Criminal

47 – Psicopatia — Avaliação, Diagnóstico e Mitos

"Psicopata” virou a etiqueta preferida para explicar crimes que chocam o país. É um atalho sedutor: em poucas sílabas, encaixam-se medos coletivos, frases feitas e a promessa de que tudo se explica por um tipo humano raro e perigoso

Psicopatia – “Psicopata” virou a etiqueta preferida para explicar crimes que chocam o país. É um atalho sedutor: em poucas sílabas, encaixam-se medos coletivos, frases feitas e a promessa de que tudo se explica por um tipo humano raro e perigoso.

Quando a poeira do sensacionalismo baixa, porém, o que fica é uma tarefa menos espetacular e muito mais útil: entender, com base em evidências, como se avalia e como se diagnostica a psicopatia, onde ela se distingue de outros quadros antissociais, quais os limites do conceito, quando ele ajuda e quando atrapalha. É a partir desse compromisso que esta reportagem longa foi escrita, com linguagem direta, intertítulos temáticos e atenção ao que mais interessa ao leitor que busca informação confiável para o estudo, a atuação profissional ou o simples exercício de cidadania crítica.


Histórico Que Ainda Orienta o Mapa

As primeiras descrições do que hoje chamamos de psicopatia remontam ao início do século XIX, com Philippe Pinel, referência incontornável para quem deseja reconstruir a genealogia do tema. Anos mais tarde, Hervey Cleckley publicaria The Mask of Sanity, obra que se tornaria um grande marco por combinar casos clínicos e uma síntese vívida de traços comportamentais e afetivos.

É difícil encontrar um artigo científico sobre o assunto que não faça referência a Cleckley. Ele não inventou a psicopatia, mas ofereceu o contorno de um retrato clínico que atravessou décadas e ensinou profissionais a reconhecer um padrão de funcionamento psicológico específico, feito de charme superficial, mentira crônica, frieza emocional, falta de remorso e irresponsabilidade persistente.

No fim do século XX, o psicólogo canadense Robert Hare elevou esse retrato a um novo patamar, criando a PCL-R, a Psychopathy Checklist — Revised. O que parecia uma constelação de traços ganhou uma ferramenta padronizada, treinável, replicável e auditável.

Nascia a possibilidade de comparar casos, somar pontuações, discutir com mais objetividade a gravidade de um perfil. Foi assim que a psicopatia deixou de ser apenas uma narrativa clínica elegante para se tornar um construto operacional com utilidade direta no sistema de justiça. No Brasil, a PCL-R é validada e integra o repertório de instrumentos aceitos para avaliação forense, desde que aplicada por profissionais capacitados.

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Três Linguagens Para Falar De Antissocialidade

O universo das classificações psiquiátricas e psicológicas às vezes confunde o público. O mesmo fenômeno pode aparecer com nomes diferentes a depender do manual, do instrumento ou da tradição teórica que sustenta a análise.

No caso da antissocialidade, convivem três grandes linguagens. A primeira é a do DSM, que descreve o Transtorno de Personalidade Antissocial, concentrado em padrões comportamentais persistentes desde a adolescência, com ênfase no desrespeito a normas e direitos.

A segunda é a do CID, que usa a expressão Transtorno de Personalidade Dissocial, em termos muito próximos aos do DSM, embora com nuances descritivas próprias. A terceira é a linguagem da psicopatia tal como formalizada por Robert Hare, que inclui os elementos comportamentais, mas acrescenta de maneira central os traços afetivo-interpessoais.

Essas linguagens se sobrepõem, porém não são sinônimas. O indivíduo que atende aos critérios de Transtorno de Personalidade Antissocial nem sempre terá o conjunto de características afetivas que a PCL-R procura.

E o contrário também é verdadeiro: alguém com traços fortes de frieza emocional e manipulação pode não apresentar o histórico comportamental exigido por alguns manuais para o diagnóstico do transtorno.

Em termos práticos, a psicopatia tal como medida pela PCL-R costuma apontar para um risco de reincidência e para dificuldades de manejo mais elevados que a antissocialidade descrita apenas por atos e infrações, justamente porque a falta de empatia, o remorso escasso e o estilo de vida voltado à busca de excitação não são acessórios, e sim a espinha dorsal do padrão.


