O Perigo das Redes Sociais

19 – Capitão Hunter: O Predador Digital

Caso Capitão Hunter: de ídolo infantil a predador digital

Capitão Hunter: No universo digital, onde avatares e personas podem ser cuidadosamente construídos, a linha entre a realidade e a ficção por vezes se torna perigosamente tênue. Para uma legião de jovens fãs, o influenciador conhecido como “Capitão Hunter” era a personificação da paixão pelo universo Pokémon, um guia amigável e carismático em um mundo de fantasia e aventura.

Com quase um milhão de seguidores, João Paulo Manoel, o homem por trás do personagem, havia construído um verdadeiro império, com eventos, uma loja de produtos e uma comunidade engajada. Contudo, por trás da fachada de ídolo infantil, escondia-se uma realidade perturbadora, que veio à tona com a corajosa denúncia da mãe de uma menina de 13 anos.

A subsequente investigação policial não apenas desmantelou a imagem pública do influenciador, mas também expôs um padrão de manipulação e abuso que chocou o país e levantou um debate urgente sobre a segurança de crianças e adolescentes no ambiente online.


A Fachada do Capitão Hunter:
Construindo um Ídolo

João Paulo Manoel, aos 45 anos, era uma figura paterna para muitos jovens no Brasil. Sob o pseudônimo de “Capitão Hunter”, ele se tornou um dos mais proeminentes influenciadores digitais do nicho de Pokémon, um universo de fantasia que cativa crianças e adolescentes há décadas.

Sua presença online era marcada por um entusiasmo contagiante, um profundo conhecimento sobre o jogo de cartas e os videogames da franquia, e uma aparente dedicação em construir uma comunidade segura e acolhedora para os fãs.

Com quase um milhão de seguidores em suas plataformas de mídia social, o Capitão Hunter não era apenas um criador de conteúdo; ele era um ídolo. Sua influência se estendia para além da tela do computador, materializando-se em eventos como a “Pokecon”, uma convenção que reunia centenas de fãs, e em uma loja que vendia produtos licenciados, solidificando sua imagem como uma autoridade no assunto e um empreendedor de sucesso no mundo geek.

A construção dessa persona pública foi meticulosa e eficaz. Seus vídeos e transmissões ao vivo eram repletos de sorrisos, palavras de incentivo e uma linguagem que ressoava diretamente com seu público-alvo. Ele se posicionava como um mentor, um amigo mais velho que compartilhava a mesma paixão e estava sempre disposto a ajudar os mais novos a aprimorarem suas habilidades no jogo.

Essa imagem de benfeitor era reforçada por ações de caridade e pelo apoio a crianças com deficiência, com depressão e com problemas com drogas, como alegado por sua defesa após a prisão. Para os pais, o Capitão Hunter parecia um porto seguro em meio à vastidão da internet, um influenciador “família” cujo conteúdo era inofensivo e educativo. A confiança depositada nele era imensa, tanto pelas crianças que o admiravam quanto pelos adultos que viam nele uma influência positiva.


A Denúncia

No entanto, em setembro de 2025, essa fachada cuidadosamente construída começou a ruir. A mãe de uma menina de 13 anos, percebendo mudanças no comportamento da filha, decidiu investigar e descobriu uma realidade assustadora. As conversas entre a menina e o Capitão Hunter, que começaram quando ela tinha apenas 11 anos, revelaram um padrão de aliciamento e abuso.

A denúncia, apresentada à Polícia Civil do Rio de Janeiro, foi o estopim de uma investigação que exporia a dupla vida do influenciador. As provas, coletadas pela própria vítima, que gravou as videochamadas, eram contundentes e mostravam um homem que usava sua fama e influência para manipular e explorar a vulnerabilidade de suas jovens fãs.

