Crianças

20 – Casos de Abuso Sexual Infantil no Brasil (2018-2025)

Casos de Abuso Sexual Infantil no Brasil - Relatório 2018–2025 mostra alta de 30,9% nos casos de violência sexual infantil no Brasil, recorde em 2024, com maioria intrafamiliar e concentração crítica na Amazônia Legal

Casos de Abuso Sexual Infantil no Brasil – Este relatório apresenta uma análise comparativa detalhada dos casos de violência sexual contra crianças e adolescentes no Brasil no período de 2018 a 2025. Os dados foram coletados de duas fontes principais: o Anuário Brasileiro de Segurança Pública (registros policiais) e o Ministério da Saúde (notificações de saúde).

Os resultados revelam uma tendência alarmante de crescimento, com aumento de 30,9% nos registros policiais entre 2018 e 2024, atingindo o recorde histórico de 87.545 vítimas em 2024. A maioria das vítimas são crianças e adolescentes vulneráveis, com até 13 anos de idade, e os crimes ocorrem predominantemente dentro do ambiente familiar.


Evolução dos Casos de Abuso
Sexual Infantil no Brasil (2018-2024)

Casos de Abuso Sexual Infantil no Brasil – Registros Policiais

Os dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, baseados em Boletins de Ocorrência registrados nas delegacias de todo o país, mostram a seguinte evolução:

AnoTotal de VítimasVariação AnualFrequência
201866.893
201969.086+3,3%
202062.497-9,5%
202168.885+10,2%
202274.930+8,8%
202383.988+12,1%1 caso a cada 6 minutos
202487.545+4,2%1 caso a cada 6 minutos

Crescimento acumulado (2018-2024): +30,9% (aumento de 20.652 casos). Os dados de 2025 ainda não estão disponíveis


Análise de Tendências

O período analisado pode ser dividido em três fases distintas:

Fase 1 (2018-2019): Crescimento Moderado Entre 2018 e 2019, observou-se um crescimento moderado de 3,3%, com o número de vítimas passando de 66.893 para 69.086. Este período reflete a continuidade de uma tendência de aumento que vinha sendo observada desde 2011.

Fase 2 (2020): Queda Atípica O ano de 2020 registrou uma queda significativa de 9,5% nos casos, com o número de vítimas caindo para 62.497. Esta redução não reflete uma melhoria real na situação, mas sim o impacto das restrições impostas pela pandemia de COVID-19, que dificultaram o acesso das vítimas aos serviços de denúncia e atendimento. Muitas crianças ficaram isoladas em casa com seus agressores, sem possibilidade de buscar ajuda.

Fase 3 (2021-2024): Crescimento Acelerado A partir de 2021, os registros voltaram a crescer de forma acelerada e consistente. O crescimento acumulado neste período foi de 27,1%, com aumentos anuais variando entre 4,2% e 12,1%. Os anos de 2023 e 2024 bateram recordes históricos consecutivos, evidenciando a gravidade e a urgência do problema.

Notificações de Saúde

Os dados do Ministério da Saúde, baseados no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), apresentam números diferentes devido à metodologia de coleta:

AnoCrianças (0-9 anos)Adolescentes (10-19 anos)Total
201813.27018.52131.791
201914.30519.90334.208
202012.07817.19029.268
202114.00921.07035.079
202253.906
202363.430

Crescimento acumulado (2018-2023): +99,4% (aumento de 31.639 casos)/ Os dados de 2022 e 2023 não estão disponíveis nas fontes públicas. O Boletim Epidemiológico do Ministério da Saúde que encontrei só tinha dados detalhados até 2021.

As notificações de saúde mostram um crescimento ainda mais acentuado que os registros policiais, praticamente dobrando no período analisado. Isso pode indicar uma maior conscientização dos profissionais de saúde sobre a necessidade de notificar casos de violência sexual, bem como um aumento no acesso das vítimas aos serviços de saúde.


Diferenças entre as Fontes de Dados

É fundamental compreender que os dados de registros policiais e notificações de saúde não são diretamente comparáveis, pois refletem metodologias e contextos diferentes:

Registros Policiais (Anuário de Segurança Pública)

Características:

  • Baseados em Boletins de Ocorrência registrados nas delegacias
  • Incluem apenas casos que chegaram ao conhecimento da polícia
  • Categorias: estupro e estupro de vulnerável (menores de 14 anos)
  • Abrangem todas as faixas etárias
  • Números geralmente mais altos

Vantagens:

  • Dados consolidados nacionalmente
  • Série histórica consistente desde 2011
  • Refletem casos que entraram no sistema de justiça criminal

Limitações:

  • Muitos casos não são denunciados à polícia
  • Subnotificação significativa, especialmente em casos intrafamiliares
  • Dependem da capacidade e disponibilidade das delegacias

Notificações de Saúde (Ministério da Saúde)

Características:

  • Baseados em atendimentos no sistema de saúde (SUS e rede privada)
  • Notificação compulsória desde 2011
  • Incluem casos que podem não ter sido denunciados à polícia
  • Faixa etária específica: 0 a 19 anos
  • Números geralmente mais baixos que os registros policiais

Vantagens:

  • Capturam casos que não chegam à polícia
  • Incluem informações detalhadas sobre o perfil das vítimas e agressores
  • Permitem análise por faixa etária específica (crianças vs. adolescentes)

Limitações:

  • Dependem do acesso das vítimas aos serviços de saúde
  • Subnotificação por parte dos profissionais de saúde
  • Dados desagregados nem sempre disponíveis publicamente

Subnotificação

Ambas as fontes sofrem com o problema da subnotificação, que é particularmente grave em casos de violência sexual intrafamiliar. Estima-se que apenas uma pequena fração dos casos reais seja efetivamente reportada, seja à polícia ou aos serviços de saúde. Os números apresentados neste relatório representam, portanto, apenas a “ponta do iceberg” de um problema muito mais amplo.


Perfil das Vítimas

A análise do perfil das vítimas, baseada nos dados mais recentes de 2024, revela características consistentes que ajudam a compreender a natureza e o contexto da violência sexual contra crianças e adolescentes no Brasil.