O debate sobre sociopatia e por que a terminologia importa

Periódicos, livros de divulgação e até cursos de formação por vezes mantêm vivo o contraste entre “psicopatia” e “sociopatia”. A distinção, historicamente, tentou separar origens: uma mais biológica, outra mais ambiental.

Com o amadurecimento da ciência, essa divisão perdeu força. A psicopatia contemporânea é compreendida como fenômeno biopsicossocial. Há predisposições biológicas e temperamentos que moldam reatividade emocional e sensibilidade ao medo, mas o ambiente familiar, a história de vínculos, o estresse crônico, as experiências de violência e a cultura também deixam marcas profundas. Uma palavra que pretendia ser explicativa tornou-se um ruído a mais.

Robert Hare tem sido claro ao defender que o termo sociopatia não acrescenta precisão clínica nem utilidade forense. Não há instrumento validado para medi-la, não há critérios operacionais aceitos em manuais diagnósticos, não há consenso entre especialistas.

O resultado é confusão. A tentação de recorrer a duas etiquetas para dizer que “um nasceu assim” e “o outro virou assim” pode agradar à intuição, mas não resiste ao que se sabe sobre a plasticidade do cérebro, a influência do contexto e a heterogeneidade das trajetórias desenvolvimentais.


Dimensões, Não Gavetas

Há quem se sinta mais seguro com gavetas bem etiquetadas: “tem psicopatia” versus “não tem psicopatia”. A realidade clínica, no entanto, não se dobra ao conforto da dicotomia. A psicopatia é dimensional. Pessoas se aproximam mais ou menos do padrão, mostram combinações diferentes de traços, carregam histórias singulares que modulam a forma de expressão do quadro.

Duas pontuações iguais na PCL-R não significam duas pessoas idênticas no mundo real. O que uma avaliação séria faz é articular intensidade de traços, frequência, prejuízos, linha do tempo e contexto. É por isso que a entrevista clínica, o acesso a documentos, as checagens colaterais e a análise cuidadosa de inconsistências valem tanto quanto a soma de pontos.

Essa dimensão fica flagrante quando pensamos na infância e na adolescência. A tentação de rotular precocemente um adolescente problemático como “psicopata em formação” é grande e perigosa. A personalidade está em consolidação, o cérebro está em obra, a escola e a família são forças que tanto podem amortecer quanto amplificar riscos.

O que se descreve nessa fase são traços de insensibilidade afetiva, problemas de conduta, padrões de desafio à autoridade. O diagnóstico de psicopatia, enquanto transtorno de personalidade, é reservado à vida adulta. Antecipá-lo é estigmatizar sem ganho clínico. Intervir cedo, ao contrário, é apostar em plasticidade, tratamento e oportunidades de reorientação da trajetória.


Como a PCL-R Estrutura o Olhar
e o Que Ela Não Promete

A PCL-R é uma entrevista semiestruturada combinada com análise documental. São vinte itens pontuados de zero a dois, e a soma pode chegar a quarenta. Embora se fale em um ponto de corte que, em contexto forense, costuma ser trinta, o que realmente interessa é a maneira como os itens se compõem. O fator interpessoal captura encanto superficial, mentira e manipulação. O fator afetivo congrega empatia reduzida, pouco remorso e afetos rasos.

O fator que descreve o estilo de vida reúne impulsividade, busca de excitação, falta de metas realistas e irresponsabilidade. O fator antissocial mergulha em problemas de conduta precoces e violações normativas recentes, nem sempre de natureza criminal.

A ferramenta não foi feita para ser aplicada como um checklist de consultório rápido. Exige treinamento, prática supervisionada, sensibilidade clínica e rigor ético. Seu uso gera números, e números seduzem, mas ninguém deveria esquecer que pontuações são pontes para uma narrativa técnica, não oráculos.

Em um bom laudo, diz-se quanto a pessoa pontuou, onde pontuou mais, como isso aparece na vida concreta, quais os elementos de corroborarão documental e quais as limitações. Evitam-se rótulos moralizantes, exageros explicativos e profecias condenatórias. A PCL-R ajuda a organizar a conversa com o juiz, o promotor e a defesa. Não substitui o discernimento.

