22- Andrei Chikatilo – Açougueiro de Rostov
Andrei Chikatilo, o Açougueiro de Rostov, mostra como uma vida de privação, violência e problemas sexuais formam monstros que marcam a história
Andrei Chikatilo – Na União Soviética, durante as décadas de 1970 e 1980, um espectro de terror assombrou a região de Rostov-on-Don. Crianças e mulheres desapareciam sem deixar vestígios e seus corpos eram encontrados abandonados em florestas e campos, marcados por uma violência indescritível. O responsável, um homem que mais tarde seria conhecido como o “Açougueiro de Rostov”, era Andrei Romanovich Chikatilo.
Por mais de uma década, ele aterrorizou a nação, cometendo pelo menos 52 assassinatos confirmados que revelaram não apenas a brutalidade de um indivíduo, mas também as fissuras de um sistema político que se recusava a admitir a existência de tal mal em seu meio. Se recusar a admitir, não significa que não aconteça… Acompanhe a história de Chikatilo, o serial killer que aterrorizou a União Soviética
Uma Vida de Miséria e Humilhação
Para compreender a mente de Andrei Chikatilo, é fundamental conhecer as circunstâncias de sua formação. Nascido em 16 de outubro de 1936, na aldeia de Yabluchne, na Ucrânia, Chikatilo veio ao mundo em um período de extrema adversidade. A Ucrânia ainda se recuperava da Grande Fome de 1932-1933, um evento catastrófico induzido pelas políticas de coletivização forçada de Joseph Stalin, que resultou em milhões de mortes e em relatos generalizados de canibalismo para sobrevivência.
A infância de Chikatilo foi marcada por essa herança de privação. Sua família vivia em uma cabana de um cômodo, e a comida era uma preocupação constante. Ele mesmo afirmaria mais tarde que só comeu pão pela primeira vez aos 12 anos, subsistindo com frequência de grama e folhas.
Um elemento crucial e perturbador de sua infância foi a história, contada repetidamente por sua mãe, de que ele tivera um irmão mais velho, Stepan, que fora sequestrado e canibalizado por vizinhos famintos antes de seu nascimento. Embora a veracidade dessa história nunca tenha sido confirmada — e a própria existência de Stepan seja duvidosa — sua repetição constante na mente de uma criança pequena plantou sementes de horror e uma associação precoce entre violência e sobrevivência. Essa história pode ter influenciado os atos de canibalismo que ele cometeria com algumas de suas vítimas décadas depois.
O ambiente familiar era igualmente disfuncional. Com seu pai, Roman, convocado para o Exército Vermelho durante a Segunda Guerra Mundial e posteriormente capturado, Chikatilo foi criado principalmente por sua mãe, Anna. Ele era um enurético crônico, e cada incidente de urinar na cama era recebido com espancamentos e humilhações severas.
A ausência do pai e a dureza da mãe criaram um ambiente desprovido de segurança e afeto. A situação piorou com o nascimento de sua irmã, Tatyana, em 1943, concebida enquanto seu pai estava na guerra, levantando a especulação de que sua mãe teria sido vítima de estupro por soldados alemães, um evento que Chikatilo pode ter testemunhado.
Na escola, Chikatilo era um estudo de contrastes. Fisicamente fraco, míope e frequentemente vestido com roupas remendadas, ele era um alvo fácil para o bullying. No entanto, era um aluno empenhado e estudioso, encontrando nos livros um refúgio e uma forma de compensar suas inseguranças. Tornou-se um comunista devoto e um líder estudantil, mas sua vida interior era um turbilhão. A puberdade trouxe consigo a descoberta de uma impotência crônica, aprofundando seu sentimento de inadequação e ódio por si mesmo. Tímido e desajeitado com as mulheres, suas primeiras tentativas de intimidade resultaram em fracasso e humilhação pública, forçando-o a fugir de sua cidade natal.
Sua vida adulta seguiu um padrão de aparente normalidade que escondia suas perturbações. Ele se casou, teve dois filhos e construiu uma carreira como professor de língua e literatura russa. No entanto, mesmo nessa fachada de respeitabilidade, as fissuras eram visíveis. Como professor, era ineficaz, incapaz de manter a disciplina e frequentemente ridicularizado por seus alunos. Mais alarmante, ele foi acusado de molestar estudantes em várias ocasiões, incidentes que foram em grande parte ignorados, mas que o forçaram a mudar de emprego repetidamente. Essa vida dupla — o homem de família e educador durante o dia, e o predador sexual frustrado em segredo — estabeleceu a sequencia de violência que viria.