A denúncia revelou o modus operandi do predador. A aproximação inicial ocorria em eventos como a Pokecon, onde o contato presencial estabelecia uma base de confiança. A partir daí, a interação migrava para o ambiente online, onde o Capitão Hunter, em conversas privadas, começava seu processo de manipulação. Ele se apresentava como um “amigo íntimo”, criando um “pacto de silêncio” com suas vítimas.

Frases como “você é minha melhor amiga” eram usadas para isolar a criança de seus pais e amigos, criando um laço de cumplicidade e segredo. A manipulação era reforçada com a promessa de presentes, como cartas raras de Pokémon e outros brinquedos, e com a oferta de apoio para a carreira da vítima no mundo dos jogos. Em troca, ele solicitava fotos íntimas, normalizando o ato com frases como “amigos fazem isso, mostram a bunda um para o outro”. A escalada do abuso culminava em videochamadas, nas quais ele exibia seus órgãos genitais e coagia as vítimas a fazerem o mesmo.


A Investigação

A investigação, conduzida pela Polícia Civil do Rio de Janeiro com o apoio da polícia de São Paulo, rapidamente confirmou a gravidade das acusações. Em 22 de outubro de 2025, João Paulo Manoel foi preso em sua casa em Santo André, na Grande São Paulo, na presença de sua esposa e irmão. A surpresa da família, especialmente da esposa, que, segundo a delegada responsável pelo caso, ficou “absolutamente surpresa”, evidencia a eficácia com que ele mantinha sua vida dupla.

A prisão do Capitão Hunter causou uma onda de choque na comunidade geek e na sociedade em geral. As redes sociais, que antes eram o palco de sua fama, foram inundadas por mensagens de incredulidade, raiva e decepção. Suas contas foram desativadas, e o império que ele construiu começou a desmoronar.

Com a prisão e a apreensão de seus equipamentos eletrônicos, a polícia passou a investigar a existência de outras vítimas. Logo após a primeira denúncia, a mãe de um menino de 11 anos também procurou as autoridades, relatando um padrão de aliciamento semelhante. A polícia descreveu João Paulo como

“um abusador com elevado grau de periculosidade, atraindo crianças e adolescentes por meio de um perfil mentiroso para que ganhe a confiança dos vulneráveis e passe a assediá-las e coagi-las à prática de atos libidinosos”.

As acusações formais incluem estupro de vulnerável, produção de conteúdo pornográfico envolvendo crianças e adolescentes, e exploração sexual infantil. A defesa, por sua vez, alega inocência e questiona o vazamento de informações de um processo que corre em segredo de justiça, mas as provas e os relatos das vítimas pintam um quadro sombrio e perturbador.


O Manual do Predador: Grooming

O comportamento de João Paulo Manoel, o Capitão Hunter, é um exemplo clássico de grooming, um termo em inglês que se refere ao processo de aliciamento e manipulação que predadores sexuais utilizam para se aproximar de suas vítimas, ganhar sua confiança e, por fim, abusar delas.

Este processo é deliberado, calculado e pode levar semanas, meses ou até anos. O predador age como um lobo em pele de cordeiro, tecendo uma teia de enganos e manipulações que neutraliza as defesas da criança e a isola de suas redes de proteção. A análise do caso do Capitão Hunter revela a aplicação de um manual não escrito, mas terrivelmente eficaz, de grooming.

O primeiro passo do grooming é a seleção da vítima. Predadores como o Capitão Hunter buscam crianças que demonstrem alguma vulnerabilidade, como solidão, baixa autoestima ou uma necessidade de atenção e reconhecimento. No ambiente de eventos como a Pokecon, ele tinha a oportunidade de observar e interagir com centenas de crianças, identificando aquelas que poderiam ser alvos mais fáceis.

A paixão compartilhada pelo universo Pokémon servia como a isca perfeita, criando uma conexão instantânea e um pretexto para a aproximação. A transição do contato presencial para o online era o passo seguinte, permitindo que o predador iniciasse a fase de estabelecimento de confiança em um ambiente privado e controlado.

