Personalidade Maquiavélica – Os maquiavélicos enxergam as interações sociais não como uma via de mão dupla para conexão, mas como um tabuleiro de xadrez, onde cada pessoa é uma peça a ser movida para alcançar um objetivo final: a vitória pessoal.
Estes são os portadores do que a psicologia moderna define como personalidade maquiavélica, um traço que, embora frequentemente associado ao poder e ao sucesso, revela um complexo e calculista funcionamento interno.
O termo evoca imediatamente a figura de Nicolau Maquiavel, o diplomata e filósofo florentino do século XVI, autor da célebre obra “O Príncipe”. Popularmente, a palavra “maquiavélico” tornou-se sinônimo de astúcia, engano e uma busca implacável pelo poder. Contudo, é fundamental distinguir a filosofia política de Maquiavel do construto psicológico que hoje leva seu nome.
Na década de 1970, os psicólogos Richard Christie e Florence L. Geis, ao buscarem entender a mentalidade de manipuladores, utilizaram frases e ideias adaptadas dos escritos de Maquiavel para desenvolver uma escala de avaliação. Nascia assim, para a psicologia, o “maquiavelismo” como um traço de personalidade mensurável, focado na manipulação interpessoal, e não na governança de Estados.
Frieza, Cálculo e Interesse Próprio
No cerne da personalidade maquiavélica reside um quarteto de características fundamentais: uma acentuada tendência à manipulação, uma profunda indiferença às convenções morais, uma notável falta de empatia afetiva e um foco estratégico e inabalável no interesse próprio. Indivíduos com altos escores neste traço, conhecidos na literatura como “High Machs”, não são necessariamente gênios do mal, mas sim mestres pragmáticos da interação social, utilizando os outros como instrumentos para seus próprios fins.
Através da escala de avaliação desenvolvida por Christie e Geis, o “Mach-IV”, psicólogos conseguem medir onde um indivíduo se posiciona neste espectro. Pessoas com alta pontuação tendem a concordar com afirmações como “Nunca diga a ninguém o verdadeiro motivo pelo qual você fez algo, a menos que seja útil fazê-lo”, enquanto discordam de ideias como “A maioria das pessoas é basicamente boa e gentil”.
Esta visão de mundo cínica e desconfiada é a lente através da qual o indivíduo maquiavélico interpreta e interage com a realidade. Eles partem do pressuposto de que todos são, em algum nível, movidos por interesses egoístas, e que a ingenuidade e a confiança são fraquezas a serem exploradas.
Este traço de personalidade não existe isoladamente. O maquiavelismo forma, junto com o narcisismo subclínico e a psicopatia subclínica, a chamada “Tríade Obscura” da personalidade. Embora compartilhem uma aparência de antagonismo e insensibilidade, existem distinções cruciais.
O narcisista busca admiração e validação de sua grandiosidade; o psicopata é marcado pela impulsividade e pela ausência de medo; já o maquiavélico se destaca pela sua abordagem calculista e estratégica. Ele é o jogador de longo prazo, capaz de adiar a gratificação e controlar seus impulsos para executar um plano maior. Sua agressividade raramente é física ou explosiva; ela se manifesta de forma sutil, através da manipulação social, da disseminação de rumores e da exploração de vulnerabilidades alheias.
A Mente Maquiavélica
Se a psicologia descreve o comportamento, a neurociência moderna começa a nos mostrar o que acontece no cérebro de um manipulador. Estudos de neuroimagem funcional (fMRI) revelam um padrão de atividade cerebral distinto em indivíduos com altos traços de maquiavelismo, sugerindo que sua forma de processar o mundo é neurologicamente diferente.
Uma das descobertas mais contraintuitivas e reveladoras está no funcionamento do Córtex Cingulado Anterior (ACC). Esta região cerebral é conhecida por atuar como um monitor de conflitos, ativando-se quando nos deparamos com informações contraditórias ou quando precisamos tomar decisões que opõem um impulso imediato a uma norma social.
