Vida Real

20- Ted Bundy – Anatomia de um Predador

Entre a mente e o crime: o estudo de Ted Bundy revela como psicopatia, narcisismo e anomalias cerebrais moldam o comportamento violento

Ted Bundy – Na tapeçaria da história criminal norte-americana, poucas figuras se destacam com uma proeminência tão macabra e duradoura quanto Theodore Robert Bundy, ou como fiou conhecido, Ted Bundy. Para o público da década de 1970, uma era marcada por uma crescente sensação de desconfiança e o fim da inocência da contracultura, Bundy emergiu como a personificação de um novo tipo de medo.

Ele não era um monstro que se escondia nas sombras; pelo contrário, ele era o vizinho amigável, o estudante de direito politicamente engajado, o homem carismático e bem-apessoado que poderia, com um sorriso, desarmar qualquer suspeita. Por trás dessa fachada meticulosamente construída, no entanto, espreitava um dos mais sádicos e prolíficos predadores que o país já conheceu.

Entre 1974 e 1978, Bundy conduziu uma campanha de terror que se estendeu por pelo menos sete estados, deixando um rastro de vítimas que ele mesmo, em um raro momento de cooperação antes de sua morte, admitiu chegar a 30 mulheres. O número real, suspeitam os investigadores, pode ser assustadoramente maior.

Mais de três décadas após sua execução na cadeira elétrica na Prisão Estadual da Flórida, em 24 de janeiro de 1989, o nome de Bundy continua a ecoar na consciência coletiva. Ele se tornou mais do que um simples assassino; ele é um arquétipo, um estudo de caso que força a sociedade e a ciência a confrontarem questões fundamentais sobre a natureza do mal.

Como um indivíduo pode abrigar uma dualidade tão extrema, funcionando com aparente normalidade em sua vida cotidiana enquanto, em segredo, comete atos de brutalidade indescritível? A busca por respostas a essa pergunta transcende o fascínio mórbido por seus crimes, levando-nos aos domínios complexos da psicologia, da psiquiatria e, mais recentemente, da neurociência.

A intenção deste texto é explicar como surgem monstros como Ted Bundy, não perdoar. Para isso, examinaremos seu perfil psicológico, detalhando os diagnósticos de psicopatia e transtorno de personalidade antissocial, e exploraremos como o campo do perfilamento criminal (criminal profiling) foi crucial para conectar os pontos de sua carnificina e, finalmente, levar à sua captura.

Além disso, vamos nos aprofundar nas descobertas da neurociência forense, investigando como anomalias em estruturas cerebrais específicas – notadamente o córtex pré-frontal e a amígdala – podem fornecer uma base biológica para a sua chocante ausência de empatia, sua incapacidade de processar emoções e a frieza calculista que definiram sua existência.

Ao tecer essas diferentes linhas de análise, não estamos apenas revisitando a história de um assassino notório, mas também traçando a evolução do nosso entendimento sobre as raízes do comportamento violento, na esperança de que o conhecimento possa, em última análise, servir como uma forma de prevenir que outros, como Ted Bundy, apareçam.


A Máscara da Sanidade de Ted Bundy:
O Perfil Psicológico de um Predador

Para compreender a figura de Ted Bundy, é preciso ir além da simples rotulação de “monstro”. A análise de seu perfil psicológico revela uma estrutura de personalidade complexa, que permitiu que ele funcionasse em sociedade de maneira aparentemente normal, enquanto escondia um abismo de depravação.

Especialistas que o estudaram, como o psiquiatra Hervey Cleckley, considerado o pai dos estudos sobre psicopatia, não hesitaram em diagnosticá-lo como um psicopata clássico. Cleckley, que teve a oportunidade de avaliar Bundy durante seu julgamento, o descreveu como um exemplo perfeito do que ele chamou de “a máscara da sanidade” – uma fachada convincente de normalidade que oculta uma grave patologia.

A psicopatia, hoje mais formalmente diagnosticada como um dos espectros mais severos do Transtorno de Personalidade Antissocial (TPAS) segundo o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5), é caracterizada por um padrão invasivo de desrespeito e violação dos direitos dos outros. No caso de Bundy, essa violação era absoluta.

