79 – Tipologias de Vítimas – A Dinâmica do Crime
Descubra as classificações de vítimas na criminologia, desde Hans von Hentig até Aniyar de Castro. Análise completa sobre vitimologia, tipos de vítimas e a dinâmica do crime com foco em prevenção e compreensão científica
Tipologias de Vítimas – No complexo e frequentemente perturbador universo da criminologia, por muitas décadas, os holofotes da investigação, da mídia e do sistema de justiça estiveram quase que exclusivamente direcionados para a figura do criminoso. Suas motivações, seu perfil psicológico, as circunstâncias sociais que o teriam moldado e a mecânica de seus atos foram o foco de incontáveis estudos, teorias e debates.
Essa abordagem, embora essencial, deixava uma peça fundamental da equação criminal relegada a um papel secundário, quase como um mero objeto na cena do crime: a vítima. A percepção da vítima como um elemento passivo, um receptáculo aleatório da violência ou da fraude, dominou o pensamento criminológico por muito tempo.
Contudo, em meados do século XX, uma mudança de paradigma começou a tomar forma, introduzindo a ideia de que a vítima não é apenas um alvo inerte, mas um elemento que, com suas características, comportamentos e relações, interage com a dinâmica do crime, por vezes influenciando sua ocorrência, sua forma e seu desfecho.
O Pioneirismo de Hans Von Hentig:
O Nascimento da Dupla Penal
Para compreender a origem da vitimologia moderna, é imprescindível conhecer a figura de Hans von Hentig. Nascido em Berlim, em 9 de junho de 1887, em uma família da elite intelectual alemã, Hentig foi uma personalidade multifacetada. Seu pai, Otto von Hentig, era um dos mais respeitados advogados da capital, e o jovem Hans seguiu inicialmente a carreira jurídica, tornando-se professor de direito penal e criminologia na prestigiosa Universidade de Kiel. No entanto, sua mente inquieta não se contentava com os limites dogmáticos do direito. Ele mergulhou na psicologia, na sociologia e até mesmo na política, envolvendo-se brevemente com movimentos como o Nacional-Bolchevismo na turbulenta República de Weimar.
Com a ascensão do regime nazista, a postura crítica e o pensamento livre de Hentig tornaram sua permanência na Alemanha insustentável. Em 1935, ele emigrou para os Estados Unidos, um exílio que, embora doloroso, provou-se academicamente fértil. Foi no ambiente intelectual vibrante de instituições como a Universidade de Yale que ele gestou sua obra mais influente e duradoura: “The Criminal and His Victim: Studies in the Sociobiology of Crime”, publicada em 1948. Este livro não era apenas mais um tratado sobre o crime; era uma revolução conceitual.
Nele, Hentig introduziu a noção da “dupla penal” ou do “par criminoso-vítima”. Sua tese central era audaciosa para a época: para entender o crime em sua totalidade, era insuficiente analisar apenas o ofensor. A vítima, argumentava ele, não era uma folha em branco. Suas características biológicas, psicológicas e sociais, seus comportamentos e sua relação preexistente (ou a ausência dela) com o agressor, desempenhavam um papel ativo, ainda que muitas vezes inconsciente, na gênese do ato delituoso.
A intenção de Hentig não era, como críticos superficiais poderiam sugerir, culpar a vítima, mas sim aplicar uma lente científica para entender as vulnerabilidades, as interações e as situações que podem precipitar um crime, transformando a análise criminal de um monólogo sobre o agressor em um diálogo entre as duas partes essenciais do drama.
Os Grupos Gerais de Interação Criminoso-Vítima
Antes de detalhar os tipos específicos de vítimas, Hentig propôs três grupos abrangentes que ilustram a fluidez e a complexidade dos papéis de criminoso e vítima, demonstrando que essas não são categorias estanques, mas sim posições que podem se alternar e se sobrepor ao longo da vida de um indivíduo ou mesmo no curso de um único evento.
O primeiro grupo descreve o indivíduo que pode ser sucessivamente criminoso, depois vítima e, por fim, criminoso novamente. O exemplo mais poderoso e atual deste ciclo é o do indivíduo que comete um delito, é sentenciado e inserido em um sistema carcerário que, em vez de cumprir sua promessa de ressocialização, funciona como uma escola de aperfeiçoamento do crime. Dentro da prisão, ele se torna vítima de violência, de extorsão por parte de facções, da negligência do Estado e de um ambiente que aniquila sua humanidade.