Em um estudo húngaro conduzido por Tamas Bereczkei e sua equipe, pesquisadores observaram a atividade cerebral de participantes enquanto jogavam o “Jogo da Confiança”. Neste jogo, um participante pode confiar em outro, enviando-lhe dinheiro, que é multiplicado, esperando que o segundo jogador retribua a gentileza.
O esperado seria que o cérebro de qualquer pessoa mostrasse maior atividade de conflito (no ACC) ao decidir trair um parceiro justo. No entanto, nos indivíduos maquiavélicos, o padrão foi o oposto. O ACC deles mostrou-se significativamente mais ativo quando eles foram tratados de forma justa.
A interpretação dos cientistas é fascinante: o cérebro maquiavélico não entra em conflito para ser desonesto; ele entra em conflito para ser honesto. A gentileza e a cooperação inesperadas geram uma dissonância, ativando regiões cerebrais associadas à inibição e à criatividade, enquanto eles calculam a melhor forma de tirar vantagem da situação e suprimem o instinto humano de reciprocidade. Para eles, a desonestidade é o caminho de menor resistência neurológica.
Outra área crucial é o Córtex Pré-Frontal (PFC), o centro executivo do cérebro, responsável pelo planejamento, tomada de decisões e controle de impulsos. Em indivíduos maquiavélicos, o PFC parece estar a serviço da estratégia, e não da moralidade. Estudos apontam para o envolvimento do córtex pré-frontal dorsolateral (dlPFC) e ventromedial (vmPFC). Enquanto o dlPFC está associado ao planejamento estratégico e à flexibilidade mental, o vmPFC está ligado à avaliação de recompensas e à regulação emocional.
Aparentemente, nos “High Machs”, essas áreas trabalham em conjunto para otimizar o ganho pessoal, avaliando as consequências de uma ação primariamente em termos de benefício próprio, e não de impacto sobre os outros ou de conformidade com normas éticas.
A notória falta de empatia também tem correlatos neurais. A empatia pode ser dividida em duas componentes: a cognitiva (entender o que o outro sente) e a afetiva (sentir o que o outro sente). Indivíduos maquiavélicos podem ter uma empatia cognitiva intacta ou até superior, o que lhes permite identificar as emoções e vulnerabilidades alheias com precisão.
Contudo, eles apresentam um déficit profundo na empatia afetiva. Regiões como a ínsula e a amígdala, essenciais para processar e experimentar as emoções, especialmente as negativas como o medo e a angústia, mostram uma atividade atenuada. Isso explica sua capacidade de explorar os outros sem sentir remorso ou culpa. O sofrimento alheio simplesmente não ressoa em seu sistema nervoso da mesma forma que na maioria das pessoas.
Completando o quadro, o sistema de recompensa cerebral, envolvendo estruturas como a área tegmental ventral e o núcleo caudado, mostra-se particularmente sensível em indivíduos maquiavélicos. Eles são altamente orientados para a recompensa, o que os torna ambiciosos e focados. Essa busca incessante por ganhos, combinada com a frieza emocional e a destreza estratégica, cria um perfil neurobiológico perfeitamente adaptado para a manipulação bem-sucedida.
Um Traço, Não um Transtorno
Um ponto de extrema importância e que frequentemente causa confusão é o status do maquiavelismo no campo da psiquiatria. Apesar de sua inclusão na Tríade Obscura e de suas características socialmente aversivas, o maquiavelismo não é classificado como um transtorno de personalidade no Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5), a principal referência para diagnósticos psiquiátricos.
Diferentemente do Transtorno de Personalidade Antissocial ou do Transtorno de Personalidade Narcisista, que possuem critérios diagnósticos bem definidos, o maquiavelismo é considerado um traço de personalidade que existe em um contínuo na população geral.
