20 – Grooming – Aliciamento OnLine
Grooming - Como os aliciadores virtuais cooptam as crianças
Grooming – No espaço digital, onde as interações são mediadas por telas e avatares, um tipo insidioso de violência toma forma. Conhecido como grooming, ou aliciamento online, este não é um ato de impulso, mas uma campanha de manipulação psicológica meticulosamente orquestrada. Um predador, operando sob o anonimato, estabelece um laço de confiança com uma criança ou adolescente com o propósito final de abuso e exploração sexual.
Compreender este fenômeno exige que se olhe para a estrutura mental do agressor. É um campo onde a psicologia forense, a psiquiatria e a neurociência se unem para traçar o perfil de um indivíduo que explora as vulnerabilidades mais fundamentais do desenvolvimento humano para satisfazer seus próprios desejos.
Esses indivíduos frequentemente apresentam uma combinação de traços de personalidade, distorções cognitivas e, em alguns casos, anomalias neuropsiquiátricas que motivam e facilitam seu comportamento.
O Perfil Psicológico do Predador
Para entender o grooming, é preciso primeiro entender quem é o agressor. Uma pesquisa publicada na Revista de Psiquiatria Clínica pela Universidade de São Paulo (USP) destaca que a maioria dos agressores sexuais de crianças não se encaixa em um estereótipo criminal óbvio. Eles podem pertencer a qualquer classe socioeconômica, etnia ou religião, e muitos mantêm empregos estáveis e uma fachada de normalidade em suas comunidades.
O que os une não é um perfil demográfico, mas um conjunto de características psicológicas e comportamentais. A pedra angular de sua personalidade é, frequentemente, uma capacidade acentuada para a manipulação e a decepção. Eles são mestres em criar uma persona online que seja atraente para a vítima-alvo, seja fingindo ser um adolescente com os mesmos interesses ou um adulto compreensivo e solidário. Essa habilidade camaleônica é fundamental para o sucesso do aliciamento.
Associado a isso, muitos predadores exibem traços de transtornos de personalidade, com destaque para o narcisismo. Um estudo sobre a detecção de traços de narcisismo em conversas de predadores sexuais apontou que esses indivíduos exploram as pessoas com quem se relacionam para atingir seus objetivos.
O narcisismo se manifesta em uma necessidade grandiosa de admiração, uma falta de empatia pelas necessidades e sentimentos dos outros e uma crença de que são especiais e merecedores de tratamento diferenciado. Para o predador, a criança não é vista como um ser humano com direitos e sentimentos, mas como um objeto para sua própria gratificação. A interação é inteiramente egocêntrica.
Uma das ferramentas psicológicas mais poderosas do predador é o uso de distorções cognitivas. Trata-se de um sistema de crenças irracionais que lhes permite justificar seu comportamento para si mesmos, neutralizando a culpa e a dissonância cognitiva. O estudo da USP descreve como esses criminosos racionalizam suas ações, convencendo-se de que não estão cometendo um crime. As distorções mais comuns incluem:
- Projeção e Negação do Dano: O agressor projeta seus próprios desejos na vítima, convencendo-se de que a criança também deseja o contato sexual. Ele interpreta qualquer sinal de atenção ou amizade como um convite, uma resposta positiva aos seus avanços. Ele nega ativamente que seu comportamento seja prejudicial, minimizando o impacto e, por vezes, acreditando que está “educando” ou “amando” a criança.
– - Culpabilização da Vítima: O predador pode acreditar que a criança é sedutora ou que o provocou de alguma forma, transferindo a responsabilidade por seus atos.
– - Justificativa Nobre: Alguns agressores se veem como “salvadores” ou “protetores”, especialmente se a vítima vem de um ambiente familiar conturbado. Eles se convencem de que estão oferecendo o afeto e a atenção que a criança não recebe em casa.
