Vida RealEm Destaque

8- Caso Arthur: Sequestro internacional, abandono no México e falhas em série da Justiça brasileira

Caso Arthur: Bruna afirma que o ex-companheiro, Raoni Rafael Américo Magela da Silva, levou o filho Arthur do estado de Massachusetts (EUA) para Belo Horizonte sem sua autorização, após episódio de violência e uma travessia conturbada pelo México.

Caso Arthur: Bruna afirma que o ex-companheiro, Raoni Rafael Américo Magela da Silva, levou o filho Arthur do estado de Massachusetts (EUA) para Belo Horizonte sem sua autorização, após episódio de violência e uma travessia conturbada pelo México. Entre decisões díspares no Brasil e nos Estados Unidos, acusações de extorsão, ausência do Conselho Tutelar e a sobrecarga de uma avó idosa, ela pede o básico: “o direito de voltar a ser mãe”.

(Esta reportagem se baseia em depoimentos, mensagens e documentos que a mãe afirma ter protocolado. As afirmações constituem alegações em processos em curso no Brasil e nos Estados Unidos. Mantemos aberto o direito de resposta ao pai, a familiares e aos órgãos públicos citados. Se você é parte envolvida e deseja se manifestar, entre em contato.)

 

“Eu só quero meu direito de ser mãe de volta” – Caso Arthur

Na sala de um pequeno apartamento em Massachusetts, Bruna mantém uma rotina diária: reza diante de uma foto sua com Arthur, guarda os cadernos, os lápis de cor, o “ursinho preferido” e a cobertinha com “cheiro de mãe”. Os objetos, conta ela, são a âncora num mar de incertezas que começou em 2023, quando, segundo sua versão, o ex-companheiro levou o filho de oito anos para o Brasil sem a devida autorização materna.

Eu vejo o Arthur em tudo, mas ele não está aqui. Quero de volta o direito de chamar atenção, pôr de castigo, levar à escola, fazer lanche. Quero ser mãe.

O relato de Bruna é extenso e repleto de documentos que ela diz ter protocolado na Justiça americana e brasileira. A reportagem reconstruiu a linha do tempo a partir das declarações da mãe e de informações conexas que ela apresentou, tratando todas as acusações como alegações até que processos judiciais transitem e as partes se manifestem.

Linha do tempo do Caso Arthur: de Minas ao México, dos EUA de volta a Minas

Antes de 2023 – Brasil. Após período de relacionamento conflituoso, Bruna e Raoni retomam a vida em comum em Minas Gerais. Ela relata histórico de agressões e ameaças, e diz que ele “sonhava ir para os EUA”.

México – três meses de espera. Para concretizar a mudança, o casal segue a rota via México. Bruna narra ter ficado com Arthur trancada em um quarto de hotel, monitorada por coiotes, enquanto ponderava como cruzar a fronteira de forma regular. Diz que o ex cogitou “virar coiote” e abandoná-la com o filho na cidade do México. Familiares de Raoni teriam intercedido para que a família seguisse junta e de maneira legal.

Chegada aos EUA – Massachusetts. Já em solo americano, segundo Bruna, o ex se afasta para “trabalhos” em outros estados. Ela encontra emprego e organiza a rotina escolar do filho. Afirma ter pedido que o pai ficasse com Arthur em alguns fins de semana — pedidos que, segundo ela, eram recusados.

Semana do aniversário – junho de 2023. Às vésperas do aniversário de Arthur, Raoni pede para celebrar com o filho. Bruna concorda. A partir daí, conta ela, começam mensagens prometendo a devolução “na semana seguinte”. Só que Arthur não volta. A escola liga perguntando da ausência. Bruna aciona a polícia local.

Descoberta do embarque – dias depois. Correndo delegacias e aeroportos, Bruna diz ter constatado, por meio de informações oficiais e conversas, que pai e filho já estavam no Brasil, possivelmente com embarque no mesmo domingo em que o menino foi retirado de casa. Ela afirma que o passaporte da criança teria sido subtraído dias antes.

Brasil – Belo Horizonte. Em Minas, Arthur passa a viver majoritariamente com a avó paterna, cujo marido sofreu um AVC. “A avó me liga pedindo para resolver, porque não dá conta sozinha”, afirma Bruna. Ela diz que Raoni viaja com frequência e “abandona os cuidados diários do filho”, alegação que a reportagem não conseguiu confirmar.

EUA – medidas urgentes. Bruna diz ter buscado medida protetiva, regularização trabalhista e acionado a Convenção de Haia (retorno imediato de crianças ilicitamente deslocadas). “Aqui (nos EUA), o ato é tratado como sequestro parental; ele perderia o direito de visitas”, sustenta.

Brasil – audiências sem a mãe. No Brasil, conta, a primeira audiência teria sido desfavorável porque ela não estava presente (residindo nos EUA). Um estudo psicossocial teria sido feito com a avó e a criança, “sem me ouvir, o que é absurdo”, diz Bruna. Novos pedidos foram apresentados para repetir o estudo com ela e toda a família materna.