Ao ser liberto, carrega consigo o estigma de ex-detento, que lhe fecha as portas do mercado de trabalho, e os traumas da vida carcerária. Sem perspectivas e brutalizado, a probabilidade de que ele retorne ao mundo do crime, tornando-se reincidente, é imensa. Ele foi criminoso, tornou-se vítima do sistema e, por consequência, volta a ser criminoso, em um ciclo trágico que evidencia a falência das políticas de segurança pública focadas apenas na punição.
O segundo grupo é o do indivíduo que é simultaneamente criminoso e vítima. O caso mais emblemático é o do usuário de drogas que, para sustentar sua própria dependência, se envolve com o tráfico em pequena escala. Ele é, inegavelmente, uma vítima de sua condição de saúde, a dependência química, que o aprisiona física e psicologicamente.
Ao mesmo tempo, ao comercializar substâncias ilícitas para financiar seu consumo, ele comete um crime e passa a ser visto pela lei como um criminoso, um traficante. Nessa situação, as fronteiras se tornam turvas: ele é vítima de uma doença e de um sistema que muitas vezes oferece mais punição do que tratamento, e é também um agente que contribui, ainda que em pequena escala, para a disseminação do problema que o aflige.
O terceiro grupo é o do criminoso que se torna vítima de forma imprevisível. Um exemplo dramático e recorrente nos noticiários é o do autor de um crime particularmente chocante, como um estupro ou um assassinato brutal, que é capturado pela população local antes da chegada da polícia.
Movida por um sentimento de fúria e por um desejo primitivo de justiça imediata, a multidão o ataca, espanca e, por vezes, o mata. Naquele instante, o agressor, autor de um crime bárbaro, se transforma na vítima de outro crime igualmente bárbaro: o linchamento. Aquele que era o algoz passa a ser a vítima de um homicídio coletivo, demonstrando a terrível capacidade humana de transitar entre os polos da violência.
Tipologias de Vítimas – Por Hentig
A partir desses grupos mais amplos, Hentig mergulhou em uma análise minuciosa das características que poderiam tornar uma pessoa mais suscetível à vitimização, criando uma tipologia detalhada baseada em fatores psicológicos, sociais e situacionais. É importante reiterar que esta classificação é um produto de seu tempo e algumas de suas terminologias podem soar datadas ou controversas hoje. No entanto, a essência de sua análise sobre as vulnerabilidades humanas permanece profundamente relevante.
Vítima Isolada: Esta é a pessoa que, por sua reclusão social, se torna um alvo de baixo risco para o criminoso. A falta de uma rede de apoio, de vizinhos atentos ou de familiares presentes faz com que sua ausência não seja notada rapidamente, dando ao agressor mais tempo para agir e ocultar seus rastros. Pensemos no idoso que vive sozinho, cujos filhos moram em outra cidade.
Um golpista pode se passar por um funcionário do banco ou um prestador de serviços, ganhando sua confiança ao longo de semanas e dilapidando suas economias sem que ninguém perceba. Da mesma forma, um jovem que sofre de fobia social e passa a maior parte do tempo online pode ser mais facilmente manipulado por predadores virtuais, pois seu sofrimento e as interações perigosas ocorrem longe dos olhos de sua família.
Vítima Por Proximidade: Neste caso, a vitimização é facilitada pela proximidade, seja ela física ou emocional, com o agressor. Esta categoria é absolutamente central para a compreensão de duas das mais devastadoras formas de violência: a doméstica e a infantil. A mulher agredida pelo marido, o filho abusado pelo pai, a criança violentada por um parente próximo.
Em todos esses casos, é a proximidade, a confiança inerente à relação e o ambiente privado do lar que permitem que a violência ocorra e se perpetue, muitas vezes por anos, longe do alcance da lei. A proximidade que deveria significar segurança se transforma na própria condição da vitimização.
Vítima Com Ânimo De Lucro: Movida por uma ganância desmedida ou por um desespero financeiro, essa pessoa se torna presa fácil para golpes e fraudes. A promessa de enriquecimento rápido e sem esforço, seja através de um esquema de pirâmide financeira disfarçado de “investimento inovador” ou de um e-mail anunciando que ela é a herdeira de uma fortuna na Nigéria, cega seu julgamento.
Ela ignora os sinais evidentes de perigo, pois o desejo de ganho fácil é mais forte que a prudência. Estelionatários são mestres em explorar essa cobiça, criando narrativas elaboradas e urgentes que pressionam a vítima a agir rapidamente, sem pensar.