Isso significa que todos nós possuímos algum grau de maquiavelismo. A diferença está na intensidade. Enquanto a maioria das pessoas pode usar uma mentira social inofensiva ou agir por interesse próprio ocasionalmente, os “High Machs” fazem da manipulação e do cálculo sua estratégia de vida padrão.
A ausência do maquiavelismo no DSM-5 não diminui seu impacto, mas o posiciona mais como uma dimensão da variação humana do que como uma patologia categórica. Pesquisas sugerem que essa orientação pode ser, em parte, uma resposta adaptativa a ambientes hostis durante a infância. Estudos indicam que a rejeição e um comportamento restritivo por parte dos cuidadores, especialmente a mãe, podem fomentar o desenvolvimento de uma visão de mundo cínica e de estratégias manipulativas como forma de sobrevivência e controle em um ambiente percebido como imprevisível e perigoso.
Embora não seja um transtorno em si, o maquiavelismo frequentemente coexiste com outros diagnósticos psiquiátricos. É comum encontrar altos níveis de maquiavelismo em indivíduos diagnosticados com Transtorno de Personalidade Antissocial, Narcisista e até mesmo Borderline, onde a manipulação interpessoal também é uma característica proeminente. Além disso, a constante frustração de seus altos níveis de ambição e a visão cínica do mundo podem colocar os indivíduos maquiavélicos em maior risco de desenvolver quadros de ansiedade e depressão, embora o mecanismo exato dessa relação ainda esteja sob investigação.
O Perfil Criminal
Quando a personalidade maquiavélica se cruza com o comportamento criminoso, o resultado raramente é a violência impulsiva e desorganizada. O perfil criminal do indivíduo maquiavélico é o do estrategista. Seus crimes são, em geral, aqueles que exigem planejamento, frieza e uma fachada de legitimidade. Estamos falando do universo dos crimes de colarinho branco: fraudes financeiras sofisticadas, esquemas de corrupção corporativa, desvio de fundos e golpes complexos que exploram a confiança e a ganância das vítimas.
O perfilador criminal, ao analisar um crime com essas características, buscaria por um autor com alta inteligência, charme superficial, paciência e uma notável capacidade de compartimentalizar suas ações, separando-as de qualquer sentimento de culpa. O criminoso maquiavélico não age por um impulso incontrolável; ele age após uma cuidadosa análise de custo-benefício. Ele se sente menos afetado pelo sofrimento da vítima e está mais disposto a se engajar em competições de alto risco, especialmente em ambientes financeiros ou corporativos onde as regras podem ser flexíveis e a fiscalização, falha.
A análise da conduta humana, em um contexto forense, adota uma abordagem interdisciplinar para entender esses criminosos. A criminologia estuda a conexão entre os traços da Tríade Obscura e a propensão para a fraude. A análise comportamental observa como esses indivíduos operam em contextos organizacionais, identificando padrões como a adulação de superiores para mascarar um desempenho medíocre ou a criação de um ambiente de trabalho competitivo e tóxico para minar os concorrentes. A teoria da dissonância cognitiva ajuda a explicar como eles justificam internamente seus atos antiéticos, convencendo-se de que as vítimas “mereceram” ou que as regras “são para os tolos”.
Um exemplo notório do maquiavelismo no mundo corporativo é o caso de Carlos Ghosn, o ex-CEO da aliança Renault-Nissan. Sua ascensão meteórica e sua subsequente queda, envolvendo acusações de má conduta financeira e uma fuga espetacular do Japão, são frequentemente citadas como um estudo de caso de liderança com fortes traços maquiavélicos, caracterizada por uma ambição desmedida, manipulação de sistemas e uma crença de que os fins justificam os meios.
O Maquiavelismo no Cotidiano
Longe dos grandes esquemas criminais e dos laboratórios de neurociência, a personalidade maquiavélica se manifesta no dia a dia, nos escritórios, nos círculos de amizade e nos relacionamentos amorosos. A cultura popular está repleta de arquétipos que capturam essa essência. Personagens como Tony Soprano de “Os Sopranos”, que mente e mata para proteger seu poder, ou Lord Petyr Baelish de “Game of Thrones”, que tece uma teia de intrigas para ascender socialmente, são representações ficcionais de um tipo real de comportamento.