Idade

A idade é um dos fatores mais críticos na análise da violência sexual infantil:

  • 76,8% dos casos são classificados como estupro de vulnerável, envolvendo vítimas menores de 14 anos ou incapazes de consentir por qualquer motivo (deficiência, enfermidade, etc.)
  • 61,3% das vítimas totais têm até 13 anos de idade
  • A faixa etária de 10 a 13 anos concentra o maior volume de casos
  • Crianças de 0 a 4 anos representam uma parcela significativa, com crescimento de 35% entre 2021 e 2023

Esses dados evidenciam que a maioria das vítimas são crianças em situação de extrema vulnerabilidade, incapazes de compreender plenamente a natureza dos atos ou de oferecer resistência efetiva.

Gênero

A violência sexual afeta predominantemente meninas e mulheres jovens:

  • 87,3% das vítimas são do sexo feminino
  • 12,7% são do sexo masculino

Embora as meninas sejam a maioria absoluta das vítimas, é importante destacar que a violência sexual contra meninos também é significativa e frequentemente ainda mais subnotificada devido a estigmas sociais e culturais.

Raça/Cor

A análise racial revela disparidades importantes:

  • 55,6% das vítimas são mulheres e meninas negras (pretas e pardas)
  • 52,8% do total de vítimas (incluindo meninos) são negras

Esses números refletem as desigualdades estruturais da sociedade brasileira, em que crianças e adolescentes negros estão mais expostos a situações de vulnerabilidade social, pobreza e violência.


Vulnerabilidades Adicionais

Além das características demográficas, outros fatores aumentam a vulnerabilidade de crianças e adolescentes:

  • Crianças com deficiência física ou intelectual
  • Crianças em situação de rua
  • Crianças em acolhimento institucional
  • Crianças de famílias de baixa renda
  • Crianças em contextos de violência doméstica

Contexto das Agressões

A compreensão do contexto em que ocorrem as agressões sexuais é fundamental para o desenvolvimento de políticas públicas eficazes de prevenção e proteção.

4.1 Local do Crime

A residência é o principal local de ocorrência da violência sexual contra crianças e adolescentes:

  • 65,7% dos casos ocorrem na residência da vítima
  • 67,4% dos casos ocorrem na residência (dados de anos anteriores)
  • Outros locais incluem: via pública, escola, residência do agressor, estabelecimentos comerciais

O fato de a maioria dos crimes ocorrer dentro de casa evidencia a natureza intrafamiliar da violência e explica, em parte, a alta taxa de subnotificação. Crianças que são abusadas em casa por familiares enfrentam barreiras enormes para denunciar, incluindo dependência emocional e financeira, medo de retaliação, e falta de acesso a redes de apoio.


Perfil dos Agressores

A análise do perfil dos agressores revela um padrão consistente e preocupante:

Relação com a vítima:

  • 45,5% são familiares (pais, padrastos, irmãos, primos, avós, tios)
  • 20,3% são parceiros ou ex-parceiros íntimos (da mãe ou da própria vítima adolescente)
  • 18,9% são outros conhecidos (vizinhos, amigos da família, professores, líderes religiosos)
  • 15,3% são desconhecidos

Total de agressores conhecidos: 84,7%

Gênero dos agressores:

  • Quase a totalidade dos agressores é do sexo masculino

Esses dados destroem o mito do “estranho perigoso” e evidenciam que a violência sexual contra crianças é, na maioria dos casos, perpetrada por pessoas próximas e de confiança da vítima. Isso torna a denúncia ainda mais difícil e traumática, pois envolve a quebra de vínculos familiares e a exposição da vítima a conflitos e pressões dentro do próprio lar.


Dinâmica da Violência

A violência sexual intrafamiliar geralmente apresenta características específicas:

  • Cronicidade: Os abusos tendem a ocorrer repetidamente ao longo de meses ou anos
  • Segredo: O agressor impõe o silêncio através de ameaças, manipulação ou violência
  • Progressão: Os abusos frequentemente começam com toques “inocentes” e progridem para atos mais graves
  • Normalização: O agressor tenta fazer a criança acreditar que o abuso é normal ou culpa da própria vítima

Impactos e Consequências

A violência sexual na infância e adolescência gera impactos profundos e duradouros nas vítimas, suas famílias e na sociedade como um todo.

Impactos nas Vítimas

Físicos:

  • Lesões genitais e anais
  • Infecções sexualmente transmissíveis (IST), incluindo HIV
  • Gravidez indesejada
  • Dores crônicas
  • Problemas de saúde reprodutiva

Psicológicos:

  • Transtorno de estresse pós-traumático (TEPT)
  • Depressão e ansiedade
  • Baixa autoestima e sentimentos de culpa
  • Dificuldades de relacionamento e confiança
  • Comportamentos autodestrutivos
  • Maior risco de suicídio
  • Transtornos alimentares
  • Abuso de substâncias

Sociais e Educacionais:

  • Dificuldades de aprendizagem
  • Evasão escolar
  • Isolamento social
  • Dificuldades de inserção no mercado de trabalho

Impactos na Sociedade

A violência sexual infantil gera custos sociais e econômicos significativos:

  • Custos com saúde (atendimento médico, psicológico e psiquiátrico)
  • Custos com o sistema de justiça (investigações, processos, encarceramento)
  • Custos com assistência social
  • Perda de produtividade econômica
  • Perpetuação de ciclos de violência

Desafios e Barreiras

Apesar dos avanços legislativos e institucionais, o enfrentamento da violência sexual contra crianças e adolescentes no Brasil enfrenta diversos desafios:

Subnotificação

A subnotificação é o principal obstáculo para a real dimensão do problema. Muitos casos não chegam ao conhecimento das autoridades devido a:

  • Medo de retaliação
  • Dependência emocional e financeira do agressor
  • Sentimento de culpa e vergonha
  • Desconhecimento sobre como e onde denunciar
  • Descrença no sistema de justiça
  • Pressão familiar para manter o “segredo”