Essa capacidade de autoengano é crucial. Ela permite que o predador mantenha uma autoimagem positiva (ou, pelo menos, não monstruosa) enquanto planeja e executa atos de abuso. A falta de empatia, um traço central, impede que ele se conecte emocionalmente com o sofrimento real de sua vítima. Ele pode entender intelectualmente que a sociedade condena suas ações, mas é incapaz de sentir o peso moral delas.
Tipologias e Perfilamento Criminal
No campo do perfilamento criminal, não existe um único tipo de predador online. Especialistas desenvolveram várias tipologias para classificar os agressores com base em suas motivações, métodos e relacionamento com a vítima. Essas classificações são ferramentas vitais para investigações, pois ajudam a prever o comportamento do criminoso e a desenvolver estratégias de intervenção.
Uma das classificações mais utilizadas divide os agressores em duas categorias principais com base em sua orientação sexual e desenvolvimento:
- O Agressor Fixado: Este tipo de predador tem uma preferência sexual primária e persistente por crianças pré-púberes. Sua atração não é situacional; é uma parte central de sua identidade sexual. Eles são frequentemente descritos como mais pacientes, manipuladores e focados em estabelecer um relacionamento emocional com a vítima como parte do processo de sedução. O grooming é sua principal ferramenta. Eles tendem a ter poucas ou nenhuma relação sexual satisfatória com adultos.
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- O Agressor Regressivo: Diferentemente do fixado, o agressor regressivo tem uma orientação sexual primária por adultos, mas “regride” para o abuso de crianças em resposta a estresse, frustração ou oportunidades situacionais. O abuso é muitas vezes mais impulsivo e menos planejado. Este tipo pode incluir indivíduos com dificuldades em seus relacionamentos adultos, que buscam em crianças uma fonte de poder, controle e gratificação sexual sem os desafios de uma parceria com um igual.
Outra forma de classificação se baseia no método utilizado para acessar a vítima:
- O Sedutor: Corresponde ao perfil clássico do groomer. Ele usa charme, manipulação e a construção de um vínculo emocional para seduzir a vítima. Seu crime é caracterizado por um longo período de preparação.
– - O Introvertido e Socialmente Inepto: Este agressor tem dificuldades significativas em interações sociais no mundo real. A internet se torna seu principal, senão único, campo de caça. O anonimato lhe dá a confiança que lhe falta na vida offline. Ele pode ser menos sofisticado em suas táticas de grooming, mas compensa com persistência.
– - O Sádico: Para este tipo, a gratificação sexual está intrinsecamente ligada ao sofrimento físico ou psicológico da vítima. O abuso é deliberadamente cruel, e a chantagem e a coerção são usadas não apenas como ferramentas de controle, mas como fontes de prazer.
O ambiente online permite que esses diferentes tipos operem com uma eficácia sem precedentes. A internet oferece um suprimento virtualmente infinito de potenciais vítimas, a capacidade de operar em múltiplos locais simultaneamente e, crucialmente, o anonimato que protege sua identidade real.
O perfilamento criminal no contexto digital, portanto, deve levar em conta não apenas a psicologia do indivíduo, mas também como a tecnologia molda e amplifica seus comportamentos predatórios.
A Biologia do Comportamento Desviante
Enquanto a psicologia descreve os comportamentos e os padrões de pensamento do predador, a psiquiatria e a neurociência buscam entender as bases biológicas e os transtornos mentais que podem estar em jogo. É importante fazer uma distinção crucial: nem todo agressor sexual de crianças tem o diagnóstico de transtorno pedofílico, e nem toda pessoa com transtorno pedofílico comete atos de abuso.
O Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5) define o Transtorno Pedofílico como uma parafilia caracterizada por fantasias, impulsos ou comportamentos sexuais recorrentes e intensos envolvendo crianças, que causam sofrimento clinicamente significativo ou prejuízo no funcionamento social do indivíduo, ou que foram postos em prática.