Nesta fase, o predador se esforça para se tornar uma figura central na vida da criança. O Capitão Hunter se posicionava como um amigo, um mentor, alguém que entendia os sonhos e as aspirações da vítima. A oferta de presentes, como as cobiçadas cartas raras de Pokémon, e a promessa de ajuda para a carreira da criança no mundo dos jogos, são exemplos de como ele preenchia as necessidades emocionais e materiais de suas vítimas.

Este comportamento cria um sentimento de dívida e gratidão, tornando mais difícil para a criança recusar os pedidos do predador. A criação de um “pacto de silêncio”, com frases como “você é minha melhor amiga” e “isso é um segredo nosso”, é uma tática crucial para o isolamento da vítima, afastando-a de seus pais e amigos e garantindo que o abuso permaneça oculto.

A etapa seguinte é a sexualização do relacionamento. O predador começa a introduzir o tema do sexo de forma gradual e sutil, testando os limites da criança. No caso do Capitão Hunter, isso se manifestava na normalização de atos como “mostrar a bunda”, apresentando-os como uma brincadeira entre amigos. A solicitação de fotos íntimas é uma escalada nesse processo, e a reação da criança a esses pedidos indica ao predador se ele pode avançar.

A utilização de videochamadas para exibir seus órgãos genitais e coagir a vítima a fazer o mesmo representa o auge do abuso, onde o predador já estabeleceu um controle psicológico tão forte que a criança se sente incapaz de resistir. A última etapa é a manutenção do controle, onde o predador utiliza a chantagem, a ameaça de expor as fotos ou conversas, para garantir o silêncio e a submissão da vítima, perpetuando o ciclo de abuso.


A Mente do Predador

Para compreender as ações de indivíduos como João Paulo Manoel, é necessário entender as complexidades de sua arquitetura psicológica. A psiquiatria e a psicologia forense oferecem ferramentas para traçar um perfil que, embora não sirva como uma justificativa, pode elucidar os padrões de pensamento e comportamento que caracterizam os agressores sexuais.

É importante ressaltar que, segundo dados do Departamento de Justiça dos Estados Unidos, a grande maioria dos criminosos sexuais não possui um comportamento criminal específico e apenas uma pequena porcentagem (cerca de 4%) sofre de uma doença mental severa. Eles são, em sua maioria, indivíduos funcionalmente integrados à sociedade, o que torna sua detecção ainda mais difícil.

Um dos conceitos centrais na análise de casos como o do Capitão Hunter é o Transtorno Pedofílico, classificado no Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5) como uma parafilia. Este transtorno é caracterizado por fantasias, impulsos ou comportamentos sexuais recorrentes e intensos envolvendo crianças. Contudo, é crucial diferenciar o transtorno do ato criminoso.

Nem todo indivíduo com transtorno pedofílico se torna um agressor; muitos conseguem manter seus desejos no nível da fantasia por toda a vida. A transição da fantasia para a ação, segundo especialistas, frequentemente ocorre em momentos de estresse intenso, como crises conjugais ou profissionais, que podem funcionar como um gatilho para a descompensação do controle dos impulsos.

Além do transtorno pedofílico, é comum que agressores sexuais apresentem comorbidades com outros transtornos psiquiátricos, especialmente os transtornos de personalidade. Estudos apontam uma alta prevalência de transtornos do Cluster B, que inclui o Transtorno de Personalidade Antissocial e o Transtorno de Personalidade Narcisista. Indivíduos com traços antissociais demonstram um descaso pelas normas sociais e pelos direitos dos outros, uma falta de remorso e uma tendência à manipulação e ao engano. Já o narcisismo se manifesta por um senso de grandiosidade, uma necessidade de admiração e uma profunda falta de empatia.

No caso do Capitão Hunter, a construção de uma persona pública grandiosa, a manipulação das vítimas e a aparente incapacidade de reconhecer o dano causado são consistentes com traços narcisistas e antissociais. A necessidade de se sentir poderoso e no controle, uma característica central do narcisismo, pode ser satisfeita através da dominação de uma vítima vulnerável.