Vítima Com Ânsia De Viver: Hentig descreve aqui os indivíduos que, em sua busca por emoções fortes e aventuras, acabam por minimizar ou ignorar os riscos aos quais se expõem. O desejo de viver a vida intensamente pode levá-los a frequentar lugares notoriamente perigosos, a confiar em estranhos em um país estrangeiro, ou a praticar atividades de alto risco sem o equipamento ou o preparo adequados.
O turista que se aventura por uma favela não pacificada em busca de uma “experiência autêntica” e acaba assaltado, ou o jovem que aceita uma bebida de um desconhecido em uma festa e se torna vítima do golpe “boa noite, Cinderela”, são exemplos dessa categoria.
Vítima Agressiva: Esta é a pessoa que, após um longo e torturante histórico de abuso, finalmente reage, muitas vezes de forma violenta. A esposa que, após anos de espancamentos e humilhações, apunhala o marido agressor durante o sono, é o exemplo clássico. No momento do ato, ela é a agressora, mas sua ação só pode ser compreendida à luz de sua longa história como vítima.
A análise jurídica e psicológica de tais casos é extremamente delicada, pois a linha que separa a legítima defesa do homicídio se torna tênue, e o contexto de vitimização prolongada é um fator que não pode ser ignorado.
Vítima Sem Valor: Este é, talvez, o termo mais controverso de Hentig, e precisa ser compreendido em seu contexto histórico e criticamente reavaliado. Ele o usou para descrever indivíduos que, por seu comportamento ou estilo de vida marginalizado, são vistos pela sociedade – e, crucialmente, por seus agressores – como alvos descartáveis, cujas vidas importam menos. Pessoas em situação de rua, profissionais do sexo, usuários de drogas, travestis.
Os crimes cometidos contra esses grupos frequentemente recebem menos atenção da mídia, menos empenho na investigação policial e causam menos comoção pública. O agressor, consciente dessa indiferença social, sente-se mais seguro para atacar, pois sabe que as consequências de seu ato serão, provavelmente, menores. Hoje, entendemos que essa “falta de valor” não é uma característica da vítima, mas sim um produto da desigualdade social e do preconceito estrutural.
Vítima Pelo Estado Emocional: Emoções intensas e avassaladoras, como o ódio, a vingança, a paixão obsessiva ou o medo pânico, podem levar uma pessoa a se colocar em uma posição de extrema vulnerabilidade. Uma pessoa cega pelo ciúme pode perseguir um ex-parceiro, invadir sua privacidade e acabar se tornando vítima de uma reação violenta.
Aquele que busca vingança por uma ofensa pode ser atraído para uma emboscada. O estado emocional alterado compromete a capacidade de julgamento e de avaliação de riscos, tornando o indivíduo um alvo mais fácil.
Vítima Por Mudança Da Fase De Existência: Hentig observou que as transições entre as diferentes fases da vida – a infância, a adolescência, a meia-idade, a velhice – trazem consigo vulnerabilidades específicas. As crianças são vulneráveis pela sua ingenuidade e dependência física. Os adolescentes, pela sua impulsividade, pela necessidade de aceitação pelo grupo e pela menor percepção de risco. Os idosos, pela sua fragilidade física, pela solidão e, por vezes, pela deterioração cognitiva. Cada fase da vida tem seus próprios predadores e seus próprios tipos de crime associados.
Vítima Perversa: Este é um tipo psicológico complexo, que Hentig associa a personalidades com traços psicopáticos ou narcisistas. São indivíduos que manipulam, exploram e prejudicam os outros para seu próprio benefício ou prazer. Eventualmente, seu comportamento predatório pode provocar uma reação igualmente violenta por parte de uma de suas vítimas, e eles acabam sendo vitimados por suas próprias maquinações. É o golpista que tenta enganar um criminoso mais perigoso que ele e acaba morto.
Vítima Alcoólatra E Depressiva: Tanto o alcoolismo (e outras dependências químicas) quanto a depressão são condições de saúde que alteram profundamente a percepção da realidade e diminuem a capacidade de autoproteção. A pessoa alcoolizada perde seus reflexos, seu julgamento e sua capacidade de se defender, tornando-se um alvo fácil para roubos, agressões sexuais ou outros crimes. A pessoa com depressão grave, por sua vez, pode ser dominada por um sentimento de apatia, desesperança e até de autodestruição, que a leva a se expor a situações de risco que, em um estado normal, ela evitaria.