No ambiente de trabalho, o “chefe maquiavélico” é uma figura conhecida. Ele pode parecer um líder eficaz, focado em resultados, mas por baixo dessa fachada opera através da divisão da equipe, do roubo de créditos por ideias alheias e da manipulação de informações para garantir sua posição. Eles criam ambientes de trabalho tóxicos, onde a desconfiança prevalece e os funcionários competentes são frequentemente sabotados.
Nos relacionamentos românticos, o parceiro maquiavélico é o mestre da manipulação emocional. Ele pode usar o charme e a sedução como ferramentas para obter o que deseja, seja status, dinheiro ou controle. A relação é frequentemente marcada por uma dinâmica de poder, com o indivíduo maquiavélico evitando a intimidade genuína e tratando o parceiro como um objeto a ser explorado. Sua falta de empatia afetiva os torna incapazes de oferecer suporte emocional verdadeiro, embora possam simular preocupação se isso lhes for vantajoso.
Em resumo, a personalidade maquiavélica representa uma estratégia de vida complexa e calculista. Não se trata de uma simples maldade, mas de uma adaptação psicológica, com bases neurológicas distintas, focada na maximização do ganho pessoal em um mundo percebido como competitivo e hostil.
Desde o funcionamento de seu cérebro até suas interações mais triviais, o indivíduo maquiavélico é a personificação da ideia de que, no grande jogo da vida, o que importa não é como se joga, mas se você vence. Entender a anatomia deste manipulador é crucial não apenas para a ciência, mas para nos protegermos e navegarmos em um mundo onde nem todos jogam pelas mesmas regras.
As Raízes do Comportamento
A compreensão da personalidade maquiavélica não estaria completa sem examinar suas origens. Como surge um indivíduo capaz de manipular sem remorso? A resposta, como frequentemente ocorre em psicologia, reside na interação complexa entre fatores genéticos e ambientais, um campo de estudo conhecido como epigenética comportamental.
Pesquisas indicam que a rejeição parental, especialmente da figura materna, desempenha um papel fundamental no desenvolvimento de traços maquiavélicos. Crianças que crescem em ambientes onde o afeto é condicionado ao desempenho, onde a confiança é traída repetidamente ou onde a manipulação é modelada como estratégia de sobrevivência, aprendem que o mundo é um lugar hostil e que as relações humanas são transacionais. Em resposta a esse ambiente, desenvolvem uma visão cínica da natureza humana e adotam estratégias manipulativas como mecanismo de defesa e controle. O maquiavelismo, portanto, não é necessariamente uma escolha consciente, mas uma adaptação a circunstâncias adversas.
Por outro lado, estudos com gêmeos sugerem que existe um componente hereditário. Traços relacionados à baixa empatia, alta busca por sensações e tendências antissociais apresentam certa herdabilidade, indicando que algumas pessoas podem nascer com uma predisposição neurobiológica que, quando combinada com um ambiente propício, resulta em altos níveis de maquiavelismo.
A neuroplasticidade, a capacidade do cérebro de se reorganizar em resposta a experiências, também desempenha um papel. Experiências repetidas de manipulação bem-sucedida podem reforçar as vias neurais associadas a esse comportamento, tornando-o cada vez mais automático e difícil de modificar.
Identificando o Manipulador
Reconhecer um indivíduo com alta personalidade maquiavélica pode ser desafiador, especialmente porque eles são mestres da dissimulação. No entanto, existem padrões comportamentais que podem servir como sinais de alerta. Um dos mais evidentes é a discrepância entre palavras e ações.