A simples atração por crianças, sem o sofrimento ou a atuação, é classificada como interesse sexual pedofílico, mas não como um transtorno mental. Muitos agressores, especialmente os do tipo regressivo, não preenchem os critérios para este transtorno. Suas ações podem ser motivadas por outros transtornos de personalidade (como o narcisista ou o antissocial), transtornos de controle de impulsos ou uma combinação de fatores psicológicos e situacionais. No entanto, para o agressor fixado, o transtorno pedofílico é frequentemente o diagnóstico central.
A neurociência tem começado a investigar se existem diferenças estruturais ou funcionais no cérebro desses indivíduos. Embora a pesquisa ainda seja preliminar e os resultados variados, alguns estudos sugerem possíveis anomalias. Uma revisão de literatura sobre a abordagem neuropsicológica do abuso sexual aponta para a possibilidade de alterações no funcionamento do córtex pré-frontal.
Esta região, responsável pelo julgamento, controle de impulsos e tomada de decisões, pode funcionar de maneira diferente em alguns agressores, contribuindo para sua incapacidade de inibir impulsos sexuais desviantes e de avaliar adequadamente as consequências de seus atos. Eles podem ter uma dificuldade neurológica em diferenciar “objetos sexuais” adequados de inadequados.
Outras pesquisas em neuroimagem, conforme resumido em um artigo sobre neuroanatomia de ofensores sexuais, exploram diferenças no volume de matéria cinzenta e branca em áreas ligadas ao processamento de recompensa, empatia e regulação emocional. Algumas hipóteses sugerem que pode haver uma desconexão entre o sistema de desejo sexual e os circuitos cerebrais que processam a empatia e a perspectiva do outro. O cérebro do predador pode processar a imagem de uma criança como um estímulo sexualmente excitante, sem que os circuitos de alarme moral ou de empatia sejam ativados de forma correspondente.
É fundamental, contudo, evitar um determinismo biológico. A existência de possíveis correlações neurológicas não absolve o indivíduo de sua responsabilidade criminal. O comportamento é um produto complexo da interação entre biologia, psicologia, ambiente e escolha pessoal. A neurociência não oferece uma “desculpa” para o abuso, mas sim uma janela para a compreensão dos mecanismos que podem predispor um indivíduo a tais comportamentos, o que pode, no futuro, levar a melhores estratégias de prevenção e tratamento para aqueles que buscam ajuda para seus impulsos.
As Etapas do Processo de Grooming
O grooming é um processo, não um evento. É uma estratégia de aproximação que segue um roteiro previsível, projetado para quebrar as barreiras de uma criança e torná-la cúmplice de seu próprio abuso. Cada etapa tem um objetivo psicológico claro, construindo a base para a próxima fase de manipulação.
- A Escolha do Alvo: O predador é um caçador paciente. Ele monitora fóruns online, salas de bate-papo de jogos e redes sociais em busca de presas. Ele procura por sinais de vulnerabilidade: um adolescente que posta sobre solidão, uma criança que se queixa dos pais, alguém que busca validação desesperadamente. Ele seleciona aqueles que parecem mais suscetíveis à sua atenção.
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- A Criação do Vínculo: O primeiro contato é a isca. O agressor se apresenta como alguém com interesses em comum, criando um terreno familiar. Ele se torna um “amigo” virtual, oferecendo elogios, apoio e um ouvido atento. A comunicação se torna diária, criando uma rotina de intimidade. Neste estágio, o predador está preenchendo um vazio emocional, seja ele real ou percebido, na vida da vítima. Ele se torna a pessoa que “realmente entende” a criança.
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- O Isolamento Estratégico: Uma vez que a confiança é estabelecida, o predador começa a tecer uma teia de isolamento ao redor da vítima. Ele pode sutilmente criticar os amigos e a família da criança, sugerindo que eles não a compreendem ou não a valorizam. Ele introduz a ideia de que o relacionamento deles é “especial” e deve ser mantido em segredo. Este segredo se torna um poderoso laço que une agressor e vítima, ao mesmo tempo que impede que a criança busque ajuda ou conselhos externos.
