28 – O Aumento Do Abuso Sexual Contra Meninos: Os Garotos Que O Brasil Não Vê
O abuso sexual contra meninos cresce no Brasil e permanece invisível. Dados inéditos revelam aumento alarmante e mostram que a violência começa na primeira infância
Abuso Sexual Contra Meninos – Durante muito tempo, falar em violência sexual contra crianças significou, quase automaticamente, falar de meninas. Elas ainda são a maioria esmagadora das vítimas. Mas, silenciosamente, outro grupo começa a aparecer nas estatísticas, nas delegacias, nos ambulatórios de saúde mental e, com muito custo, nas próprias narrativas de sobreviventes: os meninos.
Entre 2021 e 2023, o Brasil registrou 164.199 casos de estupro e estupro de vulnerável contra crianças e adolescentes de 0 a 19 anos. O número por si só já é brutal. Escondido por trás dele, porém, está um dado que desafia estereótipos: 20.575 dessas vítimas eram garotos.
Na prática, isso significa que, nesses três anos, mais meninos foram vítimas de violência sexual do que de mortes violentas intencionais. O relatório produzido por UNICEF e Fórum Brasileiro de Segurança Pública aponta 20.575 meninos vítimas de estupro contra 13.560 assassinados na mesma faixa etária.
O dado rasga uma ilusão confortável: a de que os meninos estariam “protegidos” desse tipo de violência. Eles não estão. E o pouco que aparece nos sistemas oficiais já é suficiente para mostrar que o problema está crescendo.
O Que Os Números Dizem Sobre
O Aumento Do Abuso Contra Meninos
Os dados consolidados no Panorama da Violência Letal e Sexual contra Crianças e Adolescentes mostram uma trajetória de alta contínua dos estupros de crianças e adolescentes no Brasil, em todas as faixas etárias. Em 2021, foram 46.863 casos registrados; em 2022, 53.906; em 2023, 63.430.
Embora o relatório detalhe mais explicitamente o comportamento global das vítimas e dê o recorte por sexo principalmente na forma de taxas, traz uma informação fundamental: em média, as vítimas do sexo masculino representam pouco menos de 13% do total, mas somam mais de 20 mil casos ao longo de três anos.
No gráfico que acompanha este texto, o contraste é visualmente evidente. De um lado, cerca de 20,5 mil meninos vítimas de estupro. Do outro, mais de 143 mil meninas, se somarmos o período 2021–2023. A diferença de volume é imensa, mas é justamente a menor barra do gráfico que deve chamar a atenção aqui: ela representa um grupo historicamente apagado do debate público, das políticas de prevenção e até das campanhas de conscientização.
Outro gráfico, também baseado no relatório do UNICEF, ajuda a entender melhor o perfil da violência contra garotos. Nele, estão reunidos os números de vítimas do sexo masculino por idade, de 0 a 19 anos, no período 2021–2023. A curva começa tímida nos primeiros meses de vida, cresce a partir de 1 ano, explode a partir dos 3, atinge o ápice em torno dos 4 e 5 anos e se mantém em patamares muito altos até os 13 anos, quando cai de forma abrupta até o fim da adolescência.
Em outras palavras, os meninos tendem a ser abusados mais cedo. O pico de registros está concentrado na primeira infância – justamente o período em que a criança tem menos vocabulário para narrar o que acontece, mais dependência dos adultos responsáveis e menor capacidade de entender que está sendo violentada.


Os dados por idade do relatório UNICEF/FBSP ajudam a visualizar essa realidade. Ao somar os três anos analisados, a curva de vítimas do sexo masculino começa a subir com força a partir dos 3 anos de idade, atinge o ápice entre 4 e 5 anos, permanece muito alta até os 12 ou 13, e depois cai.
Isso indica que a primeira infância masculina é um território crítico. Nesse período, o menino ainda está aprendendo a nomear o próprio corpo, a distinguir toques de cuidado e toques de invasão, e a entender limites de intimidade. Se o agressor é alguém de confiança, a confusão é ainda maior.
O gráfico por idade serve como um alerta visual. Em poucos segundos, fica claro que a maior parte dos meninos estuprados no Brasil tem menos de 14 anos, e que a concentração é dramática entre os mais novos. Para famílias, escolas e serviços de saúde, essa informação não é apenas estatística; é um recado direto sobre onde concentrar esforços de prevenção e vigilância.