Falta de Capacitação Profissional

Muitos profissionais que atuam na linha de frente (policiais, professores, profissionais de saúde, assistentes sociais) não recebem capacitação adequada para:

  • Identificar sinais de abuso sexual
  • Acolher vítimas de forma adequada
  • Realizar notificações compulsórias
  • Conduzir investigações sem revitimização

Deficiências no Sistema de Justiça

O sistema de justiça criminal enfrenta problemas como:

  • Morosidade nos processos
  • Falta de especialização de juízes e promotores
  • Revitimização durante depoimentos
  • Baixa taxa de condenação
  • Penas insuficientes ou não cumpridas

Fragilidade da Rede de Proteção

A rede de proteção à criança e ao adolescente, embora prevista em lei, apresenta fragilidades:

  • Falta de integração entre os serviços (saúde, assistência social, educação, justiça)
  • Insuficiência de recursos humanos e materiais
  • Cobertura desigual no território nacional
  • Falta de monitoramento e avaliação das ações

Cultura e Estigma

Fatores culturais e sociais contribuem para a perpetuação da violência:

  • Normalização da violência doméstica
  • Machismo e patriarcado
  • Adultização de crianças e adolescentes
  • Culpabilização das vítimas
  • Tabus em torno da sexualidade infantil

Políticas Públicas e Legislação

O Brasil possui um arcabouço legal robusto para a proteção de crianças e adolescentes, mas a implementação efetiva dessas leis ainda é um desafio.

Marco Legal

Constituição Federal de 1988:

  • Artigo 227: Estabelece como dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à dignidade e à proteção contra toda forma de violência.

Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA – Lei 8.069/1990):

  • Define crianças e adolescentes como sujeitos de direitos
  • Estabelece o princípio da proteção integral
  • Prevê medidas de proteção e responsabilização

Código Penal:

  • Artigo 217-A: Tipifica o crime de estupro de vulnerável (menores de 14 anos)
  • Penas de 8 a 15 anos de reclusão

Lei 13.431/2017 (Lei da Escuta Protegida):

  • Estabelece o sistema de garantia de direitos da criança e do adolescente vítima ou testemunha de violência
  • Prevê o depoimento especial para evitar revitimização

Lei 13.718/2018:

  • Tipifica os crimes de importunação sexual e divulgação de cena de estupro

Serviços e Programas

Disque 100 (Disque Direitos Humanos):

  • Canal nacional de denúncias de violações de direitos humanos, incluindo violência contra crianças e adolescentes
  • Funciona 24 horas, todos os dias
  • Em 2024, registrou crescimento de 22,6% nas denúncias

Conselho Tutelar:

  • Órgão permanente e autônomo encarregado de zelar pelo cumprimento dos direitos da criança e do adolescente
  • Presente em todos os municípios brasileiros

CREAS (Centro de Referência Especializado de Assistência Social):

  • Atende famílias e indivíduos em situação de risco pessoal e social
  • Oferece acompanhamento psicossocial

Delegacias Especializadas:

  • Delegacias de Proteção à Criança e ao Adolescente (DPCA)
  • Delegacias da Mulher (DEAM)

Campanhas de Conscientização:

  • Maio Laranja: Campanha nacional de combate ao abuso e à exploração sexual de crianças e adolescentes
  • 18 de maio: Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes

Recomendações

Com base na análise dos dados e no contexto apresentado, este relatório propõe as seguintes recomendações para o enfrentamento da violência sexual contra crianças e adolescentes no Brasil:

Prevenção

Educação Sexual nas Escolas:

  • Implementar programas de educação sexual adequados à idade, que ensinem crianças e adolescentes sobre consentimento, limites corporais e como identificar e denunciar abusos.

Capacitação de Profissionais:

  • Investir na formação continuada de professores, profissionais de saúde, assistentes sociais e policiais para identificar sinais de abuso e realizar atendimento adequado.

Campanhas de Conscientização:

  • Ampliar campanhas públicas que desmistifiquem o perfil do agressor e incentivem denúncias, enfatizando que a maioria dos abusos ocorre dentro de casa.

Fortalecimento das Famílias:

  • Desenvolver programas de apoio a famílias em situação de vulnerabilidade social, incluindo orientação parental e acesso a serviços de saúde mental.

Detecção e Notificação

Melhoria dos Sistemas de Notificação:

  • Integrar os sistemas de notificação de saúde e registros policiais para evitar duplicidades e melhorar a qualidade dos dados.

Facilitação de Denúncias:

  • Ampliar e divulgar canais de denúncia, incluindo plataformas digitais acessíveis e anônimas.

Protocolo de Atendimento:

  • Padronizar protocolos de atendimento em serviços de saúde, escolas e delegacias para garantir acolhimento adequado e evitar revitimização.

Responsabilização

Celeridade Processual:

  • Priorizar processos envolvendo crimes sexuais contra crianças e adolescentes, com metas de tempo para conclusão de investigações e julgamentos.

Especialização:

  • Criar varas especializadas em crimes contra crianças e adolescentes em todas as comarcas.

Monitoramento de Agressores:

  • Implementar sistemas de monitoramento de condenados por crimes sexuais após o cumprimento da pena.

Proteção e Atendimento

Rede Integrada:

  • Fortalecer a articulação entre os serviços de saúde, assistência social, educação, justiça e segurança pública.

Atendimento Psicossocial:

  • Ampliar a oferta de atendimento psicológico e psiquiátrico especializado para vítimas e suas famílias.

Acolhimento Institucional:

  • Melhorar a qualidade dos serviços de acolhimento institucional, garantindo ambientes seguros e acolhedores.

Pesquisa e Monitoramento

Estudos de Prevalência:

  • Realizar pesquisas nacionais de vitimização para estimar a real dimensão da violência sexual infantil no Brasil.

Avaliação de Políticas:

  • Implementar sistemas de monitoramento e avaliação das políticas públicas de prevenção e enfrentamento.

Transparência de Dados:

  • Garantir a publicação regular e acessível de dados desagregados sobre violência sexual infantil.