Outro aspecto fundamental do perfil psicológico desses agressores é a presença de distorções cognitivas. Eles desenvolvem um sistema de crenças que lhes permite racionalizar e justificar seus atos. Eles se convencem de que a criança deseja a relação sexual, que o ato não é prejudicial, ou até mesmo que é uma forma de educação ou afeto.

A frase atribuída ao Capitão Hunter, “amigos fazem isso, mostram a bunda um para o outro”, é um exemplo claro dessa distorção cognitiva, uma tentativa de normalizar um comportamento abusivo e enquadrá-lo em um contexto de amizade. Essa capacidade de autoengano é um mecanismo de defesa que protege o agressor do peso de sua própria culpa e da realidade de seus crimes.


O Cérebro Do Predador

A neurociência tem oferecido novas e intrigantes perspectivas para a compreensão de comportamentos desviantes, incluindo a pedofilia. Embora a ideia de que a biologia possa influenciar o comportamento criminoso seja controversa, estudos recentes têm identificado diferenças estruturais e funcionais no cérebro de indivíduos com transtorno pedofílico.

É crucial enfatizar que essas descobertas não determinam o comportamento, nem eximem o indivíduo de sua responsabilidade criminal, mas podem ajudar a entender as bases neurológicas que predispõem a certos impulsos e dificuldades de controle.

Uma das linhas de pesquisa mais promissoras, liderada por neurocientistas como James Cantor, do Centre for Addiction and Mental Health em Toronto, tem utilizado exames de ressonância magnética para comparar o cérebro de pedófilos com o de outros indivíduos.

Esses estudos revelaram que os pedófilos tendem a ter uma menor quantidade de substância branca em certas áreas do cérebro. A substância branca é composta por fibras nervosas que conectam diferentes regiões cerebrais, e sua redução pode implicar em uma “má conexão” entre áreas responsáveis pelo processamento da excitação sexual e aquelas envolvidas no julgamento e no controle de impulsos. Essa falha na comunicação neural poderia explicar, em parte, a dificuldade que esses indivíduos têm em diferenciar objetos sexuais apropriados de inapropriados.

Além das diferenças na substância branca, estudos de neuroimagem funcional mostraram que o cérebro de pedófilos reage de maneira diferente a estímulos eróticos. Quando expostos a imagens de crianças, seus cérebros apresentam um padrão de ativação em áreas associadas ao desejo sexual, um padrão que não é observado em indivíduos não pedófilos. Por outro lado, quando expostos a imagens de adultos, a ativação nessas mesmas áreas é significativamente menor. Essas descobertas sugerem que a preferência sexual por crianças pode ter um correlato neural, uma “assinatura” no cérebro que reflete uma orientação do desejo.

Outras pesquisas têm explorado a relação entre a pedofilia e o desenvolvimento neurológico. A observação de que pedófilos têm uma maior probabilidade de serem canhotos e de apresentarem um QI mais baixo em comparação com a população geral sugere que fatores que afetam o desenvolvimento do cérebro em fases precoces da vida podem estar associados ao desenvolvimento do transtorno. Embora a neurociência ainda esteja longe de oferecer uma explicação completa para a pedofilia, suas descobertas desafiam a noção de que este é um comportamento puramente aprendido ou resultado de traumas infantis, apontando para uma complexa interação entre fatores biológicos, psicológicos e sociais.


Perfilamento Criminal na Era Digital

A captura de predadores como o Capitão Hunter é um desafio complexo para as forças de segurança, que cada vez mais recorrem a técnicas de perfilamento criminal adaptadas à era digital. O perfilamento criminal, ou criminal profiling, é uma ferramenta de investigação que busca identificar as características de personalidade, comportamentais e demográficas de um criminoso desconhecido com base na análise de seus crimes.

No ambiente online, onde os criminosos podem se esconder atrás de avatares e anonimato, o perfilamento se torna ainda mais crucial, analisando a “cena do crime” digital em busca de pistas sobre o agressor.

