20 – Transtorno Fetichista
Transtorno Fetichista - conforme descrito nos manuais diagnósticos como o DSM-5, representa um desvio quando o prazer se torna compulsão e passa a gerar sofrimento clínico ou prejuízo funcional.

Transtorno Fetichista é um dos temas mais controversos dentro da sexologia forense, pois situa-se na fronteira entre o comportamento sexual considerado comum e a manifestação patológica que compromete o funcionamento psíquico, social e afetivo do indivíduo. Enquanto o fetiche em si pode ser apenas uma expressão da sexualidade humana — uma forma de estímulo erótico que envolve objetos, partes do corpo ou contextos simbólicos —, o transtorno fetichista, conforme descrito nos manuais diagnósticos como o DSM-5, representa um desvio quando o prazer se torna compulsão e passa a gerar sofrimento clínico ou prejuízo funcional.
O estudo dessa condição ganha relevância no campo forense por seu potencial de influenciar condutas, relacionamentos e até práticas delitivas. Entender seus critérios diagnósticos, suas implicações psicológicas e sociais, e suas interfaces com a psiquiatria e o direito é essencial para qualquer profissional que atue na avaliação de comportamentos sexuais atípicos, especialmente quando envolvem aspectos criminais ou de violação de direitos.
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Entre o Fetiche e o Transtorno
O transtorno fetichista é classificado como uma das parafilias — conjunto de condições em que a excitação sexual depende de objetos, situações ou práticas incomuns. No entanto, a simples presença de um fetiche não constitui um transtorno. A diferença fundamental está no impacto que essa preferência causa na vida da pessoa.
De acordo com o critério A do DSM-5, o diagnóstico requer que o indivíduo apresente, por um período mínimo de seis meses, excitação sexual intensa e recorrente gerada pelo uso de objetos inanimados ou por um foco altamente específico em partes não genitais do corpo, manifestado por fantasias, impulsos ou comportamentos. O critério B complementa, exigindo que tais impulsos causem sofrimento clinicamente significativo ou prejuízo funcional na vida social, profissional ou afetiva.
É importante lembrar que, dentro do espectro da sexualidade, o fetiche é comum e culturalmente disseminado. O uso de roupas íntimas, acessórios ou práticas que evocam excitação não é, por si só, indício de transtorno. O limite surge quando o comportamento se torna compulsivo, restritivo e interfere na capacidade de se relacionar de forma saudável, ou quando o sujeito não consegue sentir desejo ou prazer sem o estímulo fetichista presente.
A Natureza do Objeto e o Papel da Fantasia
O critério C do transtorno fetichista define uma distinção essencial: o objeto de desejo não pode se limitar a artigos de vestuário usados em travestismo (como ocorre no transtorno transvéstico) nem a dispositivos criados para estimulação genital, como vibradores ou brinquedos sexuais. Esses elementos, embora possam estar envolvidos na fantasia, são socialmente compreendidos como extensões do comportamento sexual humano.
O transtorno se estabelece quando o objeto de desejo é algo sem função sexual direta — como sapatos, meias, luvas, vegetais ou qualquer outro item cujo uso original não tenha conotação erótica. Um exemplo ilustrativo seria o caso de um indivíduo que obtém prazer apenas ao se masturbar com um sapato usado, uma peça íntima alheia ou um objeto inusitado, sem que o contato com o parceiro seja suficiente para gerar excitação.
Essa distinção é fundamental, pois o objeto fetichista é, muitas vezes, substituto simbólico do parceiro sexual, funcionando como canal exclusivo para o prazer. A sexualidade passa a se concentrar no artefato e não mais na relação interpessoal, configurando isolamento afetivo e, muitas vezes, sofrimento psíquico.
Especificadores Diagnósticos
O DSM-5 propõe dois especificadores principais para o transtorno fetichista:
- Foco em partes do corpo (como pés, mãos, cabelos, olhos ou dedos);
- Foco em objetos inanimados (como roupas íntimas, calçados, artigos de couro, borracha ou tecidos específicos).
Essas manifestações não são mutuamente excludentes. Um indivíduo pode apresentar combinações fetichistas, envolvendo simultaneamente o objeto e a parte corporal. Um exemplo clássico é o fetiche por pés e sapatos: o sujeito sente atração pelo pé, mas o estímulo se intensifica apenas quando ele está calçado em determinado tipo de sapato.
O parcialismo, conceito incorporado ao diagnóstico moderno, descreve a excitação voltada a uma parte específica do corpo — como dedos dos pés ou unhas —, revelando o caráter altamente individual e simbólico das fixações.