Ele não via suas vítimas como seres humanos, mas como objetos para a satisfação de suas fantasias sádicas. A ausência total de empatia é uma das pedras angulares da psicopatia, e Bundy exibia essa característica em um grau extremo. Ele era incapaz de sentir culpa ou remorso por seus atos, uma realidade que ele próprio admitiu em raras ocasiões, chegando a se autoproclamar, em um momento de assustadora clareza, como “o filho da mãe de coração mais frio que você já conheceu”.

Além da falta de empatia, o perfil de Bundy incluía um narcisismo grandioso. Ele se considerava superior aos outros, mais inteligente e mais astuto, o que alimentava sua crença de que poderia cometer crimes perfeitos e nunca ser pego. Essa arrogância foi evidente durante seus julgamentos, especialmente na Flórida, onde, tendo cursado um ano de direito, decidiu atuar como seu próprio advogado.

A sala do tribunal tornou-se seu palco, e ele se deleitava com a atenção da mídia, utilizando sua eloquência e carisma para manipular a percepção pública. Para muitos que assistiam, era difícil conciliar a imagem do homem articulado e bem-apessoado que se defendia com a brutalidade dos crimes dos quais era acusado. Essa dualidade é uma das marcas registradas dos psicopatas de alto funcionamento: eles são mestres da manipulação e do engano.

Thomas Wigler, professor do Departamento de Psicologia da Universidade de Kentucky, oferece uma perspectiva mais nuançada, argumentando que Bundy não se encaixava perfeitamente no protótipo do psicopata. Wigler aponta que Bundy era, em grande parte, emocionalmente estável, o que o diferencia de muitos criminosos violentos que são hipersensíveis a ameaças e reagem de forma impulsiva.

A agressividade de Bundy era premeditada, fria e calculista. Ele não matava em um acesso de raiva; ele caçava. Essa estabilidade emocional, combinada com sua alta inteligência, tornava-o um predador ainda mais perigoso. Ele planejava seus ataques meticulosamente, escolhendo locais, horários e tipos de vítimas que minimizassem as chances de ser identificado.

Ann Rule, uma biógrafa que conheceu e trabalhou com Bundy antes de saber de seus crimes, o descreveu como um “sociopata sádico que tirava prazer da dor de outros seres humanos e do controle que exercia sobre suas vítimas, ao ponto da morte, e até depois”. Essa descrição aponta para outro componente crucial de sua psicologia: o sadismo.

Para Bundy, a violência e o assassinato não eram apenas meios para um fim, mas a própria fonte de sua gratificação. O ato de dominar, aterrorizar e, finalmente, extinguir a vida de outra pessoa lhe conferia um sentimento de poder e onipotência que ele não conseguia obter de nenhuma outra forma. Seus atos de necrofilia e a prática de guardar partes dos corpos de suas vítimas como “lembranças” são manifestações extremas dessa necessidade de controle e posse, estendendo seu domínio sobre elas mesmo após a morte.


A Assinatura do Mal:
Perfilamento Criminal e a Caçada a Ted Bundy

O caso de Ted Bundy não foi apenas um marco na história dos crimes violentos, mas também um catalisador para o desenvolvimento de uma das mais importantes ferramentas da investigação criminal moderna: o perfilamento criminal, ou criminal profiling. Na década de 1970, quando Bundy estava no auge de sua atividade criminosa, a ideia de analisar a cena do crime para deduzir as características de personalidade do agressor ainda era uma disciplina incipiente, sendo desenvolvida nos porões do FBI por agentes como John Douglas e Robert Ressler.

O comportamento de Bundy, com sua consistência macabra e sua aparente aleatoriedade geográfica, apresentou um desafio sem precedentes para as forças policiais, que estavam acostumadas a procurar por motivos tradicionais como ganho financeiro ou vingança pessoal.

A ausência de um motivo claro e a falta de conexão entre Bundy e suas vítimas tornaram os métodos de investigação convencionais quase inúteis. Foi nesse vácuo que a Unidade de Ciência Comportamental do FBI começou a aplicar suas teorias.

Ao analisar os padrões nos desaparecimentos e assassinatos, os perfiladores começaram a construir um retrato do homem que estavam caçando. Eles concluíram que o assassino era provavelmente um homem branco, inteligente, bem-apessoado e carismático, alguém que poderia facilmente ganhar a confiança de jovens mulheres. Ele seria o que eles mais tarde classificariam como um “assassino em série organizado”.