Casa, Família E Círculo De Confiança:
Onde O Abuso Acontece
Um dos aspectos mais chocantes dos relatórios recentes é a confirmação, mais uma vez, de que o principal cenário da violência sexual contra crianças é a própria casa da vítima. Essa realidade vale tanto para meninas quanto para meninos.
No Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2023, ao analisar apenas os casos de estupro de vulnerável – crime que, no Código Penal, abrange vítimas com até 13 anos – mais de 70% dos casos ocorreram dentro da residência. Em cerca de 71,5% das ocorrências com autoria identificada, o agressor era alguém da família: pais, padrastos, avós, tios, irmãos, primos ou outros parentes próximos.
O Panorama mais recente do UNICEF reforça o mesmo padrão. Entre crianças de 0 a 9 anos, em mais de 80% dos casos de violência sexual o autor é conhecido da vítima, frequentemente alguém que deveria ser fonte de proteção e cuidado.
Em um dos trechos mais diretos do relatório, os pesquisadores afirmam que meninos “não estão seguros dentro de casa”, já que também sofrem violência sexual de forma sistemática no país.
Essa combinação – violência sexual em ambiente doméstico, cometida por pessoas de confiança – ajuda a explicar por que tantos casos demoram anos para vir à tona, especialmente quando a vítima é um garoto. A dinâmica de poder é desigual, a criança é dependente e, muitas vezes, emocionalmente confusa quanto ao que está acontecendo. O agressor pode ser o pai, o tio “brincalhão”, o avô que todos respeitam, o padrasto que sustenta a casa. O menino cresce em meio a ameaças implícitas e explícitas, culpa internalizada e medo de destruir a própria família caso conte o que vive.
O Peso Do Silêncio Masculino
Se o abuso sexual infantil é marcado por subnotificação em qualquer contexto, entre meninos essa subnotificação é ainda mais intensa. Pesquisas nacionais e internacionais convergem em um ponto: garotos e homens têm maior dificuldade de relatar que foram vítimas de violência sexual, especialmente quando os agressores são outros homens.
Estudos reunidos no próprio Anuário de Segurança Pública e revisões acadêmicas recentes mostram que os registros oficiais não conseguem capturar a dimensão real do problema. Parte disso se deve a limitações dos sistemas de notificação, mas há um componente cultural decisivo: os estereótipos de masculinidade.
A noção de que “homem não chora”, “homem se vira sozinho” e “homem não é vítima” atravessa gerações. Meninos aprendem desde cedo que demonstrar vulnerabilidade pode significar ser ridicularizado, excluído ou até agredido. Quando a violência sexual entra em cena, esse medo ganha outras camadas: o receio de ser visto como “menos homem”, de ter sua orientação sexual questionada, de ser culpabilizado pelo que sofreu.
Reportagens ligadas à USP e análises da FAPESP destacam esse fenômeno: homens adultos que só conseguem falar sobre o abuso décadas depois, muitas vezes no contexto de terapia, ou que passam a vida inteira sem conseguir nomear a violência.
No caso dos meninos, o silenciamento é reforçado pelo próprio ambiente que deveria protegê-los. Um garoto de 6 anos que tenta contar que o tio “fez coisas estranhas” pode ouvir que está inventando, que “não é coisa que se fale”, que “vai colocar a família em desgraça”.
Em contextos religiosos ou comunidades muito fechadas, a pressão pelo silêncio é ainda maior. Quando o agressor ocupa posição de prestígio – um líder comunitário, treinador, professor ou religioso – a palavra da criança enfrenta uma barreira quase intransponível.
Esse conjunto de fatores constrói o que muitos especialistas chamam de “silêncio masculino” em torno do abuso sexual. Não é que os meninos sofram menos violência; é que, em grande parte das vezes, não lhes é permitido falar.
Meninos Na Era Digital:
Abuso Que Também Passa Pela Tela
Quando se fala em violência sexual contra crianças, é impossível ignorar a dimensão digital. O Brasil tem registrado aumentos sucessivos em denúncias relacionadas a pornografia infantil, aliciamento online e compartilhamento de imagens íntimas de menores.
Relatórios da SaferNet Brasil, mencionados em matérias da Agência Brasil, apontam crescimento expressivo de denúncias envolvendo imagens de abuso sexual infantil na internet, com aumentos que chegam perto de 70% em determinados recortes anuais.
