18 – Adeline Watkins e Ilse Koch, a “Bruxa de Buchenwald” – Ed Gein
Adeline Watkins uma vizinha de meia-idade que vivia uma vida reclusa, se colocou no centro das atenções ao afirmar para a imprensa que mantivera um relacionamento amoroso de duas décadas com o assassino.

Adeline Watkins uma vizinha de meia-idade que vivia uma vida reclusa, se colocou no centro das atenções ao afirmar para a imprensa que mantivera um relacionamento amoroso de duas décadas com o assassino Ed Gein.
Com a estreia da série Monstro: A história de Ed Gein na NetFlix na última sexta-feira 03, Adeline Watkins passou a ser um dos nomes mais buscados no Google. É a primeira vez que seu nome é citado em um documentário sobre a vida do “Carniceiro de Plainfield”.
Gein foi inspiração para alguns dos maiores ícones do terror no cinema como Norman Bates em “Psicose”, Leatherface em “O Massacre da Serra Elétrica” e “O Silêncio dos Inocentes”.
As declarações de Adeline Watkins que foram publicadas em jornais de todo o país, pintavam um retrato de Gein que contrastava violentamente com a imagem do monstro que a polícia de Wisconsin havia revelado ao mundo.
Mas quem era Adeline Watkins? Uma amante iludida? Uma oportunista em busca de seus quinze minutos de fama, mesmo que à custa de uma tragédia? Ou alguém totalmente perturbada?
Adeline Watkins: Um Romance Inexistente
Logo após a prisão de Gein, que chocou a nação com a descoberta de corpos decapitados e artefatos feitos de pele e ossos humanos, Adeline Watkins concedeu uma entrevista ao Minneapolis Tribune. A história foi rapidamente espalhada por agências de notícias e publicada em jornais como o Wisconsin State Journal em 21 de novembro de 1957.
No artigo, com o título sensacionalista “Mulher de Plainfield Quase se Casou com Gein”, ela descreveu um homem “bom, gentil e doce”. Segundo Watkins, os dois compartilhavam um gosto por livros e frequentavam cinemas e tavernas.
Adeline Watkins também mencionou que discutia abertamente casos de assassinato com Gein analisando os erros cometidos pelos criminosos, um detalhe que mais tarde alimentaria especulações sobre a sua cumplicidade ou conhecimento prévio.
A alegação mais chocante, que chamou a imaginação do público, foi a de que Gein a pedira em casamento em 1955. “Não em tantas palavras, mas eu sabia o que ele queria dizer”, afirmou Adeline Watkins, numa frase que revela a ambiguidade que permearia todo o seu testemunho. Ela disse ter recusado a proposta, não por algum defeito nele, mas por uma autopercepção de inadequação, sentindo que não estaria “à altura do que ele esperava” dela.
Mesmo após a revelação dos crimes hediondos, ela teria declarado: “Eu o amava e ainda o amo”. A mãe de Adeline, com quem ela vivia, inicialmente apoiou a história, descrevendo Gein como um “homem doce e educado” que sempre respeitava o toque de recolher das 22h.
Contudo, a narrativa de Adeline Watkins começou a ruir poucas semanas depois. Em uma nova reportagem, publicada no Stevens Point Journal em 3 de dezembro de 1957, ela retratou drasticamente suas declarações anteriores. O novo artigo, intitulado “Mulher Declara que ‘Romance’ com Gein foi Exagerado”, mostrava uma Adeline que agora afirmava que a história original havia sido “inflada desproporcionalmente à sua importância e continha declarações falsas”.
Ela esclareceu que, embora conhecesse Gein há 20 anos, as interações mais próximas ocorreram apenas a partir de 1954 e duraram apenas sete meses, de forma intermitente. As idas ao cinema foram “algumas vezes”, e ela negou veementemente ter chamado Gein de “doce”.
Adeline Watkins garantiu que nunca havia entrado na casa de Gein, o epicentro de seus horrores. O próprio Ed Gein, que passou o resto de sua vida em instituições psiquiátricas, nunca mencionou publicamente qualquer relacionamento com Adeline Watkins.
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O Perfil Psicológico de Adeline Watkins
A súbita mudança no discurso de Adeline Watkins levanta questões sobre seu perfil psicológico. Por que ela inventaria, ou pelo menos exageraria, um relacionamento com um homem que se revelou um dos criminosos mais perturbadores da América? A verdade pode ser uma construção complexa, moldada por necessidades internas e pressões externas.