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- A Dessensibilização e a Sexualização: Com a vítima isolada e emocionalmente dependente, o agressor começa a testar os limites. Ele introduz o tema da sexualidade de forma gradual. Pode começar com perguntas sobre namoros, evoluir para conversas mais explícitas e, finalmente, chegar ao pedido de imagens íntimas. Ele pode usar uma variedade de pretextos: “se você confia em mim, me mande uma foto”, “estou apaixonado por você”, ou “eu também vou mandar uma foto minha”. O objetivo é normalizar o comportamento sexual e dessensibilizar a vítima, fazendo com que o que antes era impensável pareça um passo natural na amizade “especial” deles.
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- A Coerção e a Manutenção do Controle: Assim que o predador obtém material de exploração sexual, a dinâmica de poder se inverte completamente. A máscara de amigo cai, e o manipulador se revela um chantagista. Ele ameaça divulgar as imagens para a família, amigos ou escola se a vítima não fornecer mais material ou se recusar a obedecer a seus comandos, que podem incluir um encontro presencial. A vergonha, o medo e a culpa paralisam a vítima, que se sente presa e sem saída. O espaço digital que antes era um refúgio se torna uma cela de prisão.
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Este processo é devastadoramente eficaz porque ele não se baseia na força, mas na exploração das necessidades psicológicas mais básicas de um ser humano em desenvolvimento: a necessidade de pertencimento, de ser visto e de ser valorizado. O predador oferece uma versão distorcida e envenenada dessas coisas, e o cérebro adolescente, ainda em maturação e com uma capacidade de julgamento limitada, é particularmente suscetível a essa oferta.
Por Que Eles Fazem o Que Fazem?
Entender o perfil psicológico e as táticas do predador é apenas parte da equação. A questão que permanece é: o que motiva esses indivíduos a buscar crianças como alvos sexuais? As respostas são complexas e variam de acordo com o tipo de agressor, mas alguns temas comuns emergem da literatura psiquiátrica e criminológica.
Para o agressor fixado, a motivação é frequentemente enraizada em uma atração sexual primária por crianças. Esta atração pode ter origens multifatoriais. Alguns estudos sugerem que experiências de abuso sexual na própria infância podem desempenhar um papel, embora a maioria das vítimas de abuso infantil não se torne abusadora.
Outros apontam para fatores biológicos e neurológicos, como as diferenças no funcionamento cerebral já mencionadas. Há também teorias psicológicas que sugerem que o interesse por crianças pode estar relacionado a um desenvolvimento psicossexual interrompido ou distorcido, onde o indivíduo não conseguiu formar uma identidade sexual adulta saudável.
Para o agressor regressivo, as motivações são frequentemente mais situacionais e ligadas a questões de poder, controle e inadequação. Este tipo de predador pode recorrer a crianças quando se sente fracassado ou rejeitado em relacionamentos adultos.
A criança representa uma vítima mais fácil de controlar, alguém que não vai julgá-lo ou rejeitá-lo da mesma forma que um parceiro adulto. A gratificação sexual, neste caso, está frequentemente misturada com uma necessidade de domínio e uma fuga de sentimentos de impotência em outras áreas da vida. O abuso se torna uma forma distorcida de afirmação de poder.
Outro fator motivacional importante é a gratificação imediata e a ausência de consequências percebidas no ambiente online. A internet cria uma ilusão de anonimato e impunidade. O predador pode operar de qualquer lugar do mundo, usando identidades falsas e ferramentas de criptografia que dificultam o rastreamento.
Ele pode aliciar múltiplas vítimas simultaneamente, aumentando suas chances de “sucesso”. A facilidade de acesso e a sensação de invisibilidade reduzem as barreiras psicológicas que poderiam inibir seu comportamento no mundo físico. Ele não precisa enfrentar a vítima cara a cara, o que diminui a ativação de qualquer empatia residual que possa ter.