Vítima Voluntária: É aquela que, por uma variedade de razões complexas, não oferece resistência ao crime. Isso não significa que ela deseje o resultado, mas que sua capacidade de reagir está bloqueada. Pode ser por um medo paralisante, por um sentimento de resignação aprendido após anos de abuso (desamparo aprendido), ou até por uma crença distorcida de que ela merece o que está acontecendo. Essa passividade, percebida pelo criminoso, facilita e encoraja a continuidade da ação.
Vítima Indefesa: Esta categoria não se refere ao momento do crime, mas ao pós-crime. É a pessoa que, mesmo tendo sofrido uma violência, decide não buscar ajuda ou denunciar o agressor. Ela pode temer represálias, pode sentir vergonha, pode acreditar que não será levada a sério pela polícia, ou pode achar que o processo judicial será uma segunda vitimização, mais traumática que o próprio crime. Essas vítimas compõem a chamada “cifra oculta” da criminalidade, a imensa massa de crimes que nunca chegam ao conhecimento das autoridades e, portanto, não entram nas estatísticas oficiais.
Vítima Falsa: Em contraste com todas as outras, esta é a pessoa que não foi vítima de crime algum. É o indivíduo que, de forma consciente e deliberada, simula ou inventa ter sido vítima para obter algum tipo de benefício: receber o dinheiro de um seguro, conseguir atenção e simpatia, ou, de forma mais maliciosa, prejudicar um desafeto, acusando-o falsamente de um crime. Embora estatisticamente raras, essas falsas alegações causam um dano imenso, pois erodem a credibilidade das vítimas genuínas e desviam preciosos recursos do sistema de justiça.
Vítima Imune: Pessoas que, por sua posição social, poder, riqueza ou profissão (como policiais, juízes, políticos), desenvolvem um sentimento de invulnerabilidade. Elas acreditam que “isso nunca aconteceria comigo” e, por consequência, podem se tornar negligentes com sua própria segurança. Esse excesso de confiança pode levá-las a dispensar seguranças, a frequentar lugares arriscados ou a se expor de maneiras que uma pessoa comum não faria, tornando-as, ironicamente, alvos valiosos e surpreendentemente fáceis.
Vítima Reincidente: É a pessoa que já foi vítima anteriormente e, por uma série de fatores, volta a ser vitimizada. Isso pode ocorrer porque ela vive em um ambiente de risco constante (como uma área de alta criminalidade), porque o trauma da primeira vitimização a tornou mais vulnerável, ou porque ela não aprendeu a reconhecer e a evitar os sinais de perigo que levaram ao primeiro evento. A mulher que sai de um relacionamento abusivo e entra em outro com um parceiro igualmente violento é um exemplo trágico de vitimização reincidente.
Vítima Que Se Converte Em Autor: Semelhante à vítima agressiva, esta é a pessoa que, no meio de uma agressão, consegue reverter a situação e passa a atacar seu agressor original. A manifestação jurídica mais clara deste conceito é a legítima defesa. No entanto, a situação pode ser mais complexa, como no caso de uma vítima de sequestro que, para sobreviver, acaba colaborando com seus captores e cometendo crimes a mando deles.
Vítima Propensa: Hentig sugeriu que certos traços de personalidade, quando muito acentuados, poderiam tornar uma pessoa mais propensa à vitimização ao longo da vida. A ingenuidade excessiva, a passividade, a imprudência, a ganância ou uma necessidade patológica de agradar os outros seriam exemplos de traços que, em diferentes contextos, poderiam ser explorados por criminosos.
Vítima Resistente: O exato oposto da vítima voluntária. É a pessoa que luta, que grita, que reage à agressão, que não aceita passivamente o papel que lhe é imposto. Sua resistência pode ter dois resultados opostos: pode frustrar a ação do criminoso, que busca um alvo fácil e desiste diante da dificuldade, ou pode escalar a violência, levando o agressor a usar de mais força para subjugar a vítima, resultando em lesões mais graves ou até na morte.
Vítima Da Natureza: Em uma expansão interessante do conceito, Hentig incluiu em sua análise aqueles que são vitimados não por um ato humano intencional, mas por forças incontroláveis da natureza. As vítimas de enchentes, terremotos, tsunamis ou pandemias. Embora não haja um “criminoso” no sentido tradicional, essas pessoas sofrem perdas, traumas e necessitam de apoio e reparação, tal como as vítimas de crimes, o que justifica sua inclusão no campo mais amplo do estudo da vitimização.