No caso de predadores sexuais online, o perfilamento não se concentra apenas em quem eles são, mas em como eles operam. O modus operandi digital de João Paulo Manoel, por exemplo, oferece um rico material para análise. A escolha da plataforma (redes sociais e aplicativos de mensagens), o tipo de linguagem utilizada, as técnicas de manipulação empregadas (o grooming), a forma como ele selecionava suas vítimas e o método de escalada do abuso são todos elementos que ajudam a construir um perfil comportamental.

Os investigadores analisam o conteúdo das conversas, os tipos de imagens trocadas, os horários das interações e a consistência do comportamento ao longo do tempo. Este rastro digital, embora muitas vezes criptografado ou apagado, pode ser recuperado por peritos forenses e serve como uma assinatura do criminoso.

O perfilamento de agressores como o Capitão Hunter também leva em consideração os aspectos psicológicos já discutidos. A presença de traços narcisistas, por exemplo, pode se manifestar na forma como o predador se exibe para a vítima, na sua necessidade de ser admirado e no seu descaso pelas consequências de seus atos.

A impulsividade pode ser observada na tomada de riscos, como o envio de fotos de si mesmo, que podem servir como prova. A análise do perfil linguístico, ou estilometria forense, também pode ser utilizada para identificar padrões únicos na escrita do agressor, que podem ajudar a vinculá-lo a diferentes pseudônimos ou plataformas.

Além disso, o perfilamento na era digital não se limita ao agressor. A análise do perfil da vítima também é fundamental. Compreender que tipo de criança o predador busca, quais são suas vulnerabilidades e como ele as explora, ajuda a polícia a identificar outras potenciais vítimas e a desenvolver estratégias de prevenção mais eficazes.

No caso do Capitão Hunter, o alvo eram crianças e adolescentes inseridos em uma comunidade de fãs específica, o que permitiu à polícia focar suas investigações e emitir alertas direcionados. O perfilamento criminal digital, portanto, é uma disciplina em constante evolução, que combina psicologia, criminologia e tecnologia para proteger os mais vulneráveis no ciberespaço.


O Impacto nas Vítimas

A revelação dos crimes cometidos por João Paulo Manoel provocou um abalo sísmico cujas ondas de choque se estenderam muito além das paredes de sua casa ou dos limites da investigação policial. O impacto mais devastador, sem dúvida, recai sobre as vítimas diretas, crianças e adolescentes que tiveram sua confiança traída e sua inocência violada.

O abuso sexual na infância e na adolescência deixa cicatrizes profundas e duradouras, que se manifestam em uma miríade de consequências psicológicas, emocionais e comportamentais. A neurociência nos mostra que o trauma pode, inclusive, alterar o desenvolvimento do cérebro, afetando áreas responsáveis pela regulação do humor, pela memória e pela resposta ao estresse.

As vítimas de abuso sexual frequentemente desenvolvem Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT), revivendo o trauma através de pesadelos, flashbacks e uma constante sensação de alerta. A ansiedade, a depressão e os transtornos do humor são consequências comuns, assim como uma profunda queda na autoestima e um sentimento avassalador de culpa e vergonha, sentimentos que são habilmente instilados pelo manipulador durante o processo de grooming.

O abuso também pode levar a dificuldades de relacionamento interpessoal na vida adulta, problemas de confiança e intimidade, e um maior risco de desenvolver transtornos alimentares, abuso de substâncias e comportamentos autodestrutivos. O caminho para a recuperação é longo e exige um suporte psicológico intensivo e uma rede de apoio familiar e social sólida.

