espectro do autismo, mas não aceitam”, pondera.
Essa banalização do diagnóstico não apenas prejudica as crianças que são rotuladas e medicadas desnecessariamente, mas também descredibiliza a condição do autismo e dificulta o acesso a tratamento adequado para quem realmente precisa.
“Imagina, eu sempre fui mais quieta, sempre da família toda. Minha família é muito barulhenta, é muito espalhafatosa. Eu sempre fui a que ficou sempre no canto, sempre na minha. Nunca gostei. Imagina se eu tivesse nascido hoje, iam me chamar de autista”, reflete Camila.
A Medicalização da Infância
A indústria do laudo está intrinsecamente ligada à medicalização da infância. Crianças que poderiam ter o seu desenvolvimento estimulado com terapias e acompanhamento adequados acabam sendo submetidas a medicamentos que podem ter efeitos colaterais graves.
Camila, que é mãe de uma criança autista, é enfática ao defender que se evite ao máximo o uso de medicação. “Eu não dou medicação, eu seguro todo BO quando ele tá puto, quando ele tá rodando. […] Eu evito dar medicação. Ao máximo, eu acho que em três anos de vida dele eu dei medicação uma vez só”, conta.
A professora Débora, por sua vez, adota uma postura mais ponderada. Ela acredita na medicina integrativa e reconhece que, em alguns casos, a medicação pode ser necessária para melhorar a qualidade de vida da criança.
“Existem crianças que, às vezes, uma desconexão, uma produção de neurotransmissor desajustada, pode sim causar um comportamento que acabe com a qualidade de vida da criança. Então, eu sou a favor, sim, de medicação, desde que a criança precise efetivamente”, afirma.
No entanto, a especialista ressalta a importância de buscar a opinião de mais de um profissional, de preferência com uma abordagem integrativa, e de se informar sobre os efeitos do medicamento.
“Tem gente, o médico que não explica pra você o porquê ele está dando esse remédio, o que esse remédio vai fazer, não confie nesse médico, simples assim”, alerta.
O Charlatanismo no Mundo do Autismo:
O Caso “Fernando Dosa”
Um dos momentos mais contundentes da conversa foi a denúncia de um suposto charlatão que se apresenta nas redes sociais como “Fernando Dosa”, um atleta e fisiculturista que alega ser autista de nível 3, com TDAH, superdotação e altas habilidades. Camila e a professora Débora desconstroem a narrativa do influenciador, alertando para o perigo que ele representa para a comunidade autista e para a sociedade como um todo.
Camila inicia a denúncia de forma direta: “Esse ser humano diz que ele é autista nível 3. Vou falar pelo meu conhecimento de causa: um autista nível 3 não faz musculação, não é bodybuilder, […] não tem interação social, não grava vídeo porque a fala dele, a comunicação dele, é extremamente pobre”. Ela também aponta a contradição entre a alegação de altas habilidades e a realidade do autismo nível 3, em que a grande maioria dos indivíduos tem uma inteligência de média para baixo.
A apresentadora também traz à tona acusações graves contra o influenciador, que teriam sido feitas por uma de suas ex-esposas.
“Esse cara é um puta de um charlatão e um dos perfis sérios sobre autismo trouxe os prints da ex-esposa dele, […] que fala que ele é um agressor de mulher”, revela.
Além disso, ela questiona a autenticidade do cordão de identificação de autista que ele usa, afirmando que ele não possui o CIPTEA (Carteira de Identificação da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista), o documento oficial do governo.
A professora Débora corrobora as acusações de charlatanismo com base em seu conhecimento técnico. Ela explica o que significa ser um autista de nível 3 de suporte, o grau mais severo do transtorno.
“Nível 3 de suporte é o nível de suporte que a pessoa precisa de outros para ela ter o mínimo de condição de sobreviver e viver com pessoas”, esclarece.
Ela descreve as características de um autista nível 3, como a alta sensibilidade, a falta de contato visual, o vocabulário pobre e a ausência da “teoria da mente”, que é a capacidade de se perceber como indivíduo e de compreender os pensamentos e sentimentos dos outros.
“Ele não tem empatia. Ele não consegue, às vezes, a maioria das vezes, o nível 3 de suporte, ele não vai conseguir conversar porque ele não sabe conversar. Ele não sabe se comunicar. O prejuízo de um autista nível 3 de suporte é muito grande em termos diversos. Na questão alimentar, como a Camila falou, na questão da comunicação social, a cognição social dele tem muitos prejuízos. Ele não gosta de estar com pessoas. Ele não entende o porquê ele precisa namorar ou ter amizades. Não faz sentido isso pra ele”, detalha a especialista.
Débora é categórica ao afirmar que o influenciador não se enquadra nos critérios do DSM-5 (Manual de Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais) para o autismo nível 3.