O maquiavélico pode falar eloquentemente sobre lealdade, honestidade e trabalho em equipe, mas suas ações contam uma história diferente. Eles frequentemente prometem mais do que entregam e suas desculpas para falhas são sempre elaboradas e convenientes.
Outro sinal é a tendência a criar divisões. No ambiente de trabalho ou em grupos sociais, eles podem sutilmente colocar pessoas umas contra as outras, disseminando rumores ou informações seletivas para diferentes indivíduos. Isso serve a dois propósitos: enfraquece potenciais coalizões contra eles e os coloca em uma posição de poder como intermediários de informação. Observar como alguém reage ao sucesso alheio também pode ser revelador.
Enquanto a maioria das pessoas sente genuína alegria ou, no mínimo, respeito pelo sucesso de colegas, o maquiavélico frequentemente demonstra inveja disfarçada ou tenta minimizar a conquista, redirecionando o crédito para si mesmo ou para fatores externos.
A falta de relações profundas e duradouras é outra característica. Embora possam ter muitos conhecidos e contatos, raramente possuem amizades íntimas ou relacionamentos românticos estáveis e saudáveis.
Suas relações tendem a ser superficiais e utilitárias, terminando abruptamente quando não servem mais a um propósito. Além disso, prestando atenção à forma como alguém trata pessoas que não podem lhe oferecer nada, como garçons, faxineiros ou subordinados, pode-se obter insights valiosos. O maquiavélico frequentemente demonstra desprezo ou indiferença por aqueles que considera “inferiores” ou “inúteis”.
A Tríade Obscura
Para aprofundar a compreensão do maquiavelismo, é essencial compará-lo com os outros dois componentes da Tríade Obscura: o narcisismo e a psicopatia. Embora os três traços compartilhem uma orientação egoísta e uma falta de consideração genuína pelos outros, suas manifestações e motivações subjacentes diferem significativamente.
| Traço | Foco Principal | Motivação Central | Estilo de Manipulação | Controle Emocional | Relação com Normas Sociais |
|---|---|---|---|---|---|
| Maquiavélico | Estratégia e ganho pessoal | Poder e controle através da manipulação | Calculista, planejada, de longo prazo | Alto controle, frieza emocional | Indiferença; vê normas como obstáculos ou ferramentas |
| Narcisismo | Admiração e validação | Manutenção da autoimagem grandiosa | Charme superficial, exigência de atenção | Reatividade emocional a críticas | Crença de estar acima das normas; direito especial |
| Psicopatia | Estimulação e gratificação imediata | Busca por sensações e ausência de medo | Impulsiva, oportunista, de curto prazo | Baixa reatividade emocional, ausência de ansiedade | Desprezo; incapacidade de internalizar normas |
O maquiavélico é o planejador, o narcisista é o exibicionista e o psicopata é o aventureiro impulsivo. Na prática, muitos indivíduos apresentam uma combinação desses traços, mas a predominância de um sobre os outros define o perfil comportamental.
Um líder corporativo corrupto pode ser primariamente maquiavélico, usando estratégias elaboradas de fraude, mas também pode ter traços narcisistas, buscando reconhecimento público e status. Já um criminoso violento pode ser primariamente psicopático, agindo impulsivamente, mas também pode usar táticas maquiavélicas para evitar a captura.
Implicações Sociais e Organizacionais
As implicações da personalidade maquiavélica se estendem muito além do nível individual, afetando a saúde de organizações inteiras e, em escala maior, da própria sociedade. No contexto organizacional, a presença de líderes com altos traços maquiavélicos pode ser devastadora. Embora possam, a curto prazo, parecer eficazes devido à sua ambição e foco em resultados, a longo prazo, eles corroem a confiança, a moral e a colaboração dentro das equipes.