O Envolvimento de Mulheres
nos Casos de Abuso Sexual Infantil

O Perfil Predominantemente Masculino dos Agressores

Os dados oficiais brasileiros são categóricos ao apontar que a violência sexual contra crianças e adolescentes é um crime cometido predominantemente por homens. O Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2024, ao analisar os registros policiais de estupro e estupro de vulnerável, indica que quase a totalidade dos agressores é do sexo masculino. Esta constatação é consistente com estudos internacionais sobre o tema, que apontam para uma participação masculina superior a 95% nos casos de abuso sexual infantil.

A predominância masculina entre os agressores não é um fenômeno isolado ou específico do Brasil, mas uma característica global da violência sexual. Essa realidade está profundamente relacionada a questões de gênero, poder e socialização masculina em sociedades patriarcais, onde o controle sobre corpos femininos e infantis é historicamente naturalizado e, em muitos contextos, tolerado.

Mulheres como Agressoras Ativas: Uma Minoria Significativa

Embora representem uma pequena fração do total, mulheres também cometem abuso sexual contra crianças e adolescentes. Estudos internacionais, citados pela Folha de S.Paulo em reportagem de 1998, estimam que mulheres representam aproximadamente 3% do universo de abusadores. No Brasil, dados oficiais desagregados por sexo do agressor são escassos, mas pesquisas acadêmicas e casos judiciais documentam a existência dessa realidade.

Os casos de abuso sexual cometido por mulheres apresentam características específicas que os diferenciam dos casos perpetrados por homens. Frequentemente, as agressoras são mães, madrastas, cuidadoras ou professoras, ou seja, pessoas em posição de autoridade e confiança em relação à vítima. O abuso pode ocorrer de forma isolada ou em conjunto com um parceiro masculino. Em alguns casos, a mulher é coagida ou manipulada pelo parceiro a participar do abuso, enquanto em outros age de forma independente.

É importante destacar que, embora numericamente minoritários, os casos de abuso sexual cometido por mulheres causam danos psicológicos profundos e específicos nas vítimas. A violação da relação de cuidado e proteção, especialmente quando a agressora é a mãe, pode gerar traumas particularmente complexos, incluindo confusão sobre identidade de gênero, dificuldades em estabelecer vínculos de confiança e sentimentos intensos de culpa e vergonha.

A subnotificação de casos envolvendo agressoras mulheres tende a ser ainda maior do que nos casos com agressores homens, devido a diversos fatores: o tabu social em torno da ideia de que mulheres podem ser abusadoras sexuais, a dificuldade das vítimas em reconhecer e nomear o abuso quando cometido por uma figura materna, e a resistência de profissionais e instituições em acreditar e investigar adequadamente essas denúncias.

O Crime de Estupro por Omissão:
A Responsabilidade Materna

Além da participação ativa no abuso, a legislação brasileira reconhece e tipifica o crime de estupro por omissão, uma forma de envolvimento que tem gerado debates jurídicos e sociais importantes. A Cartilha Maio Laranja, publicada pelo Ministério dos Direitos Humanos em 2020, apresenta um caso concreto que ilustra essa modalidade de crime: “Mãe que não esboça reação para impedir que seu companheiro obrigue a filha menor de idade a manter relações sexuais”.

O crime de omissão ocorre quando uma pessoa, tendo o dever legal de agir para impedir um resultado criminoso, deixa de fazê-lo. No contexto do abuso sexual infantil intrafamiliar, a mãe que tem conhecimento ou forte suspeita de que seu filho ou filha está sendo abusado pelo padrasto, pai ou outro familiar, e não toma medidas para proteger a criança, pode ser responsabilizada criminalmente por omissão.

A questão da omissão materna é extremamente complexa e não pode ser compreendida de forma simplista ou punitiva. Pesquisas acadêmicas sobre o tema revelam que as mães de crianças abusadas frequentemente se encontram em situações de extrema vulnerabilidade e violência. Muitas dessas mulheres são, elas próprias, vítimas de violência doméstica por parte do agressor, vivendo sob constante ameaça e controle coercitivo.

Fatores que Contribuem para a Omissão Materna

A literatura científica identifica diversos fatores que podem contribuir para a omissão materna em casos de abuso sexual infantil intrafamiliar. Compreender esses fatores é fundamental para evitar a culpabilização simplista das mães e para desenvolver intervenções eficazes que protejam tanto as crianças quanto as mulheres em situação de violência.

Dependência Emocional e Financeira: Muitas mulheres dependem economicamente do agressor para sua sobrevivência e de seus filhos. O medo de perder a única fonte de renda, de ficar sem moradia ou de não conseguir sustentar a família pode paralisar a capacidade de ação da mãe, mesmo diante da suspeita ou conhecimento do abuso.

Violência Doméstica e Controle Coercitivo: Quando a mãe é vítima de violência física, psicológica ou sexual por parte do agressor, sua capacidade de proteger os filhos fica comprometida. O agressor frequentemente utiliza ameaças, intimidação e violência para silenciar tanto a mãe quanto a criança. Em situações de controle coercitivo extremo, a mulher pode estar tão subjugada que perde a capacidade de avaliar a situação e tomar decisões autônomas.

Negação Psicológica: Diante de uma realidade tão dolorosa e inaceitável quanto o abuso sexual de um filho, algumas mães desenvolvem mecanismos de negação psicológica. Elas podem minimizar sinais evidentes, reinterpretar comportamentos suspeitos ou simplesmente se recusar a acreditar que o abuso está ocorrendo. Essa negação não é uma escolha consciente, mas um mecanismo de defesa psicológica diante de uma situação traumática.

Histórico Pessoal de Violência: Mulheres que foram vítimas de abuso sexual na infância ou que cresceram em ambientes de violência podem ter dificuldade em reconhecer e nomear o abuso quando ele ocorre com seus filhos. A normalização da violência, resultado de suas próprias experiências traumáticas, pode dificultar a percepção da gravidade da situação.