“Esse homem que se diz nível 3 de suporte e que não tem uma ecolalia, que não tem uma estereotipia. Gente, esse cara é um charlatão, ele é um charlatão. E se ele tem algum laudo, ele precisa mostrar qual é o CRM do médico que fez isso, que deu esse laudo pra ele, porque precisa ser caçado”, defende.
A especialista alerta para o desserviço que pessoas como “Fernando Dosa” prestam à causa do autismo. Ao apresentar uma imagem distorcida e glamourizada do transtorno, eles geram falsas expectativas e contribuem para o preconceito contra aqueles que realmente enfrentam as dificuldades do autismo. “Quem de fato tem o autismo sofre por conta disso, porque vai ser taxado como um fracassado. Porque aquele autista lá, nível 3, conseguiu; por que você não consegue?”, questiona.
Tabela Comparativa: O Mito do “Bodybuilder Nível 3” vs. A Realidade do DSM-5
Para ilustrar a discrepância entre a persona criada pelo influenciador e a realidade clínica do autismo nível 3 de suporte, a tabela a seguir compara as alegações de “Fernando Dosa” com os critérios diagnósticos do DSM-5 para o Nível 3 de Suporte, “Exigindo apoio muito substancial”.
| Característica | Alegações do Influenciador (“Fernando Dosa”) | Critérios do DSM-5 para Nível 3 de Suporte | Análise da Incongruência |
|---|---|---|---|
| Comunicação Social | Grava vídeos, comunica-se verbalmente com clareza, constrói narrativas complexas para se promover. | “Déficits graves na comunicação social verbal e não verbal causam prejuízos graves no funcionamento.” | A capacidade de comunicação do influenciador é diametralmente oposta à de um autista nível 3, que frequentemente é não-verbal ou possui um vocabulário extremamente limitado. |
| Interação Social | Relata múltiplos casamentos e relacionamentos, busca ativamente o engajamento do público nas redes sociais. | “Início muito limitado de interações sociais e resposta mínima a aberturas sociais de outros.” | Indivíduos com nível 3 de suporte têm extrema dificuldade em iniciar e manter interações sociais. A vida social e romântica ativa descrita é incompatível com o diagnóstico. |
| Comportamentos Restritos e Repetitivos | Apresenta-se com um repertório de interesses variado (fisiculturismo, corrida, empreendedorismo digital). | “Preocupação com interesses fixos e comportamentos repetitivos interfere acentuadamente no funcionamento em todas as asferas.” | Um autista nível 3 teria seus interesses e comportamentos tão restritos que a dedicação a uma carreira de atleta e influenciador digital, que exige flexibilidade, seria praticamente impossível. |
| Capacidade de Adaptação | Mantém uma rotina de treinos e dieta extremamente regrada, necessária para o fisiculturismo, e gerencia sua presença online. | “Extrema dificuldade em lidar com a mudança. […] Grande sofrimento/dificuldade para mudar o foco ou as ações.” | A rigidez cognitiva de um autista nível 3 se manifestaria com grande sofrimento diante de pequenas mudanças, tornando a vida dinâmica de um atleta e figura pública insustentável. |
| Autonomia e Independência | Vive de forma independente, é atleta profissional, casado (ou foi casado) várias vezes, e gerencia seus próprios negócios. | “Exige apoio muito substancial.” | O próprio nome do nível de suporte indica a necessidade de auxílio constante para tarefas básicas da vida diária, como higiene, alimentação e segurança. A autonomia alegada é a antítese do nível 3. |
| Habilidades Cognitivas | Alega ter “superdotação” e “altas habilidades”. | Embora não seja um critério excludente, a maioria dos indivíduos com nível 3 de suporte apresenta deficiência intelectual associada. | A combinação de autismo nível 3 com superdotação é extremamente rara e não se manifestaria da forma performática e socialmente engajada que o influenciador demonstra. |
O Decreto da Educação Especial
e as Ameaças à Inclusão
Além das questões clínicas e comportamentais, a entrevista adentra um terreno espinhoso: o da política. Camila e a professora Débora analisam criticamente as recentes decisões do governo federal que, segundo elas, representam um retrocesso para a educação inclusiva e um ataque aos direitos das pessoas com deficiência.
O ponto central da discussão é o decreto presidencial que instituiu a nova Política Nacional de Educação Especial. Débora Santos explica que, embora um decreto não possa se sobrepor a leis hierarquicamente superiores, como o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e a Constituição Federal, a medida sinaliza uma mudança de rumo perigosa. A principal crítica é a extinção das escolas especiais, que passariam a ser substituídas pela inclusão de todos os alunos, independentemente do grau de suporte, em escolas regulares.