O impacto, no entanto, não se restringe às vítimas diretas. A comunidade de fãs do Capitão Hunter, composta por centenas de milhares de jovens, também sofreu um duro golpe. A descoberta de que seu ídolo, a figura que admiravam e em quem confiavam, era na verdade um predador, gerou um sentimento de traição e desilusão em massa. Para muitas dessas crianças e adolescentes, o universo Pokémon, que antes era um refúgio seguro e uma fonte de alegria, tornou-se associado a uma experiência de medo e engano. Este tipo de evento pode abalar a capacidade dos jovens de confiar em figuras de autoridade e em ídolos, gerando um cinismo precoce e uma perda da inocência.

O caso também serve como um alerta brutal para os pais e responsáveis. A confiança que muitos depositavam no conteúdo aparentemente inofensivo do Capitão Hunter foi quebrada, gerando um sentimento de culpa e impotência. A percepção de que, mesmo sob vigilância, os predadores podem se infiltrar na vida de seus filhos através das telas de celulares e computadores, cria um estado de ansiedade e medo.

Este caso força uma reavaliação das práticas de segurança online nas famílias, impulsionando um diálogo necessário, porém difícil, sobre os perigos da internet e a importância da comunicação aberta entre pais e filhos. A queda do Capitão Hunter, portanto, não é apenas a história de um criminoso, mas um espelho que reflete as vulnerabilidades de uma sociedade cada vez mais conectada e a necessidade urgente de protegermos nossas crianças no complexo e, por vezes, perigoso, mundo digital.


Os Pais Precisam Prestar Atenção

O caso de João Paulo Manoel é um sintoma alarmante de um problema muito maior e mais difundido. Ele não é um caso isolado, mas sim um exemplo proeminente da ameaça que os predadores digitais representam para crianças e adolescentes em todo o mundo.

A internet, com suas inúmeras plataformas de interação social, jogos online e comunidades de fãs, tornou-se um terreno fértil para indivíduos mal-intencionados que exploram a ingenuidade e a vulnerabilidade dos mais jovens. A queda do Capitão Hunter deve, portanto, servir não apenas como um caso de estudo criminal, mas como um poderoso chamado à ação para pais, educadores, legisladores e para as próprias empresas de tecnologia.

Para os pais e responsáveis, a principal lição é a necessidade de uma vigilância ativa e, acima de tudo, de um diálogo aberto e constante com os filhos sobre segurança online. A ideia de proibir o acesso à internet é irrealista e contraproducente na sociedade atual. Em vez disso, o foco deve ser na educação digital.

É fundamental que os pais conversem com seus filhos sobre os perigos do ambiente online, ensinando-os a identificar comportamentos suspeitos, a não compartilhar informações pessoais com estranhos e a desconfiar de ofertas e promessas que parecem boas demais para ser verdade. É preciso criar um ambiente de confiança em que a criança ou o adolescente se sinta seguro para relatar qualquer situação desconfortável ou assustadora sem medo de punição.

Monitorar a atividade online dos filhos, utilizando ferramentas de controle parental e estabelecendo regras claras sobre o tempo de tela e os tipos de conteúdo acessados, também são medidas importantes, mas que devem ser equilibradas com o respeito à privacidade do jovem, especialmente na adolescência.

A responsabilidade, contudo, não é apenas das famílias. As escolas têm um papel crucial na educação digital, incluindo em seus currículos temas como cidadania digital, segurança na internet e pensamento crítico em relação ao conteúdo consumido online. Os educadores podem ajudar os alunos a desenvolverem as habilidades necessárias para navegar no mundo digital de forma segura e responsável.

Da mesma forma, as empresas de tecnologia, que lucram com a atenção e o engajamento dos usuários, têm uma obrigação ética e legal de proteger seus usuários mais jovens. Isso inclui o desenvolvimento de algoritmos mais eficazes para detectar e remover conteúdo de abuso infantil, a implementação de sistemas de verificação de idade mais robustos e a criação de canais de denúncia mais acessíveis e eficientes. A moderação de conteúdo não pode ser vista como um custo, mas como um investimento essencial na segurança da plataforma.