Pressão Social e Familiar: A pressão para manter a família unida, especialmente em contextos culturais onde a separação é estigmatizada, pode levar mães a tolerarem situações de abuso na esperança de que cessem ou na crença de que é seu dever preservar o núcleo familiar a qualquer custo.

Falta de Rede de Apoio: Mulheres isoladas socialmente, sem familiares ou amigos próximos, sem acesso a informações sobre direitos e serviços de proteção, enfrentam barreiras enormes para denunciar e interromper o abuso. A ausência de uma rede de apoio torna ainda mais difícil romper com a situação de violência.

Implicações para Políticas Públicas

A compreensão do envolvimento feminino nos casos de abuso sexual infantil, seja como agressoras ativas ou por omissão, tem implicações importantes para o desenvolvimento de políticas públicas. É fundamental que programas de prevenção e intervenção reconheçam que, embora a maioria dos agressores seja do sexo masculino, mulheres também podem perpetrar violência sexual contra crianças.

Profissionais que atuam na linha de frente do atendimento a crianças e adolescentes devem ser capacitados para identificar e abordar casos envolvendo agressoras mulheres, superando preconceitos e estereótipos que podem dificultar o reconhecimento dessa realidade. Ao mesmo tempo, é essencial que as intervenções em casos de omissão materna sejam sensíveis ao contexto de violência doméstica e vulnerabilidade em que muitas dessas mulheres se encontram.

Programas de apoio a mães em situação de vulnerabilidade, incluindo acesso a moradia segura, independência financeira, atendimento psicológico e orientação sobre como proteger seus filhos, são fundamentais para prevenir a omissão e fortalecer a capacidade protetiva das famílias. A punição isolada, sem compreensão do contexto e sem oferta de suporte, pode agravar a situação de vulnerabilidade das crianças e das próprias mães.


Distribuição Geográfica
da Violência Sexual Infantil no Brasil

A Amazônia Legal como Epicentro da Violência

A análise da distribuição geográfica dos casos de violência sexual contra crianças e adolescentes no Brasil revela uma concentração alarmante na região da Amazônia Legal. Estudo divulgado em agosto de 2025 pelo UNICEF (Fundo das Nações Unidas para a Infância) e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública demonstra que seis dos dez estados brasileiros com as maiores taxas de violência sexual infantil em 2023 estão localizados na Amazônia Legal.

Entre 2021 e 2023, a Amazônia Legal registrou mais de 38 mil casos de estupro e estupro de vulnerável contra crianças e adolescentes, além de quase 3 mil mortes violentas intencionais dessa população. Esses números não apenas evidenciam a gravidade da situação na região, mas também revelam desigualdades estruturais profundas que tornam crianças e adolescentes amazônicos particularmente vulneráveis à violência.

Em 2023, a taxa de violência sexual na Amazônia Legal foi de 141,3 casos por 100 mil crianças e adolescentes, índice 21,4% superior à média nacional de 116,4 casos por 100 mil. Além disso, o crescimento dos casos na região foi mais que o dobro do observado no restante do país: entre 2021 e 2022, a Amazônia Legal registrou aumento de 26,4% nos casos de violência sexual, enquanto a média nacional foi de 12,5%.

Ranking dos Estados com Maiores Taxas de Violência Sexual Infantil

A tabela a seguir apresenta os seis estados da Amazônia Legal que lideram o ranking nacional de violência sexual contra crianças e adolescentes, com dados referentes ao ano de 2023:

PosiçãoEstadoTaxa (por 100 mil)Região
Rondônia234,2Amazônia Legal
Roraima228,7Amazônia Legal
Mato Grosso188,0Amazônia Legal
Pará174,8Amazônia Legal
Tocantins174,2Amazônia Legal
Acre163,7Amazônia Legal
Média Nacional116,4

Rondônia, que ocupa o primeiro lugar no ranking nacional, apresenta uma taxa de 234,2 casos por 100 mil crianças e adolescentes, mais do que o dobro da média nacional. Roraima, em segundo lugar, registra 228,7 casos por 100 mil. Mesmo o sexto colocado, Acre, com 163,7 casos por 100 mil, apresenta taxa 40,7% superior à média nacional.

Esses números revelam que a violência sexual infantil na Amazônia Legal não é um problema localizado em um ou dois estados, mas uma questão regional que afeta toda a área, exigindo políticas públicas coordenadas e específicas para o contexto amazônico.

Desigualdade Racial na Amazônia Legal

Uma das características mais marcantes da violência sexual infantil na Amazônia Legal é a profunda desigualdade racial que caracteriza o fenômeno. O estudo do UNICEF e do FBSP revela que 81% das vítimas de estupro na Amazônia Legal são crianças e adolescentes pretos ou pardos, enquanto brancos representam 17% e indígenas 2,6% das vítimas.

Esse perfil racial das vítimas contrasta fortemente com o observado no restante do Brasil, onde a maior incidência de violência sexual atinge meninos e meninas brancos. A tabela a seguir compara o perfil racial das vítimas na Amazônia Legal e no restante do país:

Raça/CorAmazônia LegalRestante do Brasil
Negros (Pretos e Pardos)81%~44% (minoria)
Brancos17%~53% (maioria)
Indígenas2,6%~1%

Essa disparidade evidencia que a violência sexual infantil na Amazônia Legal está profundamente entrelaçada com o racismo estrutural brasileiro. Crianças e adolescentes negros e indígenas da região enfrentam múltiplas vulnerabilidades que os tornam alvos preferenciais da violência: pobreza, falta de acesso a serviços públicos de qualidade, discriminação, e a ausência de políticas públicas efetivas de proteção.

A Situação Crítica dos Povos Indígenas

A situação dos povos indígenas na Amazônia Legal merece atenção especial. Entre 2021 e 2023, 94 crianças e adolescentes indígenas foram mortos de forma violenta na região. Além disso, os registros de violência sexual contra esse grupo aumentaram 151% no período analisado, um crescimento explosivo que revela a extrema vulnerabilidade dessa população.