Os Subgrupos Complementares De Hentig
Para finalizar sua classificação, Hentig ainda apontou dois subgrupos importantes que sintetizam as vulnerabilidades em categorias mais amplas.
Vítimas Com Predisposições Especiais: Neste subgrupo, a vitimização decorre de fatores específicos e identificáveis, como a idade (crianças e idosos), a profissão (policiais, seguranças, taxistas), a religião (membros de grupos minoritários), o estado psicológico (pessoas com transtornos mentais), a condição física (pessoas com deficiência), entre outros. São características que, em determinados contextos sociais e criminais, aumentam a vulnerabilidade do indivíduo.
Vítimas Com Predisposições Gerais: Aqui, a vitimização está ligada a estados psicológicos mais difusos e generalizados, como a depressão profunda, que pode levar a uma apatia e a uma negligência com a própria segurança, e o fatalismo, a crença de que o destino é imutável e que nada pode ser feito para evitar o mal. Essas pessoas podem não tomar as precauções básicas, pois acreditam que, se algo ruim deve acontecer, acontecerá de qualquer forma.
Outras Perspectivas Fundamentais Sobre A Vitimologia
O trabalho de Hentig foi a pedra fundamental, mas não a única. Ele abriu as portas para que outros pensadores, em diferentes países e com diferentes formações, explorassem a figura da vítima, adicionando novas camadas de compreensão. As classificações que se seguiram não necessariamente invalidam a de Hentig, mas a complementam, focando em diferentes aspectos da relação vítima-crime-sociedade.
A Classificação Focada Na Relação De Jiménez De Asúa
O renomado jurista e político espanhol Luis Jiménez de Asúa, em sua obra de 1944, propôs uma classificação mais enxuta e focada especificamente na relação de conhecimento e escolha entre o criminoso e a vítima. Sua tipologia é extremamente útil para a investigação criminal, pois ajuda a direcionar as linhas de inquérito.
Vítima Indiferente: O alvo é completamente aleatório, fungível e desconhecido do agressor. A vítima é escolhida por sua conveniência ou pela simples oportunidade. É o caso de um atentado terrorista que explode uma bomba em um mercado, de um atirador em massa em uma escola, ou de um assaltante de rua que aborda o primeiro pedestre que encontra. A identidade da vítima é irrelevante para o criminoso.
Vítima Determinada: Aqui, há uma escolha deliberada e específica. O criminoso conhece a vítima e a seleciona por um motivo particular: vingança, ciúme, ganho financeiro, eliminação de uma testemunha. Crimes passionais, feminicídios, latrocínios planejados contra um empresário específico e execuções encomendadas são exemplos claros. A investigação, neste caso, deve se concentrar no círculo de relações da vítima.
Vítima Indefinida Ou Indeterminada: A ação criminosa não visa um indivíduo, mas sim um grupo, uma coletividade ou a sociedade como um todo. Crimes ambientais, como o rompimento de uma barragem de rejeitos que polui um rio e destrói comunidades inteiras, são um exemplo poderoso. Outros casos incluem a venda de medicamentos falsificados, crimes contra a saúde pública, ou grandes fraudes financeiras que lesam milhares de investidores. A vítima é o corpo social.
A Visão Social De Moreira Filho
O jurista cubano Roberto Moreira Filho, em 2003, trouxe uma perspectiva que amplia o foco para além da dupla penal, incluindo a responsabilidade do Estado e da sociedade na criação de vítimas. Sua classificação tem um forte viés crítico e social.
Vítimas Inocentes: Aquelas que em nada contribuíram para o evento criminoso, sendo meros alvos passivos da ação do delinquente.
Vítimas Natas: Também chamadas de provocadoras, são as que, de alguma forma, consciente ou inconscientemente, instigam, facilitam ou precipitam a ação criminosa com seu comportamento.
Vítimas Omissas: As que, após sofrerem o crime, não o comunicam às autoridades públicas, seja por medo, desconfiança ou conveniência. Essa omissão contribui para a impunidade do agressor e para a perpetuação da cifra oculta da criminalidade.
Vítimas Da Política Social: Esta é, talvez, sua contribuição mais importante. Moreira Filho aponta para a negligência do Estado como um fator gerador de vítimas. São as pessoas que se tornam vítimas da criminalidade como consequência direta da ausência ou da falência de políticas públicas de segurança, saúde, educação, moradia e emprego. A criança que vive na rua e é cooptada pelo tráfico por falta de escola e de um lar estruturado é, antes de ser uma criminosa, uma vítima da política social.