Estudos demonstram que a liderança maquiavélica está associada a níveis elevados de exaustão emocional nos funcionários, aumento de rotatividade, diminuição da satisfação no trabalho e, paradoxalmente, redução da produtividade real. O ambiente de trabalho tóxico criado por esses líderes, caracterizado por favoritismo, falta de transparência e competição destrutiva, afasta talentos e promove uma cultura de medo e desconfiança. A inovação, que depende de um ambiente seguro para experimentação e compartilhamento de ideias, é sufocada.
Em um nível societal, a concentração de indivíduos maquiavélicos em posições de poder, seja na política, nas finanças ou na mídia, pode ter consequências profundas. Políticas públicas podem ser moldadas não pelo bem comum, mas por interesses pessoais obscuros. Escândalos de corrupção, crises financeiras causadas por ganância desenfreada e a erosão da confiança nas instituições são, frequentemente, o resultado de decisões tomadas por indivíduos que priorizam o ganho pessoal acima de tudo. A questão que se coloca é: como as organizações e a sociedade podem se proteger?
A resposta reside em sistemas robustos de governança, transparência, prestação de contas e, crucialmente, em processos de seleção e avaliação que não apenas considerem competências técnicas, mas também avaliem traços de caráter e integridade. Ferramentas de avaliação psicológica, quando usadas eticamente e em conjunto com outras formas de avaliação, podem ajudar a identificar candidatos com altos níveis de traços da Tríade Obscura antes que eles assumam posições de grande responsabilidade. Além disso, criar culturas organizacionais que valorizem a colaboração, a empatia e a ética, e que tenham mecanismos claros para denunciar e punir comportamentos manipulativos, é essencial.
Tratamento e Intervenção
Uma das questões mais complexas relacionadas ao maquiavelismo é a possibilidade de mudança. Pode um indivíduo com alta personalidade maquiavélica aprender a ser mais empático, honesto e ético? A resposta não é simples. Como o maquiavelismo não é classificado como um transtorno mental, não existe um protocolo de tratamento específico. Além disso, um dos maiores obstáculos para qualquer intervenção é a falta de motivação interna para mudar.
Indivíduos maquiavélicos raramente buscam ajuda por conta própria, pois não veem seu comportamento como problemático. Do ponto de vista deles, eles estão simplesmente sendo realistas e eficazes em um mundo competitivo. Quando procuram terapia, geralmente é devido a consequências externas, como problemas legais, divórcio ou perda de emprego, e não por um desejo genuíno de transformação pessoal. Essa falta de insight e motivação intrínseca torna a terapia tradicional, que depende da aliança terapêutica e do desejo de mudança, extremamente desafiadora.
No entanto, algumas abordagens terapêuticas mostram alguma promessa. A Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC), focada em identificar e modificar padrões de pensamento disfuncionais, pode ajudar a desafiar a visão cínica de mundo e a ensinar habilidades sociais mais adaptativas. A Terapia Focada em Esquemas, que trabalha com padrões profundos de pensamento e comportamento formados na infância, pode abordar as raízes do maquiavelismo relacionadas a experiências de rejeição e trauma. Intervenções baseadas em mindfulness e regulação emocional podem ajudar a aumentar a autoconsciência e a capacidade de experimentar empatia, embora os resultados sejam variáveis.
É importante notar que a mudança, quando ocorre, tende a ser gradual e incremental. O objetivo pode não ser transformar um “High Mach” em um altruísta, mas sim ajudá-lo a reconhecer que comportamentos éticos podem, na verdade, servir melhor a seus interesses de longo prazo, construindo relações mais estáveis e evitando as consequências negativas da manipulação descoberta. Em última análise, a prevenção, através da promoção de ambientes familiares saudáveis e da educação emocional desde a infância, pode ser mais eficaz do que a intervenção tardia.
Convivendo com o Maquiavélico
Para aqueles que se encontram em situações onde precisam interagir com indivíduos maquiavélicos, seja no trabalho, na família ou em relacionamentos, desenvolver estratégias de proteção é fundamental. O primeiro passo é o reconhecimento. Estar ciente dos sinais de alerta e confiar em seus instintos quando algo parece inconsistente ou manipulativo é crucial. Não ignore os sinais vermelhos ou racionalize comportamentos problemáticos.