Uma Carreira de Violência
O primeiro assassinato de Andrei Chikatilo ocorreu em 22 de dezembro de 1978. A vítima foi Yelena Zakotnova, uma menina de 9 anos. Chikatilo a atraiu para uma cabana abandonada, onde tentou estuprá-la. Incapaz de obter uma ereção, sua frustração explodiu em uma fúria homicida. Ele a esfaqueou repetidamente, e a intensidade da violência lhe proporcionou a liberação sexual que ele não conseguia alcançar através do ato sexual convencional. Este primeiro crime estabeleceu um padrão macabro que se repetiria por mais de uma década.
O modus operandi de Chikatilo era consistente. Ele frequentava estações de trem e pontos de ônibus, locais repletos de pessoas vulneráveis e transitórias. Jovens fugindo de lares problemáticos, estudantes tentando voltar para casa ou trabalhadores procurando transporte eram presas fáceis. Com sua aparência de um homem comum, um avô inofensivo carregando uma pasta, ele não levantava suspeitas. Ele se aproximava de suas vítimas com ofertas de ajuda, dinheiro, bebida ou um lugar para ficar. Uma vez que ganhava sua confiança, ele as levava para áreas isoladas, tipicamente florestas perto das linhas de trem, onde a violência se desenrolava.
Os crimes eram caracterizados por uma brutalidade extrema. As vítimas eram esfaqueadas dezenas, às vezes centenas de vezes. As mutilações eram extensas e grotescas, focadas principalmente nos órgãos sexuais, seios e abdômen. Em muitos casos, os olhos das vítimas eram arrancados, um ato que os psiquiatras mais tarde interpretariam como uma tentativa de apagar o julgamento que ele via em seus olhares. A faca tornou-se uma extensão de si mesmo, um substituto fálico através do qual ele podia exercer poder e alcançar uma forma distorcida de gratificação sexual. O ato de matar e mutilar era, para Chikatilo, o próprio ato sexual.
Entre 1978 e 1990, ele continuou sua matança em série, com períodos de inatividade que confundiam os investigadores. Ele matou na Rússia, na Ucrânia e no Uzbequistão, explorando a vasta rede ferroviária soviética para encontrar novas vítimas e descartar seus corpos longe de sua casa em Rostov. A diversidade de vítimas — meninos, meninas e mulheres jovens — e a ampla área geográfica de seus crimes tornaram a tarefa de conectar os assassinatos extraordinariamente difícil para as autoridades.
A Caçada e o Perfil: A Luta Contra um Fantasma
A investigação para capturar o assassino que aterrorizava Rostov foi uma das mais longas e frustrantes da história criminal soviética. As autoridades enfrentaram obstáculos sistêmicos e ideológicos. Oficialmente, a União Soviética era uma sociedade comunista utópica onde crimes como o assassinato em série — considerados um produto da decadência capitalista — não existiam. Essa negação ideológica impediu que a polícia emitisse avisos públicos, o que poderia ter salvado vidas. A falta de computadores, de técnicas de análise de DNA e de comunicação centralizada entre as diferentes jurisdições soviéticas também dificultou enormemente a investigação.
Em 1984, Chikatilo foi preso em uma estação de trem por molestar uma mulher. Em sua pasta, a polícia encontrou uma faca e uma corda. Ele era um suspeito perfeito. No entanto, um erro de laboratório mudaria o curso da história. Amostras de sêmen encontradas em algumas vítimas pertenciam a um indivíduo com sangue tipo AB, enquanto o teste de Chikatilo indicou que ele tinha sangue tipo A. Com base nessa discrepância, ele foi liberado. O que os cientistas não sabiam na época era que Chikatilo possuía uma condição rara em que seu tipo de sangue diferia entre o sangue e outras secreções corporais. Esse erro permitiu que ele continuasse a matar por mais seis anos.