Uma possibilidade proeminente é a busca por atenção, possivelmente ligada a traços de personalidade histriônica. Este padrão de personalidade é caracterizado por uma necessidade excessiva de aprovação e um comportamento que busca ser o centro das atenções.
A prisão de Gein transformou a pequena e pacata cidade de Plainfield no epicentro de um furacão midiático. Para uma mulher que vivia uma vida aparentemente monótona e isolada com sua mãe, a oportunidade de se tornar uma personagem central nessa história pode ter sido irresistível. A narrativa do romance e do pedido de casamento a colocava em uma posição única, transformando-a de uma mera vizinha em uma figura trágica e romântica, a mulher que “quase se casou com um monstro”. Essa fantasia pode ter oferecido uma fuga da banalidade de sua existência.
Outra perspectiva é a da negação ou de uma forma de confabulação. A confabulação é um sintoma neuropsicológico em que uma pessoa produz memórias fabricadas para preencher lacunas na sua recordação, sem a intenção consciente de enganar. É possível que Adeline tivesse algum tipo de relacionamento platônico ou de amizade com Gein e, ao ser confrontada com a monstruosidade de seus atos, sua mente tenha criado uma narrativa alternativa para lidar com o choque cognitivo e emocional.
A idealização de Gein como um pretendente “doce e gentil” poderia ser um mecanismo de defesa para se distanciar da verdade de que ela tinha uma conexão com um assassino. A retratação posterior poderia ter ocorrido quando o peso da realidade se tornou insuportável, ou quando a pressão da comunidade e da própria polícia a forçou a confrontar os fatos, fazendo com que a fantasia desmoronasse.
A solidão também pode ter desempenhado um papel fundamental. Vivendo em uma pequena cidade, em um apartamento com a mãe, Adeline pode ter encontrado em Gein, um homem igualmente solitário e socialmente desajeitado, uma forma de companhia. A fantasia de um romance pode ter sido uma construção interna para preencher um vazio emocional, uma história que ela contava a si mesma e que, sob o escrutínio da mídia, acabou sendo externalizada. A intensidade da atenção da mídia pode ter validado essa fantasia, tornando-a “real” para ela por um breve período.
Ilse Koch, a “Bruxa de Buchenwald”
Ilse Koch, esposa de Karl-Otto Koch, comandante do campo de concentração de Buchenwald, tornou-se um dos símbolos mais notórios da crueldade nazista. Apelidada de “Bruxa de Buchenwald”, foi acusada de atos de sadismo perturbadores, incluindo a fabricação de objetos com pele humana tatuada.
No entanto, pesquisas históricas mais recentes, como as analisadas por Olivera Simic, revelam que muitas das alegações mais sensacionalistas, embora tenham alimentado a imaginação popular, carecem de comprovação factual. Objetos de pele humana foram de fato encontrados em Buchenwald, mas a sua conexão direta com Koch nunca foi provada em tribunal.
“Embora as alegações contra ela se baseassem em ‘um grau considerável de boatos e conjecturas’, sua credibilidade foi tão minada que ninguém conseguia acreditar que ela ‘não sabia de nada’ sobre o campo de concentração e o tratamento de seus prisioneiros.” – Olivera Simic, The Conversation
Julgamento | Ano | Veredito | Observações |
---|---|---|---|
Tribunal Militar Americano | 1947 | Prisão perpétua | Pena posteriormente comutada para 4 anos por falta de provas. |
Tribunal Alemão Ocidental | 1951 | Prisão perpétua | Permaneceu presa até seu suicídio em 1967. |
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A série Monstro – A História de Ed Gein utiliza a figura de Ilse Koch não como um fato histórico literal, mas como uma projeção fantasmagórica na mente de Ed Gein. A série sugere que o assassino de Wisconsin não era apenas um produto de sua própria psicopatologia, mas também um receptáculo para os ecos de uma crueldade histórica que permeava o imaginário coletivo do pós-guerra.
Ao conectar Gein a Koch, a narrativa transcende o gênero true crime para se tornar uma meditação sobre a genealogia da violência no século XX. O horror, sugere a série, nunca nasce no vácuo; ele reverbera através do tempo e do espaço, manifestando-se de formas inesperadas e aterrorizantes.