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Entre a Frieza e a Fábula

Uma das distorções mais populares é a ideia de que psicopatas “não sentem nada”. A imagem é poderosa, perfeita para manchetes, mas pobre em precisão. O que a literatura mostra é algo mais sutil.

Em média, indivíduos com altos escores em psicopatia exibem reatividade menor a sinais de medo, menor ressonância com o sofrimento alheio, afetos rápidos e rasos e uma tendência a racionalizar o impacto de suas condutas.

Isso não significa ausência total de emoção. Alegria, raiva, surpresa e nojo estão lá. O que se altera é a escala, a duração e o papel que essas emoções jogam na regulação moral do comportamento. Em outras palavras, não é que não existam freios, é que certos freios funcionam de forma diferente.

Esse detalhe vira essencial quando todos estão sentados na mesma sala, e a pergunta é se alguém compreendia o caráter ilícito do ato ou podia se autodeterminar de acordo com esse entendimento. Psicopatia, por si, não implica inimputabilidade.

Em regra, não há perda de contato com a realidade, não há delírios que comandam, não há alucinações que sequestram o juízo crítico. O que se observa é um modo de funcionamento que aumenta riscos, reduz aprendizado com punições, favorece ganhos imediatos e empobrece a consideração pelo outro. Penalmente, isso tem consequências. O papel do perito é descrever com nitidez, sem blefes emocionais, o que está em jogo.


Avaliação Séria

Avaliar psicopatia é, antes de tudo, um ato de método. A entrevista clínica constrói uma linha do tempo, explora episódios concretos, busca exemplos, volta a temas incômodos em diferentes momentos para testar consistência. Documentos contam uma história que às vezes contradiz a narrativa ensaiada para a perícia. Relatos de terceiros, quando disponíveis, ajudam a colorir a cena com ângulos que o avaliado preferiria deixar de fora.

A desejabilidade social é um risco permanente, sobretudo quando a avaliação tem peso em benefício penal, progressão de regime ou medidas de segurança. É nesse ponto que experiência e ética se encontram. Evita-se a armadilha da credulidade e, ao mesmo tempo, não se adota postura inquisitorial que inviabiliza qualquer colaboração.

Em avaliações forenses, uma recomendação crucial é distinguir dado de inferência. Dizer que um sujeito pontuou alto em itens afetivos não autoriza concluir, sem outra base, que ele “nunca” demonstrou empatia em nenhuma relação. Apontar a impulsividade recorrente não é o mesmo que descrever alguém como “incapaz de planejar”.

Palavras têm o poder de se tornar sentenças em papel timbrado. Um laudo bem escrito conhece seu próprio alcance, responde ao que foi perguntado e resiste ao desejo de explicar tudo. O objetivo é sempre o mesmo: oferecer ao sistema de justiça informações psicológicas de qualidade para que decisões jurídicas sejam mais justas.


Crime, Risco e Responsabilidade:
Onde a Psicopatia Pesa

A psicopatia, medida por traços afetivos e interpessoais combinados a um modo de vida impulsivo e irresponsável, está associada a risco maior de reincidência, especialmente quando há abuso de substâncias, rede social criminógena e oportunidades constantes de ganho fácil. Isso não quer dizer que todo indivíduo com pontuação alta cometerá crimes violentos, nem que pessoas com pontuações baixas estão isentas de delinquir.

Crimes por desespero, crimes passionais, crimes motivados por condições concretas específicas atravessam a vida de indivíduos muito diferentes entre si. O que muda, com a psicopatia, é a probabilidade de que certos padrões se repitam e se agravem quando contextos não oferecem freios e incentivos adequados.

Nesse território, as políticas públicas importam. Ambientes prisionais que só punem e pouco estruturam, oportunidades de estudo e trabalho que só existem no papel, tratamento de dependência química que não chega a quem precisa, tudo isso aumenta o peso do pior cenário. A psicologia não promete milagres, mas sabe que risco é sempre a equação entre pessoa e contexto.

Em ambientes onde regras são claras e monitoradas, onde há reais ganhos por condutas pró-sociais e perdas consistentes por quebras de compromisso, grandes problemas podem se transformar em problemas manejáveis. Essa visão não relativiza responsabilidade. Ela a insere numa estratégia que produz resultados mais racionais para a sociedade.