Da Fantasia à Compulsão
O fetichismo é, em sua essência, um fenômeno multissensorial. Pode envolver o toque, o olfato, a visão e até o som, compondo um cenário de excitação que se alimenta da repetição ritualística. Alguns indivíduos relatam prazer em cheirar, lamber, tocar ou segurar o objeto de fetiche durante a masturbação, enquanto outros preferem que o parceiro sexual use ou manipule o objeto durante o ato.
Embora, em muitos casos, o fetiche seja apenas uma preferência inofensiva, ele se torna transtorno quando substitui a relação interpessoal. Em situações clínicas, é comum observar sujeitos que só conseguem atingir o orgasmo na presença do objeto fetichista, recusando ou evitando o contato sexual com o parceiro. Essa dependência pode gerar crises conjugais, isolamento afetivo e disfunções sexuais secundárias.
Em alguns casos, o comportamento evolui para acúmulo obsessivo de itens fetichistas, com sujeitos que colecionam dezenas de objetos de mesma natureza. Outros chegam a cometer pequenos delitos, como furtos de roupas íntimas, sapatos ou acessórios pessoais. Embora a maioria dos portadores do transtorno não apresente histórico criminal, há casos documentados em que o impulso fetichista se tornou elemento motivador de condutas ilícitas, especialmente quando associado a traços de transtorno de personalidade antissocial.
O Desenvolvimento do Transtorno
e os Fatores Psicodinâmicos
As parafilias costumam ter início na puberdade, mas o fetichismo pode emergir ainda na infância tardia. Algumas crianças demonstram fixações em objetos ou partes do corpo antes mesmo da maturidade sexual, o que pode se intensificar com o tempo, especialmente em contextos de repressão afetiva ou de sexualidade precoce.
Do ponto de vista psicanalítico, o fetiche é interpretado como substituto simbólico de uma falta, frequentemente associada a experiências infantis de ansiedade, medo da castração ou perda de uma figura de apego. O objeto fetichista, portanto, funcionaria como uma forma inconsciente de reassegurar controle, poder ou segurança.
Sob a ótica neuropsicológica, há indícios de que o sistema de recompensa cerebral — especialmente as áreas associadas à dopamina, como o núcleo accumbens — possa participar da manutenção do comportamento fetichista. A repetição da conduta reforça os circuitos neurais do prazer, tornando a prática compulsiva. Assim, o cérebro passa a associar a excitação exclusivamente ao objeto, criando uma forma de condicionamento erótico.
Gênero, Cultura e Invisibilidade
Os estudos clínicos indicam que o transtorno fetichista é muito mais frequentemente diagnosticado em homens. Entretanto, isso não necessariamente reflete uma diferença biológica, mas pode estar relacionado à subnotificação feminina, influenciada por fatores culturais e sociais.
O machismo estrutural e os estigmas que permeiam a sexualidade das mulheres podem mascarar comportamentos fetichistas femininos, que acabam sendo vistos como “fantasias” ou “jogos eróticos”, não como possíveis manifestações parafílicas. Além disso, a pornografia — majoritariamente voltada ao público masculino — contribui para a normalização de práticas fetichistas em homens e para a invisibilização das mulheres nesse contexto.
Pesquisas recentes também discutem a influência da cultura midiática e da internet na ampliação das práticas fetichistas. Plataformas de conteúdo adulto e redes sociais facilitaram o compartilhamento de imagens e objetos de fetiche, como o fenômeno dos “packs de pés”, popularizado na última década. O que antes era tabu passou a ser mercadoria, transformando o fetichismo em um nicho econômico.
O Transtorno Fetichista
e as Implicações Forenses
Na perspectiva forense, o transtorno fetichista raramente aparece isolado em contextos criminais, mas pode ser coadjuvante em condutas antissociais. Casos documentados mostram indivíduos que invadem residências, furtam objetos pessoais ou violam a privacidade alheia em busca de itens fetichistas. Esses comportamentos podem configurar crimes patrimoniais, invasão de domicílio ou importunação, ainda que não haja contato sexual direto com a vítima.
O desafio para o perito e para o psicólogo jurídico é distinguir fantasias inofensivas de condutas potencialmente delitivas, identificando o grau de controle que o sujeito mantém sobre seus impulsos. Quando o comportamento se torna irrefreável e motivado por excitação sexual intensa, é possível reconhecer a presença de uma parafilia com potencial risco social.
Em alguns casos mais graves, o transtorno pode se entrelaçar a outros transtornos de personalidade, como o transtorno obsessivo-compulsivo ou o transtorno antissocial, potencializando a rigidez comportamental ou o desrespeito a limites éticos e legais.