Essa classificação se baseia na ideia de que a cena do crime reflete a personalidade do criminoso. Assassinos organizados, como Bundy, demonstram planejamento e controle. Eles geralmente têm inteligência acima da média, são socialmente competentes e muitas vezes têm empregos e relacionamentos estáveis. Seus crimes são premeditados.

Bundy exemplificou essa categoria à perfeição. Seu modus operandi era notavelmente consistente. Ele frequentemente usava um disfarce – uma tipóia, uma muleta, ou se passava por uma figura de autoridade, como um policial – para simular vulnerabilidade ou legitimidade, atraindo assim suas vítimas para uma armadilha.

Uma vez que a vítima estava sob seu controle, ele a subjugava com uma violência avassaladora, transportando-a para um local secundário onde o estupro e o assassinato ocorreriam. Essa abordagem metódica e a escolha de locais isolados para o descarte dos corpos demonstravam um alto grau de planejamento e um esforço consciente para evitar a detecção.

O perfil também se estendia à sua assinatura psicológica – os comportamentos que não eram necessários para a execução do crime, mas que satisfaziam uma necessidade emocional do assassino. No caso de Bundy, isso incluía os rituais pós-morte. Ele retornava às cenas dos crimes repetidamente, não apenas para reviver a experiência, mas para se envolver em atos de necrofilia.

Ele também decapitou pelo menos doze de suas vítimas, mantendo suas cabeças como troféus. Esses atos macabros não serviam a nenhum propósito prático para a evasão da captura; em vez disso, eles alimentavam sua fantasia de posse e controle total sobre suas vítimas, uma necessidade psicológica profunda que era a verdadeira força motriz por trás de seus crimes. A análise desses padrões permitiu que os investigadores conectassem casos em diferentes estados, percebendo que estavam lidando com um único predador itinerante, uma noção que era revolucionária na época.

O legado de Bundy no campo do perfilamento criminal é inegável. As entrevistas que ele concedeu a John Douglas e outros agentes do FBI enquanto estava no corredor da morte forneceram um material de estudo sem precedentes sobre a mente de um assassino em série. Ele falou abertamente sobre seus métodos, suas fantasias e suas motivações, oferecendo aos investigadores uma visão direta do funcionamento interno de um predador.

Essas conversas ajudaram a refinar as técnicas de perfilamento, solidificando a distinção entre assassinos organizados e desorganizados e aprofundando a compreensão da psicologia por trás da violência em série. O caso Bundy, em toda a sua tragédia, forçou a aplicação da lei a evoluir, a pensar como o caçador para poder antecipar seus movimentos e, finalmente, detê-lo.


O Cérebro do Predador

Por décadas, a explicação para o comportamento de Ted Bundy esteve confinada aos domínios da psicologia e da psiquiatria. Termos como “psicopata” e “sociopata” descreviam seus traços de personalidade, mas não explicavam a origem biológica de sua total falta de empatia e de sua crueldade calculista.

Com os avanços da neurociência e das tecnologias de imagem cerebral nas últimas décadas, uma nova fronteira de compreensão se abriu. Embora o cérebro de Bundy nunca tenha sido estudado com as ferramentas modernas que temos hoje, a pesquisa com outros indivíduos que exibem traços psicopáticos semelhantes oferece um vislumbre fascinante das anomalias neurológicas que provavelmente governavam sua mente.

Estudos recentes, utilizando ressonância magnética funcional (fMRI) e outras técnicas de neuroimagem, têm consistentemente identificado diferenças estruturais e funcionais nos cérebros de psicopatas em comparação com a população em geral.

Duas áreas cerebrais, em particular, emergem como centrais para a compreensão da psicopatia: o córtex pré-frontal, especialmente a sua porção ventromedial (vmPFC), e a amígdala. Essas regiões formam um circuito neural crucial para o processamento de emoções, a tomada de decisões morais e o controle dos impulsos – exatamente as funções que pareciam estar ausentes em Ted Bundy.

A amígdala, um par de pequenas estruturas em forma de amêndoa localizadas no fundo do cérebro, atua como o centro de processamento do medo e de outras emoções primárias. Em indivíduos saudáveis, a amígdala é ativada em resposta a sinais de perigo ou ao sofrimento de outra pessoa, gerando uma resposta empática.