À medida que o número de corpos aumentava, a pressão sobre as autoridades tornou-se insuportável. Em desespero, eles trouxeram o psiquiatra Dr. Aleksandr Bukhanovsky para criar um perfil psicológico do assassino, uma técnica então incipiente na União Soviética. O perfil de Bukhanovsky, baseado puramente nas evidências da cena do crime, foi extraordinariamente preciso.
Bukhanovsky descreveu o assassino como um homem entre 45 e 50 anos, com uma infância traumática, provavelmente casado e com filhos, mas sofrendo de disfunção sexual e impotência. Ele teorizou que o assassino só conseguia atingir a excitação sexual através do sofrimento de suas vítimas, com a faca servindo como um substituto para seu pênis. O perfil também sugeria que o trabalho do assassino exigia viagens frequentes, explicando por que os crimes ocorriam em dias de semana e em locais próximos a centros de transporte. Esse perfil, conhecido como “Operação Leopol“, circulou entre os investigadores e se tornou uma ferramenta vital na caçada.
Finalmente, em novembro de 1990, a sorte de Chikatilo acabou. Ele foi visto saindo de uma área florestal perto de uma estação de trem e abordado por um policial. Sua aparência nervosa e o sangue em seu rosto levantaram suspeitas. Ele foi detido e, desta vez, a investigação foi mais completa. Sob o interrogatório do próprio Dr. Bukhanovsky, que estabeleceu uma conexão com o assassino ao discutir suas teorias psiquiátricas, Chikatilo finalmente começou a confessar. Ele detalhou 56 assassinatos, levando a polícia a cenas de crimes e restos mortais que nunca haviam sido encontrados. Sua confissão selou seu destino. Ele foi condenado por 52 assassinatos e executado com um tiro na nuca em fevereiro de 1994.
Dentro do Cérebro do Assassino
Enquanto a psicologia e a psiquiatria forneceram as primeiras ferramentas para analisar a mente de Chikatilo, a neurociência moderna oferece as bases biológicas de seu comportamento. Embora não seja possível realizar exames cerebrais em Chikatilo hoje, décadas de pesquisa sobre psicopatia revelaram padrões consistentes de disfunção em áreas específicas do cérebro, que se alinham assustadoramente com seu perfil comportamental.
O epicentro da disfunção psicopática parece ser a amígdala, uma pequena estrutura em forma de amêndoa localizada no fundo do cérebro, que atua como o centro de processamento do medo e das emoções. Estudos de neuroimagem consistentemente mostram que em indivíduos com altos traços psicopáticos, a amígdala é menor em tamanho e significativamente menos ativa, especialmente em resposta a estímulos que normalmente provocariam medo ou angústia, como imagens de rostos assustados ou cenas de violência. Isso cria o que é essencialmente um cérebro “sem medo”.
Para Chikatilo, essa disfunção significaria uma incapacidade inata de sentir empatia, remorso ou o medo das consequências de seus atos. A angústia de suas vítimas não registrava em seu cérebro como um sinal para parar; pelo contrário, na ausência de uma resposta empática normal, ele era livre para interpretar o sofrimento alheio como uma fonte de excitação.
Outra área crucial é o córtex pré-frontal, especificamente a região orbitofrontal, localizada logo atrás dos olhos. Esta área é responsável por funções executivas superiores, como controle de impulsos, tomada de decisões morais e regulação do comportamento social.
O famoso caso de Phineas Gage, um trabalhador ferroviário do século XIX que sofreu uma mudança drástica de personalidade após uma barra de ferro atravessar seu córtex pré-frontal, foi a primeira demonstração de como danos a essa área podem levar a um comportamento impulsivo e socialmente inadequado.
Em psicopatas, os pesquisadores observaram uma conectividade reduzida entre o córtex pré-frontal e a amígdala. Essa “desconexão” significa que as informações emocionais processadas (ou mal processadas) pela amígdala não informam adequadamente a tomada de decisões no córtex pré-frontal. O resultado é um indivíduo que, como Chikatilo, pode ser impulsivo, irresponsável e incapaz de aprender com a punição, mesmo que intelectualmente compreenda o certo e o errado.
Essa interação complexa entre biologia e ambiente é fundamental. Chikatilo não nasceu um monstro. Ele provavelmente nasceu com uma predisposição genética para a disfunção da amígdala e do córtex pré-frontal. No entanto, foi o ambiente tóxico de sua infância — a fome, a violência, a humilhação e o abuso — que ativou e moldou essa predisposição.