Se Nasce Psicopata ou Se Torna?

Poucas discussões são tão insistentes quanto a sobre a origem da psicopatia. Pesquisas em neurociência mostram diferenças funcionais e estruturais médias em áreas relacionadas ao medo, à empatia e à recompensa. Estudos de personalidade traçam linhas entre temperamentos, experiências precoces e trajetórias futuras.

Tudo isso é útil para entender tendências. Nenhuma dessas evidências, contudo, serve para decretar destino. O cérebro se forma em diálogo com o mundo. A plasticidade neural é uma das marcas mais fascinantes da vida humana, e a infância é um laboratório permanente onde vínculos, violência, pobreza, cuidado e oportunidades vão desenhando caminhos.

Essa perspectiva não nega predisposições. Reconhece que elas existem e que podem tornar alguns indivíduos mais vulneráveis a responder com frieza a estímulos de dor alheia, por exemplo, ou menos sensíveis ao medo de punições.

A pergunta prudente nunca é “nasceu assim ou virou assim?”, e sim “o que, nesse caso, explica o que vemos, e que alternativas de manejo parecem sensatas?”. Quando a conversa envereda para profecias, perde-se de vista que, se a psicopatia precisa de uma personalidade para se manifestar, e se personalidade é construção, não faz sentido falar em “diagnóstico congênito” como se se tratasse de um gene único com efeito garantido.


O Perigo De Chamar Tudo De Psicopatia

A pressa em rotular desumaniza e empobrece a compreensão. Quando todo homicida vira psicopata no noticiário, o termo se esvazia. A rigor, a maioria dos crimes não é cometida por pessoas com esse perfil. Muitos autores de violência grave vivem relacionamentos caóticos, têm histórico de uso pesado de álcool e drogas, apresentam quadros depressivos mal tratados, ou agem dentro de dinâmicas de poder que nada têm de cálculo frio.

Reduzir a conversa a um rótulo faz bem à audiência, mas mal à justiça. O público tem o direito de exigir que redações consultem especialistas e adotem linguagem tecnicamente responsável. Isso vale para psicopatia e vale para todo o léxico de saúde mental que, mal usado, vira bengala para preconceitos.


Quando o Diagnóstico Ajuda
e Quando Ele Atrapalha

Há contextos em que reconhecer um padrão de psicopatia é decisivo. Na avaliação de risco, por exemplo, a presença de traços afetivos e interpessoais fortes, somados a impulsividade e irresponsabilidade, pode justificar medidas de proteção à vítima, desenho cuidadoso de rotinas e limites claros em progressões de regime.

Em programas de reabilitação, saber que a sensibilidade a culpa e medo pode ser baixa orienta métodos que não dependem exclusivamente dessas alavancas. Em audiências, explicar que um reconhecimento policial mal feito contamina memórias ou que um lineup sem duplo-cego induz erros protege inocentes e fortalece condenações bem fundamentadas.

O risco do diagnóstico aparece quando se usa a etiqueta como atalho moral. “É psicopata, portanto inimputável” é um erro. “É psicopata, portanto irrecuperável” é outro. E ainda há o erro simétrico, o da incredulidade: “Se demonstrou afeto com os filhos, então não pode ter psicopatia.”

O mundo humano não cabe em frases desse tipo. O papel do perito é resistir às tentações retóricas e devolver complexidade em linguagem clara, capaz de ser compreendida por quem não fala jargão. Nesse ponto, o estilo do texto importa tanto quanto seu conteúdo. Fala-se de pessoas, de seus direitos, das consequências para vítimas e famílias. Deve-se escrever com seriedade e sobriedade.


Intervenção, Tratamento e Manejo

Transtornos de personalidade não se “curam” no sentido popular da palavra. Isso não significa que não haja nada a fazer. O foco se desloca do milagre para a gestão de risco e mudança de comportamento. Programas que ensinam habilidades de resolução de problemas, reestruturação de crenças, regulação emocional e habilidades sociais têm impacto mensurável.

Ambientes com regras claras, reforços visíveis e consequências estáveis ajudam. O tratamento de comorbidades, em especial de dependência química, produz efeitos que se irradiam. Não se trata de negar a dificuldade. Trata-se de produzir resultados práticos e reduzir danos para a pessoa, para as vítimas potenciais e para o coletivo.


