29 – Avaliação Diagnóstica no Perfilamento Criminal
Avaliação Diagnóstica - Entenda a avaliação diagnóstica no profiling: princípios, limites, exemplos, integração com métodos atuais e como escrever parecer útil para a investigação

Avaliação Diagnóstica no Perfilamento Criminal – Antes de existirem escalas estatísticas, geoprofile, bancos massivos de casos e matrizes de conduta, o perfil criminal era, em grande medida, um exercício clínico: psiquiatras e psicólogos forenses reuniam experiência de consultório, leitura de cena e intuição treinada para sugerir quem poderia estar por trás de um crime.
Esse caminho ficou conhecido, de modo amplo, como avaliação diagnóstica aplicada à investigação. Não se trata de uma escola “formal” do profiling, mas de um modo de trabalho histórico, baseado em premissas clínicas, que deixou marcas profundas na criminologia aplicada — a ponto de ainda ser solicitado em casos complexos.
O Que é a Avaliação Diagnóstica
No Contexto do Profiling
Chama-se de avaliação diagnóstica o uso de pressupostos clínicos (psicopatologia, personalidade, dinâmica de vínculos, desenvolvimento, defesas do ego, padrões de adaptação) para interpretar vestígios e condutas observados numa investigação e, a partir daí, inferir traços prováveis do autor.
Ela atende três fontes:
- Formação em saúde mental (psicologia/psiquiatria), com ênfase em psicopatologia e avaliação de personalidade.
- Prática forense (entrevistas, leitura de prontuários, contato com autos), que fornece sinais sobre funcionamento, controle de impulsos, capacidade de planejamento e padrões interacionais.
- Leitura da cena com lente clínica, procurando coerência entre o que foi feito, como foi feito e o que isso expressa sobre o autor, especialmente quando há assinatura (um padrão que atende a necessidades psicológicas, para além do “como fazer”).
Ao contrário de métodos contemporâneos mais estruturados, não há um algoritmo. O produto costuma ser um parecer narrativo, combinando porquês e hipóteses clínicas com a cronologia investigativa. Essa natureza idiossincrática é, ao mesmo tempo, seu charme e seu perigo.
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Por Que Essa Abordagem Marcou a História
Quando se pensa em “perfil psicológico” ligado a casos famosos, o imaginário remete a pareceres produzidos muito antes de as metodologias atuais serem consolidadas. Jack, o Estripador, por exemplo, foi alvo de leituras que hoje chamaríamos de psicoclínicas: analisava-se a ferocidade dirigida a órgãos específicos, o risco assumido nas ruas de Whitechapel, a aparente frieza para escapar, tentando extrair traços de personalidade e hipóteses de funcionamento mental do autor.
Não havia matriz estatística nem validação cruzada; havia gente experiente lendo gente a partir de sinais indiretos.
Mesmo hoje, promotores, delegados e defensores ainda pedem a peritos e consultores uma “foto clínica” do provável autor quando a investigação emperra ou quando o padrão parece sugerir um perfil psicopatológico marcante (por exemplo, nos casos em que a forma de agir parece ir além do “resultado pragmático” e mergulha em rituais, humilhações específicas, encenações ou mensagens deixadas).
Nesses cenários, a clínica oferece linguagem para organizar a bagunça e formular perguntas úteis: o comportamento aparenta planejamento? Expressa descontrole? Denota hostilidade direcionada a um tipo de pessoa? Carrega vergonha que tenta ser apagada com encobrimento? Há fantasias de poder que procuram reencenação?
O valor está em abrir trilhas e nomear fenômenos que, sem o olhar clínico, passam como “detalhes”. O risco, como veremos, está em tomar esses nomes por fatos.
Psicólogo Clínico x Consultor Investigativo
Há um erro frequente quando profissionais de saúde mental entram em casos criminais: levar o consultório para a investigação. No perfilamento, o papel é consultivo, não terapêutico. O objetivo não é tratar ninguém, nem atribuir diagnósticos formais a um suspeito ausente. O objetivo é orientar a investigação com hipóteses parcimoniosas, baseadas no que há. Isso implica:
- Abster-se de rótulos fechados (“psicopata”, “narcisista”, “borderline”) sem contato direto, avaliação padronizada e contexto clínico.
- Evitar juízos morais e explicações totalizantes (“fez porque é X”).
- Distinguir o que é explicação clínica (pode fazer sentido na cabeça do perito) do que é evidência (precisa aparecer na cena, no laudo, na contraprova).
- Escrever para a investigação, não para a academia, com foco no que orienta diligências, prioriza buscas e gera refutação.
A regra de ouro: o relatório precisa poder ser desmentido por um novo dado. Se não pode, virou opinião.
As Três Regras de Trabalho Que
Ajudam a Avaliação Diagnóstica
Mesmo sem ser uma escola formal, a prática acumulou três princípios que funcionam como trilhos. Eles são simples de enunciar e difíceis de seguir sob pressão.
Princípio da individualidade
Cada caso é um caso. Parece banal, mas é o antídoto contra estereótipos que se infiltram na rotina (por exemplo, “todo agressor de criança é pedófilo clínico”, “todo homicida íntimo é psicopata”).