LEIA TAMBÉM:
Pornografia Infantil: A indústria sombria
Crianças Negligenciadas
O Problema da Sexualização Infantil
O som da Liberdade
Caso Adam: Mãe Brasileira Denuncia Sequestro Internacional e Omissão do Governo
Vitória Gabrielly – O mal cruzou o seu caminho
Mãe de Sharia – Sarah: Duas crianças sequestradas e o Brasil ignora
O sequestro de Benício e a omissão do Estado
Isabella Cepa: Exilada por dizer o óbvio
Caso Yuri: mãe denuncia sequestro internacional 
Caso Clara: Sequestrada de Portugal, trazida para o Brasil

Caso Arthur – O domingo do soco e a segunda do quarto revirado

Bruna descreve um fim de semana-chave: no domingo, relata ter sido agredida com um soco na cabeça; na segunda, ao voltar do trabalho, encontra o quarto revirado e “documentos subtraídos”. “O passaporte do Arthur sumiu. O meu, eu carregava comigo”, diz. Ela afirma ter BO e provas entregues à Justiça.

Se ele tivesse sido retido no aeroporto até eu autorizar a viagem, ele seria preso ali mesmo”, diz. “Eu já tinha boletim de ocorrência e alerta.”

A reportagem não teve acesso direto a esses boletins, mas Bruna afirma que toda a papelada compõe o processo nos EUA e integra petições no Brasil.

“Me pague que eu deixo você falar com seu filho”

Outro eixo das denúncias: extorsão. Segundo Bruna, o ex exigia depósitos para permitir chamadas de vídeo com Arthur, além de cobrar que ela comprasse um celular “exclusivo” para contato com a criança. “Tenho prints em que ele diz: ‘pague se quer falar com seu filho’.” Ela também afirma que o ex pediu pensão de R$ 2.900 mensais e um retroativo de um ano — período em que, segundo ela, ele nem residia nos EUA.

Bruna admite que ajudava financeiramente o filho, enviando valores mensais e comprando roupas e itens escolares: “Se somar, passa de mil reais por mês”. Ela acusa o ex de “declarar extrema pobreza” na ação, apesar de “ter casa e renda”. A reportagem não localizou os autos para checar a declaração de hipossuficiência.

Raoni também teria alegado em juízo que Bruna seria “garota de programa” nos EUA, com “performances na frente do filho”. Ela rebate: “Nunca precisei disso, sempre trabalhei em três serviços. E mesmo que uma mulher tenha essa profissão, isso não dá ao pai o direito de sequestrar a criança”. Segundo Bruna, o processo não apresenta vídeos ou provas objetivas dessa acusação.

O Brasil que não atende o telefone

O roteiro, para Bruna, tem um vilão institucional: a morosidade e a desarticulação do sistema de proteção à infância no Brasil. Ela diz não ter sido contatada pelo Conselho Tutelar de Belo Horizonte; afirma que não houve visita técnica à família materna; e que Direitos Humanos, ECA e Itamaraty “nunca a procuraram” — nem quando ela estava presa no México com o filho, nem após a denúncia de subtração internacional.

No Itamaraty, a resposta foi: espere seu visto no México expirar. Depois, quando pedimos o e-mail original, disseram que não havia registro”, relata. Procuradorias e varas da infância não se manifestaram diretamente a ela, diz. “Parece que, por eu estar em outro país, eu sou invisível.”

Enquanto isso, ela afirma, deputados da oposição em Minas — como Júnior Amaral e equipes ligadas a Nicolas Ferreira — teriam manifestado apoio jurídico ou pedido informações. “Não quero palanque, quero solução”, resume.

Entre Haia e o ECA: o que a lei manda fazer

A Convenção de Haia sobre os Aspectos Civis do Sequestro Internacional de Crianças (da qual Brasil e EUA são signatários) determina o retorno imediato da criança ao país de residência habitual quando há deslocamento ou retenção ilícitos por um dos genitores, salvo exceções (risco grave, por exemplo). Em tese, o caminho institucional é claro: autoridades centrais dos dois países cooperam para devolver o menor e depois as cortes locais decidem guarda e visitas.

Na prática, mães e pais esbarram em procedimentos lentos, divergências de interpretação (quando o Brasil vê “disputa de guarda” onde os EUA enxergam “sequestro parental”) e dificuldades logísticas — como viabilizar visto e passaporte de retorno da criança.

Bruna afirma que, nos EUA, seu caso foi enquadrado como sequestro parental, com medidas protetivas e reconhecimento de que Arthur deve regressar. No Brasil, contudo, o ponto de partida teria sido a guarda — inclusive com a exigência de que Bruna estivesse em audiência presencial, o que nem sempre é possível diante do status migratório e das próprias medidas de proteção que ela diz ter.

Advogados consultados por Bruna orientaram dois passos: repetir o estudo psicossocial com todas as partes (mãe, avó materna, pai, avó paterna e a própria criança) e judicializar o cumprimento de Haia, articulando com a Autoridade Central Administrativa Federal (ACAF) no Brasil para a emissão dos documentos de viagem da criança “assim que o juízo deferir”.

Onde está Arthur agora?