Entre as meninas indígenas de 10 a 14 anos, a taxa de violência sexual atinge o patamar alarmante de 731,7 casos por 100 mil habitantes. Para contextualizar a gravidade desse número, essa taxa é mais de seis vezes superior à média nacional e mais de cinco vezes superior à taxa geral da Amazônia Legal. Trata-se de uma verdadeira epidemia de violência sexual contra meninas indígenas, que ocorre em um contexto de invasões territoriais, conflitos fundiários e ausência do Estado.

A violência contra crianças e adolescentes indígenas está intimamente relacionada aos conflitos territoriais que marcam a Amazônia Legal. A invasão de terras indígenas por grileiros, garimpeiros e madeireiros ilegais não apenas destrói o meio ambiente, mas também expõe as comunidades indígenas a diversos tipos de violência, incluindo a sexual. Meninas indígenas são particularmente vulneráveis à exploração sexual em áreas de garimpo e em contextos de tráfico de drogas.

Vulnerabilidade em Áreas de Fronteira

Outro achado importante do estudo do UNICEF e do FBSP é a maior vulnerabilidade de crianças e adolescentes que vivem em municípios próximos às fronteiras internacionais. A pesquisa demonstra que municípios localizados a até 150 quilômetros das fronteiras brasileiras apresentam taxas significativamente mais elevadas de violência sexual infantil.

A tabela a seguir compara as taxas de violência sexual em municípios fronteiriços e não-fronteiriços da Amazônia Legal:

LocalizaçãoTaxa (por 100 mil)Diferença
Municípios Fronteiriços (até 150 km)166,5+21,7%
Municípios Não-Fronteiriços136,8

A taxa de 166,5 casos por 100 mil em municípios fronteiriços é 21,7% superior à observada em cidades não-fronteiriças da mesma região. Essa diferença está relacionada a características específicas das áreas de fronteira: presença de rotas de tráfico internacional de drogas, maior dificuldade de fiscalização e presença do Estado, fluxo migratório intenso, presença de redes de exploração sexual, e contextos de maior vulnerabilidade social.

Perfil das Vítimas na Amazônia Legal

A análise do perfil das vítimas de violência sexual na Amazônia Legal revela que meninas de 10 a 14 anos que vivem em áreas rurais são o grupo mais vulnerável. Nessa faixa etária e contexto geográfico, a taxa de violência sexual atinge 308 casos por 100 mil habitantes, mais de 2,6 vezes a média nacional.

A maior vulnerabilidade das meninas em áreas rurais está relacionada a diversos fatores: isolamento geográfico e dificuldade de acesso a serviços de proteção, maior tolerância social à violência em contextos rurais tradicionais, menor escolarização e acesso à informação, dependência econômica de estruturas familiares patriarcais, e ausência de redes de apoio e denúncia.

Mortes Violentas e Letalidade Policial

Além da violência sexual, crianças e adolescentes da Amazônia Legal enfrentam taxas alarmantes de mortes violentas. O estudo do UNICEF e do FBSP revela que crianças e adolescentes negros da região têm três vezes mais chances de serem assassinados do que brancos. Essa desigualdade racial na letalidade violenta evidencia o racismo estrutural que permeia as instituições e a sociedade brasileira.

Particularmente preocupante é a alta letalidade policial na região. Entre as vítimas de mortes decorrentes de intervenção policial na Amazônia Legal, 91,8% eram negras, 7,9% brancas e 0,3% indígenas. Esses números revelam que a violência do Estado se soma à violência social, vitimizando de forma desproporcional crianças e adolescentes negros.

Adolescentes de 15 a 19 anos que vivem em áreas urbanas da Amazônia Legal estão 27% mais expostos à violência letal do que jovens da mesma faixa etária em outras partes do país. Esse dado evidencia que, além da violência sexual, os adolescentes amazônicos enfrentam múltiplas formas de violência que ameaçam suas vidas e seu desenvolvimento.

Maus-Tratos na Amazônia Legal

Entre 2021 e 2023, a Amazônia Legal registrou 10.125 casos de maus-tratos contra crianças e adolescentes. Em 2023, a taxa foi de 52,9 casos por 100 mil, ligeiramente acima da média nacional de 52,0 casos por 100 mil. A análise desses casos revela padrões consistentes com os observados na violência sexual: na maioria dos casos, os agressores eram familiares (94,7%) e o crime ocorreu dentro de casa (67,6%), tendo como principais vítimas meninas negras de 5 a 9 anos.

Esses dados reforçam a compreensão de que a violência contra crianças e adolescentes na Amazônia Legal é predominantemente intrafamiliar e ocorre em contextos de vulnerabilidade social. As meninas negras, especialmente as mais jovens, são as principais vítimas de múltiplas formas de violência: sexual, física e psicológica.

Fatores Contextuais da Amazônia Legal

A alta incidência de violência sexual e outras formas de violência contra crianças e adolescentes na Amazônia Legal não pode ser compreendida de forma isolada. O estudo do UNICEF e do FBSP identifica diversos fatores contextuais específicos da região que contribuem para a vulnerabilidade dessa população.

Conflitos Territoriais: A Amazônia Legal é palco de intensos conflitos territoriais envolvendo povos indígenas, comunidades tradicionais, pequenos agricultores, grileiros, grandes proprietários rurais e empresas. Esses conflitos frequentemente resultam em violência, incluindo ameaças, expulsões forçadas e assassinatos. Crianças e adolescentes que vivem em áreas de conflito estão expostos a múltiplas formas de violência, incluindo a sexual.

Crimes Ambientais: O desmatamento ilegal, o garimpo clandestino e o tráfico de animais silvestres são atividades criminosas amplamente disseminadas na Amazônia Legal. Essas atividades atraem indivíduos envolvidos em outras formas de criminalidade e criam contextos de ausência de lei onde a violência prospera. Áreas de garimpo, em particular, são conhecidas por altos índices de exploração sexual de meninas e adolescentes.

Tráfico de Drogas: A Amazônia Legal abriga importantes rotas de tráfico internacional de drogas, especialmente cocaína produzida em países vizinhos. A presença de organizações criminosas ligadas ao tráfico contribui para o aumento da violência na região e para a exploração de crianças e adolescentes, que podem ser aliciados para o tráfico ou para a exploração sexual.