Embora muitos desses levantamentos não tragam o recorte preciso por sexo, especialistas em segurança digital e proteção infantil relatam que meninos também aparecem com frequência como vítimas. Em plataformas de jogos, aplicativos de mensagem e redes sociais, garotos são abordados por adultos que se passam por outros adolescentes, pedem fotos, oferecem vantagens em games ou ameaçam expor imagens íntimas já obtidas.
Nesse contexto, a cultura que dita que o menino precisa ser forte e autossuficiente joga contra a proteção. Em vez de contar o que aconteceu, muitos tentam resolver sozinhos, apagam conversas, pagam chantagens ou simplesmente se retraem, carregando isolamento e vergonha.
Dados Globais Mostram Que
O Problema Não É Só Nosso
A invisibilidade dos meninos como vítimas de abuso sexual não é exclusividade brasileira. Organismos internacionais e pesquisas em outros países mostram um padrão semelhante.
Nos Estados Unidos, levantamentos do Centers for Disease Control and Prevention (CDC) e da National Children’s Alliance estimam que cerca de 1 em cada 13 meninos sofre algum tipo de abuso sexual na infância, enquanto entre as meninas a proporção é de 1 em 4.
Revisões internacionais apontam que, em muitos países, entre 5% e 10% dos homens adultos relatam ter sido vítimas de abuso sexual infantil quando se utiliza metodologia de autorrelato em pesquisas anônimas.
Campanhas globais de enfrentamento à violência sexual contra crianças, como as promovidas pela iniciativa Together for Girls, costumam lembrar que a cada segundo, em média, meninos e meninas sofrem violência sexual em algum lugar do mundo. Isso reforça o caráter estrutural do problema: não se trata apenas de falhas individuais, mas de sociedades que ainda não conseguiram lidar com questões de poder, gênero, sexualidade e proteção integral à infância.
Trazer esse recorte internacional para a reportagem ajuda a situar o leitor: o que acontece com meninos brasileiros está inserido em um cenário global que, historicamente, também relegou os garotos ao papel de “coadjuvantes” no debate sobre violência sexual.
Subnotificação, Masculinidade E Saúde Mental
A consequência concreta de tudo isso é que o número de 20.575 meninos vítimas de estupro, registrado entre 2021 e 2023 no Brasil, provavelmente representa apenas a ponta de um iceberg. Se, segundo estudo citado pelo próprio UNICEF, apenas 8,5% dos estupros chegam ao conhecimento da polícia, o que aparece nas estatísticas é uma fração do que de fato acontece nas casas, escolas, igrejas, comunidades e ambientes virtuais.
Do ponto de vista da saúde mental, a violência sexual contra meninos está associada a um conjunto de desfechos graves: depressão, ansiedade, transtorno de estresse pós-traumático, uso abusivo de álcool e drogas, automutilação, tentativas de suicídio, dificuldades em relacionamentos íntimos, problemas com a própria sexualidade e impulsos autodestrutivos.
Quando o trauma não é reconhecido nem nomeado, ele tende a se misturar a narrativas de “fracasso pessoal” ou “fraqueza de caráter”, o que agrava sentimentos de culpa e vergonha. Muitos homens chegam à vida adulta acreditando que “não foram fortes o suficiente para impedir” o abuso, quando, na verdade, eram crianças em situação de total vulnerabilidade, submetidas a adultos que se aproveitaram de sua confiança e dependência.
Entre meninos, essas marcas frequentemente aparecem de forma disfarçada: agressividade, retraimento, dificuldades escolares, explosões emocionais, ansiedade, fobias, tentativas de suicídio, uso abusivo de álcool e drogas, compulsões e problemas graves em relacionamentos afetivos e sexuais.
A mesma cultura que impede o menino de chorar também o impede de pedir ajuda. Em consultórios de psicologia, psiquiatria e terapia de casal, é comum encontrar histórias de abuso sexual infantil que só emergem depois de meses de atendimento, às vezes em meio à discussão de outros conflitos, como agressividade, infidelidade ou incapacidade de estabelecer intimidade emocional.
Na vida adulta, muitos sobreviventes desenvolvem quadros de transtorno de estresse pós-traumático, depressão severa, comportamentos autodestrutivos, insônia crônica, ataques de pânico, disfunções sexuais e dificuldades de intimidade.