A avaliação precisa partir do material específico: como era a relação entre autor e vítima? O acesso foi com convite ou com ruptura? O corpo foi encoberto ou exposto? Houve assalto teatral tolo ou busca seletiva? A narrativa clínica nasce da cena e da história, não do preconceito.
Princípio da interatividade
Relatório bom é compreensível para quem investiga. Se o texto é uma muralha de jargão, ninguém operacionaliza. Traduzir do “psicologuês” para linguagem de investigação é parte do trabalho: em vez de “projeção agressiva sobre objeto parcial”, por exemplo, descrever que o autor parece direcionar raiva a um traço (profissão, idade, marca da relação), e que esse direcionamento tem efeitos na escolha do alvo e na forma do ataque. A pergunta é sempre: o que a equipe faz com isso amanhã de manhã?
Princípio da elasticidade
Avaliação diagnóstica boa muda com o caso. Novas imagens chegam, uma transcrição derruba uma hipótese, um DNA inesperado entra — e o texto precisa acompanhar. A rigidez é inimiga da verdade. A elasticidade manda revisitar hipóteses, apertar ou soltar afirmações, colocar prazos (“esta leitura vale até que chegue o laudo X”). O mundo mudou, os crimes mudam, as tecnologias mudam; o parecer também.
Por Que Perfis Clínicos Podem Acertar
Onde ajudam
- Ritual e assinatura: quando há encenação que foge ao pragmatismo (posturas específicas do corpo, objetos posicionados de modo simbólico, frases padronizadas), o olhar clínico nomeia funções psíquicas prováveis (controle, humilhação, onipotência, expiação).
- Contradições aparentes: cenas que misturam organização e descontrole são comuns. A clínica ajuda a hierarquizar: o que é modo de fazer, o que é falha, o que é evento não previsto.
- Linguagem: ameaças, piadas, apelidos e vocativos repetidos revelam alvos de raiva, vergonhas e fantasias.
- Pós-ofensa: tomar banho na casa, limpar parcialmente, cobrir o rosto da vítima, levar lembranças. Cada ato fala de relação autor–vítima e de tolerância ao contato com o próprio ato.
Onde falham
- Viés de confirmação: ver “o que se quer ver” e arrastar a cena para dentro da hipótese.
- Excesso de rótulos: etiquetas psicopatológicas aplicadas à distância viram atalhos indevidos.
- Cegueira contextual: ignorar restrições situacionais (tempo, espaço, risco) que explicam o comportamento sem recorrer a “traços” profundos.
- Linguagem que não operacionaliza: relatórios bonitos que não viram diligência.
O antídoto é simples: ancorar cada inferência em algo que se possa apontar no processo e explicitar o que derrubaria a hipótese.
Cena do crime, autor e vítima: três focos clínicos que importam
A avaliação diagnóstica tenta costurar três planos, sem inventar costura onde não exista.
1) A cena
Procura-se coerência entre acesso, controle, escolhas e pós-ofensa. A pergunta clínica aqui é: que tipo de mente se expressa nessa combinação? Exemplo: acesso sem arrombamento, circulação à vontade, busca seletiva por documentos — isso soa como familiaridade e planejamento.
Já um ataque caótico, com escalada após humilhação verbal e exposição pública da vítima, pode sugerir raiva reativa e tolerância alta ao risco (ou baixa percepção de risco).
2) O autor
Sem contato direto, o autor é uma voz ausente. A clínica lê signos: trouxe material para controle? Consegue esperar? Consegue desistir? Muda o plano diante do imprevisto? Essas respostas indicam funções executivas, regulação emocional e estilo de personalidade (mais rígido, mais impulsivo, mais teatral).
3) A vítima
Vítima não é figurante. Seu perfil (rotina, vínculos, escolhas de risco, contexto de vulnerabilidade) ajuda a separar vitimização dirigida (alguém com raiva dela ou do que ela representa) de oportunidade (alguém que agiu porque deu). Essa distinção muda rota de investigação.
O Exemplo Clássico
Em Londres, 1888, a metodologia moderna de crime analysis não existia. O que se tinha eram médicos experientes, policiais veteranos e observadores atentos. As leituras clínicas enfatizavam: escolha de alvos (trabalhadoras sexuais numa zona específica), horário, anatomia atingida, grau de risco assumido.
A partir daí, inferiam-se frieza, audácia, conhecimento básico de cortes, hostilidade sexualizada. Hoje, olharíamos com cuidado para o que é teatral (exibição do corpo) e para o que é técnico (cortes), evitando fechar em “diagnósticos” sem pessoa. O ponto didático permanece: antes de matrizes, houve clínica — e a clínica levantou perguntas que, em alguma medida, seguem válidas.
Como Integrar a Avaliação
Diagnóstica Com Métodos Atuais
A experiência mostra que a avaliação diagnóstica funciona melhor quando trabalha junto de escolas que dão estrutura:
- Psicologia Investigativa para padrões e priorização ampla.
- Análise de Evidências Comportamentais para amarração vestígio a vestígio.