Em psicopatas, no entanto, a amígdala mostra-se consistentemente menos ativa. Essa hipoatividade significa que eles não processam o medo da mesma forma que as outras pessoas. Isso explica não apenas a sua aparente coragem e a sua capacidade de assumir riscos extremos, mas também, e mais importante, a sua incapacidade de reconhecer o medo e a angústia em suas vítimas.

O sofrimento alheio simplesmente não ressoa em seu cérebro da mesma maneira. Para Bundy, o pânico de uma vítima não era um sinal para parar, mas talvez apenas um feedback neutro, desprovido do peso emocional que paralisaria uma pessoa neurotípica.

Se a amígdala é o centro da emoção, o córtex pré-frontal ventromedial (vmPFC) é o CEO, responsável por integrar esses sinais emocionais na tomada de decisões complexas, especialmente em contextos sociais e morais. O vmPFC nos ajuda a avaliar as consequências de nossas ações, a sentir culpa e remorso, e a inibir comportamentos inadequados.

Pesquisas mostram que psicopatas, incluindo assassinos, apresentam uma redução significativa no volume de massa cinzenta nesta região. Além disso, a comunicação entre o vmPFC e a amígdala é fraca e disfuncional. Essa desconexão é talvez a chave neurológica para a “máscara da sanidade” de Cleckley.

Bundy podia saber intelectualmente que seus atos eram errados – ele era inteligente o suficiente para entender as regras da sociedade –, mas essa informação era desprovida do peso emocional que a tornaria significativa. Era como ler a partitura de uma música sem conseguir ouvir a melodia. A conexão entre o conceito de “errado” e o sentimento de “culpa” estava, em essência, rompida.

Um estudo publicado na revista Brain Imaging and Behavior analisou os cérebros de mais de 800 detentos e descobriu que aqueles que cometeram homicídio exibiam uma redução notável de massa cinzenta em áreas críticas para a cognição social e o controle comportamental, incluindo o córtex orbitofrontal (uma parte do córtex pré-frontal), os polos temporais e a ínsula.

Essas regiões estão profundamente envolvidas na teoria da mente (a capacidade de inferir os estados mentais de outros) e na empatia. A incapacidade de Bundy de considerar suas vítimas como seres humanos com pensamentos, sentimentos e futuros próprios pode ser um reflexo direto desses déficits estruturais. Para seu cérebro, elas eram meros objetos, instrumentos para a realização de suas fantasias violentas. Essa perspectiva neurocientífica não absolve Bundy de sua responsabilidade, mas oferece uma explicação biológica para sua aparente desumanidade. Ele não era apenas uma pessoa má; ele era um indivíduo com um cérebro que era, em aspectos fundamentais, diferente do nosso, um cérebro que o impedia de se conectar com a humanidade dos outros.


O Legado Sombrio

A história de Ted Bundy é um conto de advertência que ressoa através das décadas, um lembrete arrepiante da capacidade humana para a crueldade e o engano. Sua vida e seus crimes forçaram a sociedade a confrontar a desconfortável verdade de que o mal nem sempre se apresenta com uma face monstruosa; às vezes, ele usa um sorriso encantador e uma conversa inteligente.

Bundy desmantelou o estereótipo do criminoso socialmente desajustado, provando que os predadores mais perigosos podem ser aqueles que caminham entre nós, indistinguíveis da multidão.

O legado de seu caso é vasto e impactou múltiplos campos. Para a aplicação da lei, a caçada a Bundy foi uma lição brutal sobre a necessidade de colaboração interestadual e o poder do perfilamento comportamental. Ele foi um dos primeiros casos a demonstrar a eficácia da análise de padrões para capturar assassinos em série que cruzam fronteiras, uma metodologia que desde então se tornou padrão no FBI e em agências policiais em todo o mundo.

As horas de entrevistas que ele concedeu no corredor da morte, embora manipuladoras, forneceram um material inestimável que ajudou a construir a base do conhecimento sobre a psicologia dos assassinos em série.

No campo da psicologia, Bundy permanece como um dos estudos de caso mais examinados sobre psicopatia e transtorno de personalidade antissocial. Ele personificou a “máscara da sanidade” de Cleckley, desafiando os profissionais de saúde mental a refinar seus critérios de diagnóstico e a entender melhor a dinâmica do narcisismo, da falta de empatia e do sadismo.