Por fim, é necessário que o poder público atue de forma mais enérgica, tanto na legislação quanto na fiscalização. As leis que criminalizam o abuso e a exploração sexual infantil no ambiente digital precisam ser constantemente atualizadas para acompanhar a evolução da tecnologia. É preciso investir em unidades policiais especializadas em crimes cibernéticos, dotando-as de recursos humanos e tecnológicos para investigar e prender os agressores.

A cooperação internacional também é fundamental, uma vez que muitos desses crimes transcendem fronteiras. O caso do Capitão Hunter, embora chocante, oferece uma oportunidade para a sociedade brasileira refletir sobre suas vulnerabilidades e fortalecer suas defesas. A proteção de nossas crianças e adolescentes no mundo digital é uma responsabilidade compartilhada, que exige um esforço conjunto e contínuo de todos os setores.


O caso do influenciador digital “Capitão Hunter” serve como estudo de caso sobre os perigos que se ocultam nas interações virtuais. A história de João Paulo Manoel é uma demonstração contundente de como a confiança pode ser fabricada e manipulada, e de como uma persona pública carismática pode servir de máscara para intenções predatórias.

A análise de seu comportamento revela um padrão complexo, que envolve traços de personalidade narcisistas e antissociais, distorções cognitivas que justificam o abuso, e possíveis alterações neurológicas que podem predispor a tais impulsos. Contudo, nenhuma dessas análises serve para atenuar a gravidade de seus atos. Pelo contrário, elas nos ajudam a compreender a mecânica do mal, a lógica interna de um predador, para que possamos combatê-lo de forma mais eficaz.

A desconstrução do ídolo infantil e a exposição de sua vida dupla deixam um rastro de vítimas, não apenas as crianças diretamente abusadas, mas toda uma comunidade de jovens que teve sua confiança traída e sua percepção do mundo online permanentemente alterada. O impacto psicológico e emocional desses eventos é profundo e duradouro, exigindo uma resposta cuidadosa e um amplo suporte para as vítimas e suas famílias.

Este caso mostra a eficácia aterrorizante do grooming, um processo calculado de sedução e manipulação que desarma as defesas das crianças e as isola de suas redes de apoio. Ele nos força a reconhecer que os monstros não vivem apenas em contos de fadas; eles podem estar do outro lado da tela, disfarçados de amigos.


Referências

  1. CNN Brasil. (2025). Capitão Hunter: o que dizem as denúncias que levaram à prisão do youtuber. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/nacional/sudeste/sp/capitao-hunter-o-que-dizem-as-denuncias-que-levaram-a-prisao-do-youtuber/
  2. G1. (2025). Polícia investiga nova denúncia contra Capitão Hunter envolvendo menino de 11 anos. Disponível em: https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2025/10/23/policia-investiga-nova-denuncia-capitao-hunter-menino.ghtml
  3. Serafim, A. P., Saffi, F., Rigonatti, S. P., Casoy, I., & de Barros, D. M. (2009). Perfil psicológico e comportamental de agressores sexuais de crianças. Archives of Clinical Psychiatry (São Paulo), 36(3), 113-119. Disponível em: https://www.scielo.br/j/rpc/a/vHCDkd9cw7cKpnLRLDgfLXk/?lang=pt
  4. BBC Brasil. (2007). Má conexão no cérebro pode causar pedofilia, diz estudo. Estadão. Disponível em: https://www.estadao.com.br/saude/ma-conexao-no-cerebro-pode-causar-pedofilia-diz-estudo/
  5. American Psychiatric Association. (2013). Diagnostic and statistical manual of mental disorders (5th ed.). Arlington, VA: American Psychiatric Publishing.
  6. Psychology Today. (2022). The 5 Stages of Predatory Sexual Grooming. Disponível em: https://www.psychologytoday.com/us/blog/head-games/202209/the-5-stages-predatory-sexual-grooming
  7. Arbanas, G., et al. (2022). Personality disorders in sex offenders, compared to offenders who committed other crimes. The Journal of Sexual Medicine, 19(1), 1-9.

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