Segundo a mãe, Arthur passa a maior parte do tempo com a avó paterna, idosa, que cuida também do marido acamado. Bruna diz receber fotos de seguidores que identificam o menino “brincando na rua por longos períodos”, sem supervisão constante. “Meu medo é a vulnerabilidade: um estranho abordar, oferecer droga, cooptar”, afirma.

Em meio a isso, um alívio: uma liminar permitiria a convivência quinzenal do menino com a família materna. “Ele passou um fim de semana com minha irmã e voltou radiante: ‘Quero toda semana’”, diz Bruna. Para ela, é a prova de que o vínculo afetivo — que o próprio estudo psicossocial, segundo ela, registrou como “muito forte com a mãe” — segue intacto.

“Não mande vídeo do passado”: a batalha pela memória

Um detalhe ilustra a disputa psicológica: Bruna conta que o pai teria proibido o envio de fotos e vídeos de infância, sustentando que uma psicóloga teria recomendado “não construir história com lembranças”. Bruna consultou especialistas por conta própria: “Ouvi que é antiético um familiar atender clinicamente a criança e que é saudável manter memórias e afeto”.

A prima do pai, que é da área, daria aulas; psicoterapia não tinha. Meu filho me disse: ‘Mamãe, não faço ideia do que é isso.’

Sequestro parental é crime nos EUA. No Brasil, virei figurante em audiência. Eu não podia nem ser ouvida?” — Bruna

Se ele tivesse sido retido no aeroporto até eu autorizar, era prisão na hora.” — Bruna

Eu não desejo essa dor para mãe nenhuma. É um luto de alguém vivo.” — Bruna


O que diz o outro lado

Até o fechamento desta reportagem, a equipe não obteve contato com Raoni Rafael Américo Magela da Silva. As acusações aqui reproduzidas são declarações da mãe e constam, segundo ela, de peças e anexos apresentados em juízo. A reportagem mantém aberto o direito de resposta ao pai e a seus representantes legais, assim como a familiares citados.

Órgãos públicos mencionados — Itamaraty, ACAF, Conselhos Tutelares e Ministério dos Direitos Humanos — também são convidados a se posicionar sobre o caso e sobre fluxos de atendimento em situações de sequestro parental.

Por que o caso importa (e não só para Bruna)

  • Fronteiras e aeroportos: relatos recorrentes (em Minas e em outros estados) de crianças que saem ou entram com apenas um genitor sem verificação robusta de autorizações.

  • Coordenação internacional: a distância entre o que prevê Haia e o que efetivamente ocorre nos gabinetes judiciais e cartórios.

  • Proteção integral: o ECA garante prioridade absoluta à criança; na prática, mães e pais enfrentam vácuos de atendimento (Conselho Tutelar, rede psicossocial, varas especializadas).

  • Desinformação e abuso processual: acusações graves (como prostituição) sem prova cabal podem ganhar peso indevido e postergar o essencial: resguardar a criança e garantir convivência equilibrada.

  • Política pública: parlamentares estaduais e federais podem e devem aprimorar protocolos de fronteira, criar varas especializadas em Haia, investir em equipes técnicas e celeridade para casos com risco psicológico.

O que falta para Arthur voltar?

Pelo que descreve Bruna, faltam três chaves:

  1. Decisão clara no Brasil reconhecendo o retorno de Arthur ao país de residência habitual, observadas as salvaguardas do caso.

  2. Documentação de viagem (passaporte e visto) emitida com apoio da Autoridade Central e do consulado americano.

  3. Plano de transição com acompanhamento psicossocial — tanto para Arthur quanto para o núcleo familiar —, evitando revitimização e garantindo convivência com a família paterna sob regras seguras (quando e se houver decisão nessa direção).

Até lá, Bruna reforça que não busca “vingança” nem “apagar o pai”: “Quero só o básico: meu filho seguro, aqui, amparado; e o pai, se quiser conviver, que seja pelas vias legais.

A cobertinha

“Ele pediu para eu mandar a cobertinha pelo correio, porque estava com ‘cheiro de mãe’”, diz Bruna, segurando o tecido. “Respondi que não: ‘ela fica comigo, para eu sentir você’.” Entre uma audiência que não sai e um estudo que precisa ser refeito, ela segue o ritual de toda noite: dobra a coberta aos pés da cama, faz uma oração e promete a si mesma que, quando Arthur voltar, os dois vão juntos ao parquinho em frente — como antes, como sempre.

Não há mal que dure. O bem vence. Eu creio.

Me siga no Instagram https://www.instagram.com/camilaabdo_/
Me siga no Instagram
https://www.instagram.com/camilaabdo_/

 

TAGS:

brasileira nos EUA, afirma que o filho Arthur foi sequestrado pelo pai e trazido ilegalmente ao Brasil. Denúncias de violência, abandono e extorsão cercam o caso, sequestro internacional, caso Arthur, Raoni Rafael Américo Magela da Silva, alienação parental, Convenção de Haia, guarda internacional, mãe de Haia, convenção de Haia

Artigos Relacionados

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Botão Voltar ao topo