Ele nos ensinou que a inteligência e o charme podem ser armas tão letais quanto uma faca ou uma corda, ferramentas usadas para desarmar e manipular tanto as vítimas quanto a sociedade em geral.

Mais recentemente, a perspectiva da neurociência adicionou uma camada final de complexidade à sua história. As evidências de que os cérebros de psicopatas são estrutural e funcionalmente diferentes dos cérebros neurotípicos oferecem uma base biológica para o que antes era visto apenas como uma falha moral ou de caráter.

A desconexão entre o córtex pré-frontal e a amígdala fornece um modelo neural convincente para a incapacidade de Bundy de sentir empatia ou remorso. Isso não o desculpa, mas explica. Compreender que a capacidade para o mal pode ter raízes na própria fiação do cérebro é uma ideia profunda e perturbadora, que nos obriga a repensar nossas noções de livre-arbítrio e responsabilidade.

No final, a análise da vida de Ted Bundy é um exercício de integração. Nenhuma disciplina sozinha pode capturar a totalidade de sua figura. Ele era o produto de uma interação complexa entre sua constituição psicológica, suas anomalias neurológicas e, possivelmente, fatores ambientais de sua infância que ainda são debatidos.

Estudar Bundy não é glorificar suas ações, mas sim buscar o conhecimento nas profundezas da escuridão. É um esforço para entender os mecanismos da predação humana, para que possamos, como sociedade, estar mais bem equipados para reconhecer os sinais, proteger os vulneráveis e, talvez, um dia, intervir antes que a tragédia se repita.


Da Infância Aos Crimes

A gênese de um assassino em série raramente é um evento singular, mas sim um processo gradual de desenvolvimento. A vida pregressa de Theodore Robert Cowell, nascido em 24 de novembro de 1946, em Burlington, Vermont, oferece pistas, ainda que contestadas, sobre a formação de sua personalidade.

Sua mãe, Eleanor Louise Cowell, era solteira, um estigma social significativo na época. Para evitar o escândalo, seus avós maternos, Samuel e Eleanor Cowell, decidiram criá-lo como se fosse seu filho, e sua mãe assumiu o papel de irmã mais velha. Bundy cresceu com essa mentira, descobrindo a verdade sobre sua filiação apenas na adolescência, um evento que muitos biógrafos apontam como uma fonte de ressentimento e confusão de identidade.

Relatos sobre sua infância são conflitantes. Enquanto alguns o descrevem como uma criança tímida e introvertida, outros, incluindo sua própria tia, relataram incidentes perturbadores, como o de acordar e encontrar o jovem Bundy ao lado de sua cama, sorrindo, com facas de cozinha ao seu redor. Embora a veracidade desses relatos seja difícil de confirmar, eles pintam um quadro de uma psique em formação já marcada por impulsos sombrios.

Os primeiros crimes confirmados de Bundy começaram em 1974, mas ele mais tarde confessaria a investigadores que sua atividade violenta começou muito antes. A onda de assassinatos que o tornaria infame teve início no estado de Washington e em Oregon. As vítimas eram quase sempre jovens universitárias, brancas, com cabelos longos e escuros repartidos ao meio.

Uma por uma, elas começaram a desaparecer. Lynda Ann Healy, Donna Gail Manson, Susan Elaine Rancourt, Roberta Kathleen Parks, Brenda Carol Ball, Georgann Hawkins. Os nomes se acumulavam, e a polícia local se via perplexa. Não havia sinais de luta, nem testemunhas, apenas carros abandonados e quartos vazios. A única pista recorrente era o vago relato de um homem bonito e carismático, às vezes com um braço na tipóia ou uma perna engessada, pedindo ajuda para carregar livros ou consertar seu Volkswagen Fusca bege.

No outono de 1974, Bundy mudou-se para Salt Lake City para cursar direito na Universidade de Utah, e a onda de desaparecimentos o seguiu. Mulheres jovens em Utah e no vizinho Colorado começaram a desaparecer sob circunstâncias terrivelmente semelhantes. Melissa Smith, Laura Aimee, Debra Kent. A geografia mudava, mas a assinatura era a mesma.