Além disso, muitos predadores online fazem parte de comunidades virtuais de ofensores, onde compartilham material de abuso, trocam técnicas de aliciamento e normalizam seus comportamentos. Essas comunidades funcionam como câmaras de eco, reforçando as distorções cognitivas e fornecendo validação social para atos que a sociedade em geral condena. A participação nesses grupos pode intensificar o comportamento criminoso, levando o indivíduo a buscar formas cada vez mais extremas de exploração.
Por fim, há uma motivação que não pode ser ignorada: a compulsão. Para alguns agressores, especialmente aqueles com transtorno pedofílico diagnosticado, o comportamento pode ter características compulsivas. Eles experimentam impulsos sexuais intensos e recorrentes que se sentem incapazes de controlar, mesmo quando reconhecem intelectualmente que suas ações são prejudiciais. Esta compulsão não é uma desculpa legal ou moral, mas é um fator clínico relevante quando se considera o tratamento e a prevenção de reincidência.
Uma Ameaça em Expansão
O grooming não é um crime isolado que afeta apenas a vítima individual. Ele tem ramificações sociais amplas que desafiam sistemas de justiça, famílias e comunidades inteiras. A natureza transnacional da internet significa que um predador no Brasil pode aliciar uma criança na Europa, ou vice-versa, criando desafios jurisdicionais complexos para a aplicação da lei. A cooperação internacional é essencial, mas frequentemente lenta e burocrática.
Do ponto de vista legal, muitos países têm atualizado suas legislações para criminalizar especificamente o grooming online, reconhecendo-o como uma fase preparatória do abuso sexual. No Brasil, a Lei 13.441/2017 alterou o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) para incluir o crime de “aliciamento de menores”, punindo quem “aliciar, assediar, instigar ou constranger, por qualquer meio de comunicação, criança, com o fim de com ela praticar ato libidinoso”. A pena pode variar de um a três anos de reclusão, aumentada se o crime resultar em efetivo abuso.
No entanto, a aplicação dessas leis enfrenta obstáculos significativos. A identificação do agressor é o primeiro desafio. Aplicativos com criptografia de ponta a ponta, como o Zangi mencionado anteriormente, tornam a interceptação de comunicações extremamente difícil, mesmo com mandados judiciais.
O uso de VPNs, redes Tor e outras ferramentas de anonimização complica ainda mais o rastreamento. Mesmo quando um suspeito é identificado, a coleta de evidências digitais requer expertise técnica especializada, que muitas delegacias e departamentos de polícia simplesmente não possuem.
Além disso, há o desafio da subnotificação. Muitas vítimas de grooming nunca denunciam o abuso. A vergonha, o medo de não serem acreditadas, a culpa (resultado da manipulação do agressor) e, em alguns casos, a dependência emocional que desenvolveram em relação ao predador, todas contribuem para o silêncio. Estudos estimam que apenas uma pequena fração dos casos de abuso sexual infantil, incluindo o aliciamento online, chega ao conhecimento das autoridades.
O impacto social também se manifesta na erosão da confiança. Pais se tornam mais temerosos em permitir que seus filhos usem a internet livremente, o que pode limitar o acesso a oportunidades educacionais e sociais legítimas. Há um debate constante sobre o equilíbrio entre a proteção de crianças e a preservação da privacidade e da liberdade de expressão online. Soluções tecnológicas, como algoritmos de detecção de grooming, levantam preocupações sobre vigilância em massa e falsos positivos.
Tratamento e Prevenção de Reincidência
Uma das questões mais controversas no campo da psiquiatria forense é se agressores sexuais de crianças podem ser tratados e reabilitados. A resposta não é simples e depende de vários fatores, incluindo o tipo de agressor, a presença de transtornos mentais diagnosticáveis, a motivação do indivíduo para mudar e a qualidade do tratamento disponível.
Para indivíduos com transtorno pedofílico que reconhecem seus impulsos como problemáticos e buscam ajuda antes de cometer um crime, existem programas de prevenção primária. Um exemplo notável é o projeto “Dunkelfeld” (Campo Escuro) na Alemanha, que oferece tratamento confidencial e gratuito para pessoas atraídas por crianças que não querem agir de acordo com seus impulsos.