Ilse Koch, na série, é uma encarnação fantasmagórica na mente de Gein para explorar o horror real e o imaginado.
O Predador
Voltando para Adeline Watkins – para entender o contexto em que Watkins se insere, é preciso entender a mente de Ed Gein. Gein foi diagnosticado com esquizofrenia e considerado mentalmente incapaz de ser julgado por seus crimes. Seu caso mostra a interação entre doença mental grave e atos criminosos.
O perfil de Gein se alinha com muitas características observadas em assassinos em série desorganizados. Ele era um indivíduo isolado, dominado por uma mãe autoritária e fanática religiosa, cuja morte parece ter sido o gatilho para a escalada de seus comportamentos macabros.
A fixação em sua mãe, a ponto de tentar criar um “traje de mulher” com pele humana para “se tornar” ela, aponta para uma profunda perturbação psicótica, uma crise de identidade e uma incapacidade de lidar com a perda.
Nas últimas décadas, a neurociência tem estudado as relações biológicas que podem predispor um indivíduo a comportamentos violentos e antissociais. Estudos de neuroimagem funcional e estrutural revelaram diferenças significativas no cérebro de psicopatas e criminosos violentos.
Uma das áreas mais estudadas é a amígdala, uma estrutura no sistema límbico, crucial para o processamento de emoções, especialmente o medo. Em muitos indivíduos com altos níveis de psicopatia, a amígdala mostra uma reatividade reduzida.
Essa disfunção pode explicar a falta de medo, a tomada de riscos e, crucialmente, a incapacidade de reconhecer o medo nos outros, o que contribui para a falta de empatia. Um predador que não compreende o terror de sua presa tem menos barreiras internas para a violência.
Outra região cerebral fundamental é o córtex pré-frontal, especialmente a sua porção ventromedial e orbitofrontal. Esta área é o “CEO” do cérebro, responsável por funções executivas como planejamento, tomada de decisão, controle de impulsos e julgamento moral.
Em muitos criminosos violentos, o córtex pré-frontal apresenta menor volume de matéria cinzenta e menor atividade. Essa disfunção, muitas vezes referida como hipofrontalidade, pode levar a um comportamento impulsivo, desinibido e uma incapacidade de avaliar as consequências a longo prazo de suas ações.
A conexão entre o córtex pré-frontal e a amígdala também é vital; uma comunicação deficiente entre o centro de controle executivo e o centro emocional pode resultar em respostas emocionais mal reguladas e na falha em usar pistas emocionais para guiar o comportamento de forma socialmente apropriada.
Além disso, pesquisas apontam para o que é conhecido como o “cérebro social”, uma rede de regiões que inclui o sulco temporal superior, o giro fusiforme e a junção temporoparietal, que nos permite entender as intenções, crenças e emoções dos outros. Disfunções nesta rede podem levar a uma profunda incapacidade de se conectar social e emocionalmente, tratando os outros como meros objetos para satisfazer seus próprios impulsos, uma característica marcante de Ed Gein.
É importante salientar que a neurociência não oferece uma desculpa para o crime, nem sugere um determinismo biológico. Fatores ambientais, como abuso na infância, negligência e trauma – muitos dos quais presentes na história de Ed Gein – desempenham um papel crucial na forma como essas predisposições neurobiológicas se manifestam. A biologia pode carregar a arma, mas é a psicologia e o ambiente que puxam o gatilho.
Fascínio pelo Mal
A história de Adeline Watkins é estudo de caso sobre o fascínio pelo crime, e sobre a nossa própria relação com o macabro. Seja qual for a sua motivação – fama, negação ou solidão – Adeline Watkins virou apenas nota de rodapé na saga de Ed Gein.
Adeline Watkins, a mulher que diz que quase se casou com Ed Gein, permanece uma sombra e foi lembrada somente agora, anos depois, por causa da NetFlix.


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Referências
Neurobiologia do transtorno de personalidade anti-social – SciELO
Who Was Adeline Watkins? All About Ed Gein’s Alleged Girlfriend – Biography.com
The True Story of Adeline Watkins, Ed Gein’s Girlfriend in ‘Monster’ – Marie Claire
O COMPORTAMENTO DOS ASSASSINOS EM SÉRIE: IMPACTO NA SOCIEDADE – Revista Tópicos
Neurobiologia da Psicopatia: Emoções e Interações – PERITUM
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