- CAP (Criminal Action Profiling) quando se quer codificar comportamentos em variáveis e comparar com bases.
- Geoprofile para território e mobilidade.
- Perícia digital e OSINT para cronologias finas e vínculos reais.
A clínica entra como cola interpretativa, não como motor único. Ela nomeia, questiona, testa coerência; os demais métodos medem, refutam e apontam caminhos.
Procedimento sugerido
- Defina a pergunta com a equipe: o que o parecer precisa entregar? (Ex.: organização/impulsividade? provável vínculo? risco de repetição?)
- Colete o material mínimo: cronologia, laudos, fotos técnicas, transcrições, mapas, rotinas.
- Anote sinais clínicos operacionais: escolhas reiteradas, padrões de fala, reações a imprevistos, pós-ofensa.
- Escreva hipóteses testáveis: “o encobrimento parcial pode indicar vergonha; se houve banhos pós-ofensa em outros eventos, reforça”.
- Marque condição de refutação: “se aparecer uso de drogas naquele horário, rever leitura de controle”.
- Traduza para diligência: “checar prestadores com acesso à porta X”, “priorizar câmeras Y”.
- Revise periodicamente: parecer é documento vivo.
- Registre limites: o que não se sabe ainda e o que pode mudar o quadro.
Ética, Linguagem e o
Risco De Patologizar
A tentação de explicar tudo com um rótulo é grande. Resistir a ela é o que separa a boa prática da adivinhação. Algumas balizas ajudam:
- Evitar diagnósticos formais sem avaliação direta.
- Diferenciar “interesse do perito” de “interesse da investigação”.
- Não usar linguagem que estigmatiza grupos ou identidades.
- Proteger vítimas: não sugerir que “provocaram” condutas do autor.
- Indicar fontes e caminhos de verificação para cada hipótese.
A avaliação diagnóstica não existe para culpabilizar ou explicar magicamente; ela existe para organizar pensamento e direcionar trabalho.
Três Exemplos Ficcionais Sobre
Onde a Clínica Ajuda E Onde Atrapalha
Exemplo 1 – Comportamento
Autor limpa parte da cena, reacomoda roupas da vítima e cobre o rosto com um tecido. A leitura clínica sugere vergonha e ambivalência: quer apagar o ato e “descansar” a vítima.
Diligência: procurar vínculos afetivos com a vítima, trajetórias de proximidade; cruzar com padrões de limpeza em empregos anteriores.
Exemplo 2 — Linguagem de humilhação dirigida
Nos áudios, o autor repete termos ligados a desprezo de classe e envelhecimento. A clínica aponta raiva direcionada a símbolos de status e à passagem do tempo.
Diligência: mapear conflitos recentes da vítima com pessoas dependentes financeiramente dela; buscar histórico de demissões e cobranças públicas.
Exemplo 3 — Ignorar elementos importantes
Cena caótica; consultor escreve “provável sociopatia”. A equipe foca em “frieza”, ignora que a arma falhou e que testemunhas surgiram — variáveis situacionais que explicam o caos. Perde-se tempo precioso. A correção vem quando a AEC mostra que o “descontrole” é produto do evento, não traço essencial.
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O Que Mudou do Século XIX Até Hoje
e o Que Não Deve Mudar
Mudaram os meios: hoje há DNA, balística, perícia digital, câmeras em cada esquina, ciência de dados e metodologias validadas.
O que não deve mudar é o compromisso com clareza, parcimônia e refutabilidade. A avaliação diagnóstica é bem-vinda quando sabe seu lugar: conectar pontos, criar boas perguntas, inspirar testes. Ela se torna problema quando ocupa o lugar da prova.
Perguntas Freqüentes
A avaliação diagnóstica “pega” o culpado?
Não. Ela orienta e prioriza. Autoria exige evidência.
É possível fazer avaliação diagnóstica sem ver a cena?
Sim, mas pior. O mínimo são fotos técnico-científicas, laudos e cronologia.
Por que evitar rótulos psiquiátricos?
Porque, sem exame direto e contexto clínico, rótulos viram palpite com efeito colateral jurídico.
Quando pedir um parecer clínico?
Quando há indícios de assinatura, padrões incomuns, contradições entre organização e caos, pós-ofensa que fale sobre vergonha ou teatralidade — e quando a equipe precisa nomear e testar caminhos.
A clínica substitui métodos estruturados?
Nunca. Ela complementa e conversa com eles.
A avaliação diagnóstica é parte do DNA do perfilamento criminal. Foi ela que, historicamente, ensinou a olhar além do óbvio e a perguntar o que um ato diz sobre quem o praticou. Seu lugar, hoje, é ao lado de métodos que medem, comparam e testam.
Quando a clínica respeita os princípios da individualidade, da interatividade e da elasticidade, ajuda na investigação; quando se confunde com diagnóstico à distância e certeza retórica, prejudica.
O caminho profissional é a responsabilidade: nomear hipóteses, mostrar de onde vieram e aceitar quando o dado disser outra coisa. A melhor contribuição clínica continua sendo esta: organizar a dúvida para que a verdade, trabalhosa como ela é, tenha chance de aparecer.
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