Estabelecer limites claros e firmes é essencial. Indivíduos maquiavélicos são hábeis em testar limites e explorar brechas. Seja claro sobre o que é aceitável e o que não é, e esteja preparado para fazer valer esses limites, mesmo que isso signifique confronto ou término da relação. Documentar interações, especialmente em contextos profissionais, pode ser uma salvaguarda importante. Manter registros de e-mails, mensagens e acordos pode protegê-lo caso o maquiavélico tente distorcer fatos ou negar compromissos.
Evitar compartilhar informações pessoais ou vulnerabilidades é outra estratégia importante. Quanto menos um manipulador souber sobre seus pontos fracos, medos ou desejos, menos munição ele terá para usá-lo. Mantenha as interações profissionais e focadas em fatos, evitando o envolvimento emocional. Buscar apoio de terceiros também é valioso.
Converse com colegas de confiança, amigos ou um terapeuta sobre suas experiências. Isso pode ajudá-lo a validar suas percepções e a desenvolver estratégias de enfrentamento. Em situações extremas, especialmente se houver abuso ou comportamento ilegal, procurar aconselhamento jurídico ou recursos de recursos humanos pode ser necessário.
Finalmente, lembre-se de que você não pode mudar o outro. Tentar “consertar” ou “salvar” um indivíduo maquiavélico raramente funciona e pode apenas drenar sua energia e bem-estar. Concentre-se em proteger a si mesmo e, se possível, em minimizar ou encerrar o contato. Sua saúde mental e emocional deve ser a prioridade.
Personalidade Maquiavélica
A personalidade maquiavélica é um fenômeno complexo que desafia nossa compreensão da natureza humana. Ela nos lembra que nem todos operam sob os mesmos princípios de reciprocidade, confiança e empatia que sustentam a maioria das interações sociais.
Através da psicologia, vemos um traço de personalidade caracterizado pela manipulação, cinismo e foco no interesse próprio. A neurociência nos revela um cérebro que processa o mundo de forma diferente, onde a honestidade gera conflito e a desonestidade é o caminho de menor resistência. A psiquiatria nos ensina que, embora não seja um transtorno, o maquiavelismo pode coexistir com patologias e ter consequências significativas para a saúde mental. E a criminologia nos alerta para o potencial desse traço de se manifestar em fraudes sofisticadas e crimes de colarinho branco.
Referências
- Bereczkei, T., Deak, A., Papp, P., Perlaki, G., & Orsi, G. (2013). Neural correlates of Machiavellian strategies in a social dilemma task. Brain and Cognition, 82(1), 108-116. https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0278262613000377
- Jahangir, M., Shah, S. M., Zhou, J., Lang, B., & Wang, X. (2024). Machiavellianism: Psychological, Clinical, and Neural Correlations. The Journal of Psychology, 159(3), 155-168. https://www.tandfonline.com/doi/full/10.1080/00223980.2024.2382243
- Christie, R., & Geis, F. L. (1970). Studies in Machiavellianism. Academic Press.
- Wikipedia. Maquiavelismo (psicologia). https://pt.wikipedia.org/wiki/Maquiavelismo_(psicologia)
- Revista Galileu. (2015). A neurociência dos egoístas – você é um deles? https://revistagalileu.globo.com/Ciencia/noticia/2015/08/neurociencia-dos-egoistas-voce-e-um-deles.html
- PERITUM. (2023). DARK TRIAD A TRÍADE SOMBRIA DA PERSONALIDADE. https://periciacomputacional.com/dark-triad-a-triade-sombria-da-personalidade/
- BBC News Brasil. (2013). Os 5 personagens mais maquiavélicos da cultura popular. https://www.bbc.com/portuguese/noticias/2013/05/130523_personagens_maquiavelicos_an
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