Psicopatologia Forense Além da Psicopatia

A psicopatologia forense não se limita à psicopatia. Ela investiga de que modo transtornos mentais, quando presentes, podem influenciar um ato ilícito ou a forma como ele é cometido. Isso não quer dizer que todo crime tenha raiz psiquiátrica, nem que transtornos produzam criminosos em série.

Significa que, diante de uma pessoa que cometeu um crime e apresenta sinais de adoecimento, avaliar a extensão dessa influência é uma questão jurídica e humanitária. Em um país onde a discussão pública muitas vezes se fecha em slogans punitivistas ou em respostas simplistas, a psicopatologia forense oferece um caminho de lucidez. Ela não absolve por decreto e não condena por reflexo. Ajuda a decidir melhor.


Mitos Que Resistem e Respostas Que Funcionam

Alguns mitos insistem em retornar como ondas. O primeiro é o da maioria criminosa psicopata. Não é verdade. A prevalência de psicopatia na população é baixa e, embora maior em contextos prisionais, não responde pela maioria dos crimes.

O segundo é o da emoção ausente. A ciência descreve emoções básicas presentes, mas moduladas de forma diferente, com empatia reduzida e remorso escasso. O terceiro é o da inimputabilidade automática. A regra é a imputabilidade mantida.

O quarto mito é o do destino fixo. Traços podem ter expressão estável, mas contextos, oportunidades e intervenções alteram trajetórias. O quinto é a crença de que todo psicopata é violento. Há perfis de colarinho branco, há combinações que geram danos não físicos, há vidas que atravessam a sociedade como um vento frio e silencioso, sem manchetes.

Respostas eficazes a mitos são simples e claras. Elas não recitam artigos de manual, mas contam por que um lineup com duplo-cego evita contaminações, por que registrar a confiança inicial em um reconhecimento previne aumentos artificiais de convicção, por que é injusto esperar que uma pessoa com baixa sensibilidade ao medo aprenda com punições da mesma forma que outra. O objetivo é mudar a conversa pública, deslocando-a do espetáculo para a eficácia.


Educação, Imprensa e Tribunais

Se a universidade aborda pouco a psicologia investigativa e a psicopatologia forense, a imprensa costuma abordar mal. Entre a negligência e o excesso de espetáculo, a ciência que interessa ao cotidiano jurídico fica sem palco.

Cursos, livros e materiais de boa qualidade existem e precisam ganhar circulação. Profissionais de psicologia e psiquiatria com experiência em perícia podem cooperar com delegacias, defensorias, promotorias e varas criminais, ajudando na elaboração de protocolos de entrevista, padrões de reconhecimento e rotinas de avaliação de risco.

Pequenas mudanças processuais geram grandes resultados. Um lineup melhor evita um erro de reconhecimento. Uma entrevista menos indutiva produz um depoimento mais fiel. Um laudo mais claro evita que um jargão vire injustiça.


Rigor Técnico, Linguagem Clara
e Compromisso Com a Justiça

A psicopatia, enquanto construto, nasceu de um olhar clínico e amadureceu nas mãos de quem insistiu em medir, comparar e validar. No Brasil, a discussão precisa de menos slogans e mais método. É possível explicar ao público que nem todo criminoso é psicopata, que psicopatas não são criaturas de ficção, que a PCL-R não é um carimbo mágico e que o papel do perito não é brilhar, e sim servir.

Em tempos de impaciência e manchetes fáceis, insistir em rigor técnico e linguagem clara é quase um ato de resistência. Serve a quem foi vítima, porque protege o processo de erros que doem duas vezes. Serve a quem é acusado, porque impede que uma avaliação pobre condene alguém pelo rótulo, não pelos fatos. Serve ao país, porque justiça que se guia por ciência e não por mitos custa menos, machuca menos e resolve mais.

O que fica, ao final, é um convite ao leitor para manter a curiosidade e a prudência. Curiosidade para ler Cleckley, para conhecer o trabalho de Robert Hare, para entender por que a entrevista que parece só conversa é um instrumento poderoso de coleta de informações. Prudência para desconfiar de simplificações, de diagnósticos convertidos em espetáculo e de sentenças que ignoram o que décadas de pesquisa já tornaram evidente.

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