“Ele aboliu as escolas especiais, a possibilidade dos pais decidirem se querem uma criança de nível 3 numa escola especial. Então, o que ele fez? Todas as crianças […] estejam incluídas em classes e escolas regulares”, aponta a especialista.
Para as debatedoras, essa medida, sob o pretexto de promover a inclusão, ignora a realidade das escolas públicas brasileiras, que não possuem estrutura nem profissionais capacitados para atender às demandas de alunos com autismo severo.
“Não existe professor de apoio nas escolas públicas, sequer tem na privada, quanto mais escola municipal e estadual”, lamenta Camila.
A consequência, segundo elas, seria o aumento do estigma, do bullying e da violência contra as pessoas com deficiência, além da sobrecarga dos professores.
Débora Santos, que possui experiência em sala de aula, descreve um cenário caótico:
“Você coloca uma criança nível 3 de suporte dentro de uma sala de aula? Porque agora não existe mais a APAE, não existe mais escola especializada. Aí você enfia uma criança, a professora que não estudou pra lidar com crianças com transtorno. Ela já tem 38 alunos e vai me enfiar uma criança nível 3 que dá trabalho, vai bater, vai apanhar. Aí o que que vai acontecer? Vai aumentar o estigma contra as pessoas com deficiência e a saúde mental do professor que lute também, né?”.
Elas argumentam que a verdadeira inclusão não se faz por decreto, mas com investimento em formação de professores, em estrutura adequada e, principalmente, com o respeito à decisão dos pais sobre o que é melhor para os seus filhos. A imposição de um modelo único de educação, segundo elas, desconsidera as necessidades individuais de cada criança e pode levar à exclusão dentro da própria sala de aula.
O Plano Nacional da Educação (PNE)
e o Futuro da Educação no Brasil
A preocupação com os rumos da educação no Brasil não se restringe ao decreto presidencial. A entrevista também aborda o Plano Nacional da Educação (PNE), que está em discussão na Câmara dos Deputados. O relator do projeto, o deputado Moisés Rodrigues, tem sido alvo de críticas por parte de organizações da sociedade civil, que temem que o novo PNE represente um retrocesso ainda maior para a educação brasileira.
Entre as propostas que mais causam apreensão, estão a obrigatoriedade de matrícula em creches a partir do nascimento, a exclusão de modalidades de ensino como o homeschooling, as escolas cívico-militares e as escolas confessionais, e a centralização do currículo nas mãos do governo.
“Criança já vai sair da maternidade para creche. Eles não estão respeitando nem o período de amamentação, obrigatório pelo Ministério da Saúde”, denuncia a professora Débora
Para a professora Débora, essas medidas fazem parte de um projeto maior de “emburrecimento da população” para a perpetuação do poder.
“Existe um plano para emburrecer as pessoas. Porque aí se perpetua o poder. […] Então, o que a gente pode fazer para piorar tudo de vez? Enfiar todas as crianças nível 1, 2, 3 de suporte com TDAH na sala de aula. As professoras não vão dar conta e vão ficar doentes”, ironiza.
Ela cita dados alarmantes sobre o desempenho do Brasil em avaliações internacionais de educação e alerta para as consequências a longo prazo de uma educação de má qualidade.
“O Brasil está atrás do Paraguai. O Brasil está atrás do Camboja. Gente, é ridículo. […] São esses os médicos que vão cuidar da nossa saúde quando nós estivermos velhinhos. Eles serão os geriatras. Eles serão os engenheiros que vão construir os nossos carros no futuro, as nossas casas. E aí, e se a casa cair na tua cabeça, a culpa é de quem?”, questiona.
A Luta por Direitos
e a Organização da Sociedade Civil
Diante de um cenário tão complexo e desafiador, a entrevista se encerra com um forte apelo à organização da sociedade civil. A professora Débora Santos e Camila convocam as pessoas, especialmente aquelas alinhadas ao espectro político da direita, a se envolverem ativamente na defesa da educação e dos direitos das pessoas com deficiência.
Débora critica a falta de organização da direita em contraste com a esquerda, que, segundo ela, soube ocupar espaços estratégicos de poder.
“Por que eles tomaram tudo? Porque eles entenderam como funciona de fato a política. Então, o que eles fizeram? Eles tomaram todos os conselhos municipais. […] Enquanto a gente estava dormindo, eles iam lá, assumiram os cargos, foram eleitos. E hoje está essa bagunça”, analisa.
A solução, para ela, passa pela união de esforços e pelo fortalecimento de organizações que já estão atuando de forma consistente. Ela cita a Confederação Nacional pela Liberdade e Cidadania (Confenapais) como exemplo de iniciativa que precisa ser apoiada.
O apelo final é para que as pessoas deixem o ego de lado e se unam em torno de um objetivo comum: a retomada de um projeto de país que valorize a educação, a família e a liberdade.