Exploração Sexual em Rodovias: A Amazônia Legal possui extensas rodovias federais e estaduais onde foram identificados centenas de pontos de exploração sexual de crianças e adolescentes. Caminhoneiros, viajantes e trabalhadores temporários são frequentemente envolvidos nessa forma de exploração, que ocorre em postos de gasolina, bares e hotéis ao longo das estradas.

Vulnerabilidade Social e Pobreza: A Amazônia Legal concentra municípios com baixos índices de desenvolvimento humano, altas taxas de pobreza e extrema pobreza, e acesso limitado a serviços públicos de qualidade. Famílias em situação de vulnerabilidade social têm menor capacidade de proteger suas crianças e adolescentes, que ficam mais expostos à violência e à exploração.

Distâncias Geográficas e Isolamento: A vastidão territorial da Amazônia e as grandes distâncias entre comunidades e centros urbanos dificultam o acesso a delegacias, hospitais, escolas e serviços de assistência social. Esse isolamento geográfico contribui para a subnotificação de casos de violência e dificulta a intervenção oportuna para proteger vítimas.

Racismo Estrutural: A discriminação contra populações negras e indígenas permeia as instituições públicas e a sociedade amazônica. Esse racismo estrutural se manifesta na menor prioridade dada à proteção de crianças e adolescentes negros e indígenas, na naturalização da violência contra esses grupos, e na impunidade dos agressores.

Outras Regiões com Taxas Elevadas

Embora a Amazônia Legal concentre os maiores índices de violência sexual infantil no Brasil, outras regiões também apresentam taxas preocupantes que merecem atenção.

Mato Grosso do Sul: Historicamente, o Mato Grosso do Sul aparece entre os estados com as maiores taxas de estupro do país. Dados do 11º Anuário de Segurança Pública, divulgado em 2017, apontavam o estado como líder nacional em taxa de estupros. Embora tenha sido ultrapassado por estados da Amazônia Legal nos anos recentes, o Mato Grosso do Sul continua apresentando índices elevados.

Centro-Oeste: Além do Mato Grosso (que faz parte da Amazônia Legal), outros estados e municípios do Centro-Oeste apresentam taxas elevadas. Em 2025, cidades como Sorriso e Tangará da Serra, no Mato Grosso, apareceram entre as dez primeiras colocadas no ranking nacional de taxas de estupro, evidenciando a gravidade do problema na região.

Interior de São Paulo: Surpreendentemente, algumas cidades do interior paulista aparecem entre as 50 com maiores taxas de estupro no país. Botucatu, Ourinhos e Barretos foram identificadas como as únicas três cidades de São Paulo a figurar nesse ranking em 2024. Esse dado desconstrói a ideia de que a violência sexual infantil é um problema exclusivo de regiões pobres ou remotas, evidenciando que o fenômeno atravessa diferentes contextos socioeconômicos.


Recomendações Específicas

Para o Enfrentamento do Envolvimento Feminino

Capacitação de Profissionais: É fundamental que profissionais que atuam no atendimento a crianças e adolescentes sejam capacitados para identificar e abordar casos envolvendo agressoras mulheres, superando estereótipos de gênero que podem dificultar o reconhecimento dessa realidade.

Programas de Apoio a Mães em Situação de Vulnerabilidade: Desenvolver programas que ofereçam suporte psicológico, orientação jurídica, acesso a moradia segura e independência financeira para mães em situação de violência doméstica, fortalecendo sua capacidade de proteger seus filhos.

Abordagem Contextualizada da Omissão: Em casos de omissão materna, é essencial avaliar o contexto de violência doméstica e vulnerabilidade em que a mulher se encontra, evitando a punição isolada e oferecendo suporte para romper com o ciclo de violência.

Pesquisas sobre Agressoras Mulheres: Investir em pesquisas acadêmicas que investiguem as características, motivações e contextos dos casos de abuso sexual cometido por mulheres, para subsidiar o desenvolvimento de políticas públicas adequadas.

Para a Amazônia Legal

O UNICEF e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública recomendam medidas específicas para a região:

Enfrentamento ao Racismo Estrutural: Implementar políticas públicas que reconheçam e combatam o racismo estrutural que torna crianças e adolescentes negros e indígenas mais vulneráveis à violência.

Fortalecimento de Políticas de Proteção a Povos Indígenas: Garantir o respeito aos direitos territoriais dos povos indígenas, combater invasões de terras indígenas, e desenvolver programas de proteção culturalmente adequados.

Controle do Uso da Força pelas Polícias: Reduzir a letalidade policial contra adolescentes, especialmente negros, através de capacitação, protocolos de uso da força e responsabilização de agentes envolvidos em mortes injustificadas.

Capacitação de Profissionais: Formar profissionais de saúde, educação, assistência social e segurança pública considerando as particularidades do contexto amazônico, incluindo questões de diversidade cultural, isolamento geográfico e conflitos territoriais.

Aprimoramento dos Sistemas de Registro: Melhorar a coleta, sistematização e monitoramento de dados sobre violência contra crianças e adolescentes na região, incluindo desagregação por raça/cor, localização geográfica e tipo de violência.

Consideração das Particularidades Regionais: Desenvolver políticas públicas adaptadas ao contexto amazônico, considerando as grandes distâncias, a diversidade cultural, os conflitos territoriais e a presença de crimes ambientais e tráfico de drogas.

Combate à Exploração Sexual em Rodovias: Intensificar a fiscalização e o combate aos pontos de exploração sexual de crianças e adolescentes identificados ao longo das rodovias da região.

Fortalecimento da Rede de Proteção: Ampliar a presença e a articulação dos serviços de proteção à criança e ao adolescente na Amazônia Legal, garantindo cobertura em áreas remotas e de difícil acesso.