Uma criança com um cérebro que não processa o medo normalmente, quando submetida a traumas constantes, não desenvolve os mecanismos de enfrentamento saudáveis. Em vez disso, a violência e a crueldade se tornam respostas aprendidas. A combinação de uma base neurológica defeituosa e uma vida inteira de trauma psicológico criou a tempestade perfeita que resultou em Andrei Chikatilo.
Perfilamento Criminal
Do ponto de vista do perfilamento criminal, Chikatilo é um caso de estudo fascinante porque ele desafia a dicotomia clássica de assassinos “organizados” e “desorganizados” desenvolvida pelo FBI. Ele exibia traços de ambos, tornando seu padrão difícil de decifrar.
Traços Organizados:
- Planejamento e Astúcia: Chikatilo era metódico em sua abordagem. Ele escolhia suas vítimas e locais de caça com cuidado, usando seu conhecimento do sistema de transporte para maximizar suas oportunidades e minimizar o risco. Ele era paciente, esperando pela vítima perfeita.
– - Manutenção de uma Fachada: Ele mantinha uma vida aparentemente normal como marido, pai e trabalhador, o que lhe permitia se misturar e evitar suspeitas por anos.
– - Controle sobre a Vítima: Ele era habilidoso em ganhar a confiança de suas vítimas, usando manipulação e engano para levá-las a locais isolados.
Traços Desorganizados:
- Frenesi na Cena do Crime: Uma vez que a agressão começava, qualquer aparência de controle se desintegrava. A violência era caótica, excessiva e frenética, indicando uma liberação explosiva de raiva e frustração, em vez de um ato ritualístico e controlado.
– - Deixar Evidências: Apesar de sua astúcia em atrair as vítimas, ele frequentemente deixava evidências cruciais, como sêmen e os próprios corpos, embora muitas vezes em locais onde demoravam a ser encontrados.
– - Motivação Sexual Impulsiva: Seus crimes eram impulsionados por uma necessidade sexual imediata e descontrolada, em vez de uma fantasia elaborada e ensaiada.
Essa natureza híbrida fez dele um predador particularmente perigoso. Sua capacidade de parecer normal e planejar seus encontros (organizado) o tornava eficaz em capturar vítimas, enquanto a fúria explosiva de seus ataques (desorganizado) falava de uma psicopatologia profunda e caótica. O perfil de Bukhanovsky foi tão bem-sucedido precisamente porque capturou essa dualidade: o homem comum que viajava a trabalho, mas que era internamente um sádico impulsionado por uma disfunção sexual profunda.
O Legado do Açougueiro de Rostov
Andrei Chikatilo não foi apenas um assassino em série; ele foi um fenômeno que expôs as vulnerabilidades de uma superpotência e forçou a criminologia e a psiquiatria a confrontarem a depravação humana. Sua história é um alerta que a aparência de normalidade pode esconder os impulsos mais terríveis. Ele era um produto de seu tempo, da sua criação e de sua biologia, uma confluência de trauma social e disfunção neurológica que deu origem a uma violência quase inimaginável.
Referências
FBI. “Serial Killers, Part 2: The Birth of Behavioral Analysis in the FBI.” Acessado em 26 de outubro de 2025. https://www.fbi.gov/news/stories/serial-killers-part-2-the-birth-of-behavioral-analysis-in-the-fbi
Wikipedia. “Andrei Chikatilo.” Acessado em 26 de outubro de 2025. https://en.wikipedia.org/wiki/Andrei_Chikatilo
Encyclopædia Britannica. “Andrei Chikatilo.” Acessado em 26 de outubro de 2025. https://www.britannica.com/biography/Andrei-Romanovich-Chikatilo
BBC News Brasil. “Psicopata: como funciona o cérebro de quem tem o transtorno?” Acessado em 26 de outubro de 2025. https://www.bbc.com/portuguese/articles/c2ekjz49v9yo
G1. “Como é o cérebro de um psicopata?” Acessado em 26 de outubro de 2025. https://g1.globo.com/saude/saude-mental/noticia/2024/10/23/como-e-o-cerebro-de-um-psicopata.ghtml
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