Prejuízos e Disfunções Associadas
O prejuízo funcional é a principal marca do transtorno fetichista. Quando a excitação fica restrita ao objeto de desejo, o indivíduo tende a apresentar disfunção sexual nos relacionamentos. A incapacidade de se satisfazer sem o fetiche pode gerar frustração, afastamento e conflitos conjugais.
Em situações mais severas, o sujeito passa a preferir a atividade sexual solitária com o objeto, mesmo estando em uma relação afetiva estável. Essa prática compulsiva pode evoluir para isolamento, culpa e ansiedade.
Do ponto de vista psicológico, observa-se frequentemente a presença de culpa e vergonha após o ato, sentimentos que reforçam o ciclo de ansiedade e prazer. Em alguns pacientes, o comportamento fetichista surge como estratégia para aliviar tensões emocionais, atuando como válvula de escape para lidar com estresse, frustração ou solidão.
O tratamento do transtorno fetichista exige uma abordagem interdisciplinar que envolva psicologia, psiquiatria e sexologia clínica. A terapia cognitivo-comportamental é uma das principais estratégias, focando na reconstrução dos padrões de pensamento e comportamento que mantêm o ciclo compulsivo. Técnicas de dessensibilização, reestruturação cognitiva e controle de impulsos são frequentemente utilizadas.
Nos casos em que há comorbidades — como ansiedade, depressão ou transtornos obsessivos —, o uso de medicação psiquiátrica pode ser indicado. Inibidores seletivos de recaptação de serotonina (ISRS) têm demonstrado eficácia na redução do impulso sexual compulsivo.
Além do tratamento clínico, o trabalho psicoeducativo é fundamental para que o paciente compreenda a diferença entre comportamento sexual saudável e compulsão patológica. A empatia e a ausência de julgamento são essenciais, já que o estigma social pode agravar o isolamento e dificultar a adesão ao tratamento.
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O Papel da Psicologia Forense
O profissional que atua em contextos periciais ou clínicos deve ter preparo técnico e emocional para lidar com as nuances do fetichismo. O atendimento precisa ser pautado pelo sigilo profissional, pela escuta empática e pelo discernimento ético. O objetivo não é “curar” o fetiche em si, mas avaliar sua interferência na vida psíquica e social do indivíduo.
Em perícias judiciais, o psicólogo ou psiquiatra forense deve descrever de forma objetiva a presença ou ausência de prejuízo funcional, evitando juízos morais. O desafio está em interpretar a sexualidade sob a ótica científica e não sob o olhar do senso comum.
O direito, por sua vez, deve se amparar na perícia técnica para compreender até que ponto o transtorno compromete a imputabilidade do sujeito. Em casos de crimes motivados por impulsos parafílicos, a perícia psicológica e psiquiátrica torna-se peça-chave na avaliação da responsabilidade penal.
O Fetichismo e a Sociedade
A sociedade tem apresentado uma relação ambígua com o fetichismo. Por um lado, há uma hipersexualização cultural, que normaliza práticas antes consideradas desviantes. Por outro, cresce o discurso moralista que patologiza toda expressão fora do padrão heteronormativo.
Essa dualidade cria um terreno fértil para confusão diagnóstica e estigmatização. O profissional da saúde mental deve estar atento à influência das mídias, pornografia e redes sociais na formação de fantasias e comportamentos sexuais. O acesso precoce a conteúdos eróticos pode distorcer a percepção do prazer e contribuir para a fixação em estímulos específicos, dificultando o desenvolvimento da intimidade emocional.
O fetichismo, quando não patológico, pode fazer parte da diversidade sexual humana. Mas quando assume caráter compulsivo e prejudicial, requer intervenção clínica e compreensão humanizada.
Entre o Desejo e o Sofrimento
O transtorno fetichista é uma condição que exige olhar técnico, empático e interdisciplinar. Ele não se resume ao uso de objetos ou à preferência por partes do corpo; é uma manifestação psíquica que reflete dinâmicas inconscientes, circuitos neurobiológicos e influências culturais.
Na sexologia forense, compreender o fetichismo é compreender também as fronteiras da liberdade e da patologia. A diferença entre um comportamento erótico saudável e uma parafilia está no sofrimento e no prejuízo que ele causa.
Psicólogos, psiquiatras, juristas e neurocientistas têm o desafio ético de interpretar o desejo humano sem reduzi-lo à moralidade, mas também sem negligenciar seus riscos. O fetichismo, quando se torna prisão, revela a complexidade da mente humana — onde o prazer pode ser, ao mesmo tempo, fonte de vida e sintoma de desordem.
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