A análise comparativa dos dados de violência sexual contra crianças e adolescentes no Brasil entre 2018 e 2025 revela um cenário extremamente preocupante. O crescimento de 30,9% nos registros policiais no período, atingindo 87.545 vítimas em 2024, representa não apenas números, mas vidas marcadas por traumas profundos e duradouros.

Os dados evidenciam que a violência sexual infantil no Brasil é um problema estrutural, enraizado em desigualdades sociais, culturais e de gênero. A maioria das vítimas são crianças vulneráveis, menores de 14 anos, e os crimes ocorrem predominantemente dentro do ambiente familiar, perpetrados por pessoas de confiança. Esse contexto torna a denúncia extremamente difícil e contribui para a alta taxa de subnotificação.

É fundamental compreender que os números apresentados neste relatório representam apenas uma fração do problema real. A subnotificação, tanto nos registros policiais quanto nas notificações de saúde, significa que milhares de crianças e adolescentes sofrem em silêncio, sem acesso à proteção e ao apoio de que necessitam.

O enfrentamento efetivo da violência sexual infantil exige uma abordagem multissetorial e integrada, que combine prevenção, detecção precoce, responsabilização dos agressores e proteção das vítimas. É necessário investimento em políticas públicas, capacitação de profissionais, fortalecimento da rede de proteção e mudanças culturais profundas.

Já análise do envolvimento de mulheres nos casos de abuso sexual infantil e da distribuição geográfica desses crimes no Brasil revela aspectos fundamentais para a compreensão do fenômeno e o desenvolvimento de políticas públicas eficazes.

Quanto ao envolvimento feminino, os dados confirmam que a violência sexual contra crianças e adolescentes é um crime cometido predominantemente por homens, mas também evidenciam que mulheres podem estar envolvidas, seja como agressoras ativas (aproximadamente 3% dos casos) ou por omissão. A compreensão da omissão materna deve ser contextualizada dentro das dinâmicas de violência doméstica e vulnerabilidade social, evitando a culpabilização simplista e oferecendo suporte para que as mães possam proteger seus filhos.

Quanto à distribuição geográfica, a Amazônia Legal emerge como a região mais crítica do país, com taxas de violência sexual infantil 21,4% superiores à média nacional e crescimento mais que o dobro do observado no restante do Brasil. Seis dos dez estados com maiores taxas estão na Amazônia Legal, com Rondônia liderando o ranking nacional. A situação é particularmente grave para crianças e adolescentes negros e indígenas, que representam 81% das vítimas na região.

Os dados revelam que a violência sexual infantil na Amazônia Legal está profundamente entrelaçada com questões estruturais: racismo, conflitos territoriais, crimes ambientais, tráfico de drogas, pobreza, isolamento geográfico e ausência do Estado. O enfrentamento efetivo do problema exige políticas públicas coordenadas, específicas para o contexto amazônico, e que reconheçam e combatam as desigualdades raciais e sociais que tornam determinados grupos de crianças e adolescentes mais vulneráveis.

A proteção de crianças e adolescentes contra a violência sexual é um imperativo ético e legal que exige o comprometimento de toda a sociedade brasileira. Os dados apresentados neste relatório são um chamado urgente à ação, especialmente para a proteção das populações mais vulneráveis: meninas negras e indígenas da Amazônia Legal, que enfrentam múltiplas formas de violência e discriminação em um contexto de profunda desigualdade estrutural


Fontes e Referências

Fontes Primárias

Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP)

  • Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2023 (17ª Edição)
  • Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2024 (18ª Edição)
  • Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2025 (19ª Edição)
  • URL: https://forumseguranca.org.br/

Ministério da Saúde

Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania

  • Ouvidoria Nacional dos Direitos Humanos – Disque 100
  • Dados de denúncias de violações contra crianças e adolescentes (2024)
  • URL: https://www.gov.br/mdh/

Fontes Secundárias

Agência Brasil

CNN Brasil

G1 Globo

Legislação

Constituição Federal de 1988 – Artigo 227

Lei 8.069/1990 – Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA)

Código Penal Brasileiro – Artigo 217-A (Estupro de Vulnerável)

Lei 13.431/2017 – Lei da Escuta Protegida

Lei 13.718/2018 – Tipificação de crimes de importunação sexual


Anexos

Anexo A: Glossário

Estupro: Crime previsto no artigo 213 do Código Penal, que consiste em constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso.

Estupro de Vulnerável: Crime previsto no artigo 217-A do Código Penal, que consiste em ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 anos ou com alguém que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência.

Notificação Compulsória: Comunicação obrigatória à autoridade de saúde sobre a ocorrência de determinados agravos à saúde, incluindo violência sexual. Prevista na Lei 10.778/2003.

Subnotificação: Fenômeno em que casos reais de um determinado agravo não são registrados nos sistemas oficiais de informação.

Revitimização: Processo pelo qual a vítima de violência é submetida novamente a situações traumáticas durante o atendimento por profissionais ou instituições, como repetição de depoimentos, falta de acolhimento adequado, exposição desnecessária, etc.

Vulnerabilidade Social: Condição de indivíduos ou grupos que, por diversos fatores (pobreza, discriminação, falta de acesso a serviços, etc.), estão mais expostos a riscos e têm menor capacidade de enfrentá-los.

Anexo B: Canais de Denúncia

Disque 100 (Disque Direitos Humanos)

Disque 180 (Central de Atendimento à Mulher)

  • Telefone: 180 (gratuito, 24 horas)

Conselho Tutelar

  • Presente em todos os municípios brasileiros
  • Busque o endereço e telefone do Conselho Tutelar de sua cidade

Delegacias Especializadas

  • Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente (DPCA)
  • Delegacia da Mulher (DEAM)

Ministério Público

  • Cada estado possui canais de denúncia online e presenciais

Safernet Brasil


Data do Relatório: 22 de outubro de 2025

Elaboração: Análise baseada em dados públicos oficiais do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Ministério da Saúde e Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania.

Nota: Este relatório tem caráter informativo e analítico, destinado a subsidiar discussões sobre políticas públicas e ações de enfrentamento à violência sexual contra crianças e adolescentes no Brasil.

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