Vítimas Inconformadas Ou Atenuantes: Em oposição às omissas, são as vítimas ativas, que não se resignam. Elas buscam a intervenção do Estado, exigem a investigação do crime, lutam pela punição do culpado e pela reparação judicial dos danos sofridos.
As Detalhadas Categorias De Aniyar De Castro
A criminologista venezuelana Lola Aniyar de Castro, uma das vozes mais importantes da criminologia crítica na América Latina, ofereceu em 1983 uma das classificações mais extensas e sintonizadas com a realidade contemporânea, abrangendo desde crimes tradicionais até as novas formas de vitimização.
Vítima Singular E Coletiva: Uma distinção semelhante à de Asúa, diferenciando o alvo individual do grupo ou da coletividade.
Vítima De Si Mesma: A pessoa que se coloca em uma situação de risco ou que, por seu próprio comportamento, provoca a ação do criminoso.
Vítima De Crimes Alheios: A pessoa que é atingida acidentalmente por um crime que visava outra pessoa. O exemplo mais comum é a vítima de “bala perdida” em um confronto entre policiais e bandidos ou entre facções rivais.
Vítima Por Tendência: Refere-se a grupos que, por suas características, são mais vulneráveis a certos tipos de crime. Idosos são vítimas por tendência de golpes por telefone e fraudes. Crianças e adolescentes, de crimes cibernéticos como o grooming e o cyberbullying. Mulheres, do feminicídio e da violência sexual.
Vítima Reincidente E Habitual: A reincidente já foi vítima mais de uma vez, do mesmo crime ou de crimes diferentes. A vítima habitual é aquela que é constantemente lesada em uma relação contínua, como o consumidor sistematicamente enganado por uma empresa de telefonia ou de TV a cabo.
Vítima Profissional: A pessoa que é vitimada em decorrência do exercício de sua atividade profissional. O policial morto em serviço, o motorista de aplicativo assaltado, o caixa de banco feito refém durante um roubo.
Vítima Que Atua Com Culpa Consciente: A pessoa que, embora não deseje o resultado danoso, assume conscientemente o risco de produzi-lo. O exemplo clássico é o motorista que participa de um “racha” e sofre um grave acidente. Ele não queria se acidentar, mas sabia que sua conduta era extremamente arriscada.
Vítima Consciente: Sabe do risco ao qual está exposta, mas, por alguma razão (necessidade, coação, etc.), o aceita. O trabalhador de uma fábrica que aceita operar uma máquina sem o equipamento de segurança adequado por medo de ser demitido é uma vítima consciente.
Vítima Que Age Com Dolo: É a pessoa que, na tentativa de obter uma vantagem ilícita, acaba se tornando vítima de um golpe. É o que a doutrina chama de “torpeza bilateral”, pois ambos os lados da transação agem de má-fé. O exemplo clássico é o indivíduo que tenta comprar um produto contrabandeado ou roubado por um preço muito baixo e acaba recebendo uma caixa de tijolos. Ele não pode nem mesmo prestar queixa à polícia, pois sua intenção inicial também era ilegal.
Da Culpa À Prevenção
O caminho através das tipologias de vítimas, desde o trabalho seminal de Hans von Hentig até as contribuições críticas e sociais que se seguiram, revela a extraordinária complexidade da dinâmica criminal. Fica claro que o crime raramente é um evento simples e unilateral. Ele é, na maioria das vezes, o ponto culminante de uma série de interações, vulnerabilidades, oportunidades e contextos. Estudar essas tipologias não tem como objetivo distribuir culpas ou estigmatizar aqueles que já sofreram. Pelo contrário, seu valor é eminentemente prático e preventivo.
Ao entender os fatores de risco – sejam eles psicológicos, comportamentais, sociais ou situacionais – que tornam uma pessoa ou um grupo mais suscetível à vitimização, a sociedade pode desenvolver estratégias de prevenção muito mais eficazes. Isso pode se traduzir em campanhas de conscientização sobre golpes financeiros para idosos, em políticas de urbanismo que tornem os espaços públicos mais seguros, em programas de apoio a mulheres em relacionamentos abusivos, e em políticas sociais que ofereçam oportunidades a jovens em situação de risco.
A vítima, finalmente, deixou de ser uma nota de rodapé na história do crime para se tornar um capítulo central, cuja leitura atenta e empática é indispensável para quem busca, para além da simples punição, a construção de uma sociedade genuinamente mais justa e segura para todos.
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