“Se a gente colocar o ego acima do que precisa ser feito, a gente não vai conseguir nada nunca, como não temos conseguido nos últimos anos”, lamenta Débora.
A apresentadora faz um desabafo sobre a atuação e a hipocresia da esquerda no âmbito social:
“Vocês defendem um demônio que no céu não entra e no inferno o demônio não quer concorrência. […] Um grupo que diz defender tanto os direitos humanos e a minoria, mas que não sabe o que é enfrentar o SUS. Tudo tem convênio, né?
Ela conclui com um desejo de que essas pessoas experimentem na pele as dificuldades enfrentadas pelas famílias de pessoas com deficiência, para que abandonem a hipocrisia e a indiferença.
“A única coisa que eu desejo é que vocês passem pelo o que essas pessoas passam para ver se largam a mão de serem hipócritas, sujos, lixos e vermes”, finaliza.
A Informação como Ferramenta
de Transformação
O debate franco e corajoso entre a psicopedagoga Débora Santos e a apresentadora Camila lança luz sobre as nuances que envolvem o Transtorno do Espectro Autista. Longe de ser um tema restrito a especialistas e famílias que convivem com o TEA, a discussão sobre o autismo revela as complexas teias que conectam saúde, educação, política e sociedade.
A entrevista serve como um alerta contra a desinformação, o charlatanismo e a manipulação política que exploram a vulnerabilidade de uma população que já enfrenta inúmeros desafios. A “indústria do laudo”, o “autismo virtual” e a ascensão de figuras midiáticas que distorcem a realidade do autismo são fenômenos que precisam ser combatidos com informação de qualidade e com um olhar crítico e atento.
Ao mesmo tempo, a análise das políticas públicas para a educação especial expõe a urgência de um debate mais aprofundado e honesto sobre o que significa, de fato, a inclusão. A imposição de um modelo único, que desconsidera as necessidades individuais e a realidade das escolas brasileiras, pode, paradoxalmente, gerar mais exclusão e sofrimento.
A conversa, por fim, é um chamado à responsabilidade coletiva. A defesa dos direitos das pessoas com deficiência, a luta por uma educação de qualidade e a fiscalização do poder público não são tarefas exclusivas de um grupo ou de outro, mas um dever de toda a sociedade. A organização da sociedade civil, o engajamento político e, acima de tudo, a busca por informação e conhecimento são as principais ferramentas para construir um futuro mais justo, acolhedor e verdadeiramente inclusivo para todos.
Glossário de Termos Essenciais
Para facilitar a compreensão dos temas abordados, apresentamos um glossário com os principais termos mencionados na entrevista:
- Poda Neural: Processo natural do desenvolvimento cerebral onde sinapses (conexões entre neurônios) pouco utilizadas são eliminadas, otimizando a eficiência das redes neurais. Ocorre com maior intensidade em fases específicas da infância e adolescência.
– - DSM-5 (Manual de Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, 5ª Edição): Publicado pela Associação Americana de Psiquiatria, é o manual padrão utilizado por profissionais de saúde mental para o diagnóstico de transtornos mentais, incluindo o Transtorno do Espectro Autista (TEA).
– - Níveis de Suporte do TEA: O DSM-5 classifica o autismo em três níveis de suporte, baseados na intensidade dos prejuízos na comunicação social e nos comportamentos restritos e repetitivos.
- Nível 1: Exigindo apoio.
- Nível 2: Exigindo apoio substancial.
- Nível 3: Exigindo apoio muito substancial.
–
- CIPTEA (Carteira de Identificação da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista): Documento oficial, previsto na Lei nº 13.977/20, que visa garantir a atenção integral, o pronto atendimento e a prioridade no acesso a serviços públicos e privados para pessoas com autismo.
– - PNE (Plano Nacional de Educação): Lei que determina diretrizes, metas e estratégias para a política educacional brasileira por um período de dez anos. O plano vigente está em fase de revisão no Congresso Nacional.
– - Confenapais (Confederação Nacional pela Liberdade e Cidadania): Organização da sociedade civil mencionada na entrevista, que atua na defesa de pautas conservadoras, incluindo críticas a políticas de saúde e educação.
– - APAE (Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais): Organização social sem fins lucrativos, presente em todo o Brasil, que promove a atenção integral à pessoa com deficiência, prioritariamente aquela com deficiência intelectual e múltipla.
– - Teoria da Mente: Habilidade cognitiva de atribuir estados mentais — crenças, intenções, desejos, emoções, conhecimento, etc. — a si mesmo e aos outros, e de entender que os outros têm crenças, desejos e intenções que são diferentes dos seus. Déficits nessa área são uma característica central do autismo.
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