Foi em Utah, em agosto de 1975, que a sorte de Bundy começou a virar. Ele foi parado por um policial por dirigir de forma suspeita em uma área residencial tarde da noite. Uma busca em seu carro revelou um kit que parecia saído de um filme de terror: uma máscara de esqui, algemas, um pé de cabra e outros itens incriminadores. Embora a polícia não pudesse ligá-lo diretamente aos assassinatos, ele se tornou o principal suspeito.

A prisão crucial veio quando Carol DaRonch, uma das poucas mulheres que conseguiram escapar de suas garras, o identificou em uma fila de suspeitos como o homem que se passou por policial e tentou sequestrá-la. Em 1976, Bundy foi condenado por sequestro e sentenciado a uma pena de 1 a 15 anos de prisão.

No entanto, a prisão não seria o fim da história. Enquanto cumpria sua sentença em Utah, as autoridades do Colorado o acusaram do assassinato de Caryn Campbell. Extraditado para Aspen, Colorado, para ser julgado, Bundy, atuando como seu próprio advogado, teve acesso à biblioteca de direito do tribunal. Em junho de 1977, durante um recesso, ele aproveitou a falta de segurança, pulou de uma janela do segundo andar e escapou. Sua primeira fuga durou apenas seis dias. Mas, em dezembro do mesmo ano, ele conseguiu uma segunda fuga, muito mais elaborada, serrando uma abertura no teto de sua cela e rastejando pelo sistema de ventilação. Desta vez, ele não seria recapturado tão facilmente.

Livre novamente, Bundy viajou para o leste, chegando a Tallahassee, Flórida, no início de 1978. Foi lá que sua violência atingiu um novo pico de frenesi e brutalidade. Na noite de 15 de janeiro de 1978, ele invadiu a casa da fraternidade Chi Omega na Universidade Estadual da Flórida. Em um ataque selvagem que durou menos de 15 minutes, ele agrediu quatro mulheres, matando duas delas, Lisa Levy e Margaret Bowman. Menos de um mês depois, ele sequestrou e assassinou sua vítima mais jovem, Kimberly Leach, de 12 anos. A caçada finalmente terminou em 15 de fevereiro de 1978, quando um policial de Pensacola o prendeu dirigindo um carro roubado.

Desta vez, não haveria mais fugas. O julgamento na Flórida foi um espetáculo midiático, o primeiro a ser televisionado nacionalmente. Com seu carisma e arrogância em plena exibição, Bundy tentou, mais uma vez, manipular o sistema. Mas as evidências, incluindo uma marca de mordida deixada no corpo de Lisa Levy que correspondia à sua arcada dentária, eram irrefutáveis. Ele foi condenado à morte e, após anos de apelações, sua sentença foi cumprida, encerrando um dos capítulos mais aterrorizantes da história criminal americana.


Referências

Wikipédia. Ted Bundy. Acessado em https://pt.wikipedia.org/wiki/Ted_Bundy

GQ México. (2020, 6 de abril). Ted Bundy: la historia que no conocías (y la psicología) del famoso asesino. Acessado em https://www.gq.com.mx/entretenimiento/articulo/ted-bundy-quien-es-historia-real-y-perfil-psicologico-del-asesino-en-serie

O Globo. (2015, 28 de janeiro). Estudo encontra anomalias no cérebro de psicopatas e conclui que eles não entendem punições. Acessado em https://oglobo.globo.com/saude/estudo-encontra-anomalias-no-cerebro-de-psicopatas-conclui-que-eles-nao-entendem-punicoes-15168940

Hirschtritt, M. E., Carroll, J. D., & Ross, D. A. (2018). Using Neuroscience to Make Sense of Psychopathy. Biological Psychiatry, 84(9), e61–e63. Acessado em https://pmc.ncbi.nlm.nih.gov/articles/PMC6698892/

Sajous-Turner, A., Anderson, N. E., Widdows, M., et al. (2019). Aberrant brain gray matter in murderers. Brain Imaging and Behavior, 14(5), 2050–2061. Acessado em https://pmc.ncbi.nlm.nih.gov/articles/PMC6942640/

BBC News Brasil. (2019, 13 de fevereiro). Ted Bundy: quem foi o assassino em série que ainda intriga os EUA e virou tema de filme e série da Netflix. Acessado em https://www.bbc.com/portuguese/geral-47220321

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