O tratamento geralmente envolve terapia cognitivo-comportamental, que visa modificar as distorções cognitivas, desenvolver habilidades de regulação emocional e ensinar estratégias de prevenção de recaída. Em alguns casos, medicamentos que reduzem a libido, como antiandrógenos, podem ser usados como parte do tratamento.
Para agressores que já cometeram crimes, o tratamento é frequentemente mandatório como parte da sentença judicial. A eficácia desses programas varia. Estudos mostram que a terapia cognitivo-comportamental especializada pode reduzir as taxas de reincidência, especialmente quando combinada com supervisão rigorosa após a liberação. No entanto, as taxas de sucesso são modestas, e a reincidência continua sendo uma preocupação significativa, particularmente entre agressores fixados com múltiplas vítimas.
Um dos maiores desafios no tratamento é a falta de motivação genuína para mudar. Muitos agressores participam de programas de tratamento apenas porque são obrigados, não porque reconhecem o dano que causaram ou desejam mudar. As distorções cognitivas que lhes permitiram cometer o abuso em primeiro lugar continuam a operar, minando o processo terapêutico. A ausência de empatia verdadeira torna difícil para o terapeuta estabelecer uma aliança terapêutica eficaz.
A prevenção de reincidência também depende de fatores externos ao indivíduo. Programas de monitoramento eletrônico, restrições ao uso da internet, proibição de contato com crianças e acompanhamento regular por agentes de condicional são medidas que podem reduzir o risco. No entanto, essas medidas são caras e exigem recursos que muitos sistemas de justiça criminal não têm.
Do ponto de vista da saúde pública, a prevenção primária — impedir que o abuso ocorra em primeiro lugar — é a estratégia mais eficaz. Isso inclui educar crianças e adolescentes sobre os perigos do grooming, ensinar habilidades de pensamento crítico e comunicação assertiva, e criar ambientes onde as crianças se sintam seguras para relatar comportamentos suspeitos. Também envolve educar pais e educadores para reconhecer os sinais de alerta e intervir precocemente.
Entender para Prevenir
Construir um perfil do predador online revela um indivíduo complexo, muito distante do monstro simplista do imaginário popular. Trata-se de um manipulador habilidoso, frequentemente dotado de traços de personalidade narcisistas e uma notável capacidade de racionalizar seus atos através de distorções cognitivas.
Ele pode ou não ter um transtorno psiquiátrico diagnosticável como a pedofilia, mas invariavelmente demonstra uma profunda falta de empatia e utiliza um roteiro de aliciamento metódico para alcançar seus objetivos. A neurociência começa a sugerir que pode haver diferenças no funcionamento cerebral que contribuem para esses comportamentos, mas a ciência está longe de oferecer uma explicação completa ou uma desculpa.
O perfilamento criminal e psicológico do agressor não é um exercício puramente acadêmico. Ele é uma ferramenta fundamental para a prevenção e a investigação. Ao entender como o predador pensa e opera, podemos ensinar crianças e adolescentes a reconhecer as bandeiras vermelhas do grooming. Podemos treinar policiais e promotores a identificar padrões de comportamento em comunicações digitais. E podemos pressionar as empresas de tecnologia a desenvolverem algoritmos mais inteligentes, capazes de detectar as táticas de manipulação antes que elas causem danos irreversíveis.
A luta contra o aliciamento online é uma responsabilidade compartilhada. Ela exige que os pais superem o tabu de conversar sobre sexualidade e perigos online com seus filhos. Exige que as escolas integrem a alfabetização digital e a segurança na internet em seus currículos.
E exige que o sistema de justiça se equipe com o conhecimento técnico e psicológico necessário para processar esses crimes complexos. Entender a mente do predador não é uma forma de humanizá-lo, mas sim de desarmá-lo. É ao expor suas táticas, compreender suas motivações e reconhecer seus padrões que podemos proteger mais eficazmente a próxima geração de um perigo que se esconde à vista de todos, em cada tela e em cada clique.
Referências
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