Quando esses sintomas surgem sem que o trauma seja reconhecido, o homem tende a achar que o problema está em “ser fraco”, “ser falho”, “ser errado”. O agressor desaparece da narrativa e o sobrevivente passa a se culpar por algo que não compreendeu na infância.
Por Que Falar De Meninos É Tão Difícil
Há uma questão simbólica central quando o assunto é abuso sexual contra meninos. As narrativas sociais associam a masculinidade à força, ao controle e à capacidade de se defender. Quando um menino é violentado, isso fere não apenas o corpo, mas a imagem de masculinidade que ele passou a vida inteira tentando incorporar – e que o entorno espera dele.
Ao contrário da menina, que a sociedade tende (ainda que de forma muitas vezes hipócrita) a reconhecer como vulnerável, o garoto é cobrado a reagir, a lutar, a fugir, a ser “esperto”. Se não consegue, em geral porque está diante de um adulto mais forte, mais velho e em posição de poder, ele pode internalizar a ideia de que “colaborou” ou “permitiu” o abuso. Em alguns casos, especialmente na adolescência, o próprio corpo reage com excitação fisiológica, o que aumenta a confusão e a culpa.
Tratar do tema sob a ótica dos meninos exige desmontar essas expectativas de masculinidade. Exige admitir que garotos também são crianças, e que o corpo masculino infantil é tão vulnerável quanto o feminino. Exige, sobretudo, criar espaços em que eles sejam autorizados a falar sem serem ridicularizados, infantilizados ou descredibilizados.
Educação Sexual, Rede De Proteção
E Mudança Cultural
Os dados, os gráficos e as histórias individuais apontam para a mesma direção: não basta contar os casos, é preciso mexer na estrutura que permite que eles aconteçam em silêncio.
No campo das políticas públicas, especialistas defendem três frentes prioritárias. A primeira é a qualificação da rede de proteção – escolas, unidades de saúde, conselhos tutelares, delegacias, serviços de assistência social – para identificar sinais de violência sexual em meninos, ouvir suas narrativas com seriedade e encaminhar adequadamente as denúncias. Isso inclui formação específica sobre gênero, masculinidades e os impactos psíquicos do abuso em garotos.
A segunda frente é a educação sexual nas escolas e em outros espaços de convivência, entendida não como incentivo à sexualização precoce, mas como ferramenta de proteção. Crianças e adolescentes precisam aprender desde cedo que têm direito ao próprio corpo, que existem limites claros para toques e aproximações, e que qualquer invasão pode e deve ser comunicada a um adulto de confiança.
A terceira frente, mais difusa e longa, é a mudança cultural. Falar de meninos como vítimas de abuso sexual significa mexer em mitos arraigados, confrontar piadas e comentários que naturalizam a violência, e criar uma nova gramática social, em que o menino possa ser vulnerável sem deixar de ser reconhecido como sujeito pleno.
Do Gráfico À Vida Real
Os gráficos desta reportagem são instrumentos importantes. Eles ajudam a condensar, em poucos traços, aquilo que documentos extensos e tabelas detalhadas descrevem com números. Quando a barra que representa os meninos aparece muito menor do que a das meninas, isso lembra que o problema ainda é desproporcionalmente feminino. Mas quando se lê a legenda e se percebe que aquela “barra pequena” corresponde a mais de 20 mil crianças e adolescentes, a escala muda.
Da mesma forma, a curva por idade, que dispara na primeira infância e se mantém alta até o início da adolescência, deixa de ser apenas uma linha sobre o papel quando se imagina o que cada ponto numérico significa: um menino de 4 anos que não consegue explicar o que acontece à noite, um garoto de 7 anos que passa a ter medo de um parente específico, um adolescente de 13 anos que começa a ter crises de pânico e não sabe dizer por quê.
Ao transformar esses dados em narrativa, o jornalismo cumpre um papel crucial. Ele tira o tema das notas técnicas e leva para o debate público, pressiona por políticas mais eficazes e, sobretudo, envia uma mensagem clara aos sobreviventes: vocês existem, vocês não estão sozinhos, e o que aconteceu com vocês não é culpa sua.
Num país em que mais meninos são vítimas de estupro do que de assassinato, ignorar o recorte masculino na violência sexual deixou de ser apenas uma falha estatística. É uma escolha política. E, diante dos dados, essa escolha já não pode ser feita em silêncio.
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