62 – Transtorno Frotteurista
O transtorno frotteurista é uma parafilia caracterizada pela excitação sexual ao tocar ou esfregar-se em pessoas sem consentimento. Conheça os critérios diagnósticos, causas, fatores de risco, comorbidades, implicações legais e abordagens terapêuticas desse transtorno complexo e recorrente em ambientes urbanos

O transtorno frotteurista, embora pouco discutido fora dos círculos clínicos e forenses, é um dos comportamentos parafílicos mais recorrentes na sociedade contemporânea. Ele se manifesta de maneira discreta, quase invisível, mas profundamente invasiva — o toque ou atrito físico não consentido em outra pessoa, praticado como fonte de prazer sexual.
Muitas das vítimas sequer percebem o que aconteceu até alguns segundos depois. Outras são paralisadas pelo choque ou pela vergonha. O agressor, por sua vez, frequentemente se esconde atrás da multidão, escapando da detecção. Em uma sociedade marcada por transportes públicos lotados e espaços de convivência cada vez mais impessoais, o froteurismo encontra terreno fértil.
De acordo com o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5-TR), o transtorno frotteurista se caracteriza por excitação sexual recorrente e intensa provocada por tocar ou esfregar-se em pessoas que não consentem, manifestada por fantasias, impulsos ou comportamentos reais, ao longo de pelo menos seis meses.
Quando O Toque Se Torna Um Ato De Violência
O comportamento frotteurista difere de qualquer forma de contato físico casual. Ele é planejado, intencional e sexualmente motivado. O indivíduo não busca afeto, interação ou reciprocidade; busca apenas a excitação gerada pela violação da intimidade alheia.
É um ato de transgressão que combina impulsividade, prazer e poder. A vítima, sem perceber, é transformada em instrumento de gratificação. Essa violação, ainda que muitas vezes breve, pode gerar traumas duradouros — desde ansiedade e medo de locais públicos até fobias sociais severas.
Na maioria dos casos, os episódios ocorrem em ambientes de alta densidade populacional: ônibus, metrôs, shows, calçadas movimentadas. Locais em que o toque físico pode ser facilmente disfarçado como acidente. Essa estratégia de dissimulação faz parte do padrão comportamental do frotteurista, que reconhece a ilegalidade de seus atos, mas encontra prazer justamente no risco e na clandestinidade.
Da Parafilia Ao Transtorno
Como em outros casos de comportamentos parafílicos, o froteurismo pode existir em dois níveis. Quando se manifesta apenas no campo das fantasias, sem causar sofrimento nem prejuízo social, fala-se em parafilia.
No entanto, quando o indivíduo age sobre o impulso ou sofre consequências emocionais e sociais devido às fantasias, o quadro passa a ser classificado como transtorno frotteurista.
Essa distinção é essencial para o diagnóstico clínico e para a aplicação da lei. Um indivíduo pode sentir desejo por determinado comportamento sem ser criminoso; o transtorno se confirma quando há ação sem consentimento ou incapacidade de controle.
O Perfil Do Frotteurista
Em termos gerais, o transtorno frotteurista é mais comum em homens jovens e adultos, especialmente aqueles que apresentam histórico de impulsividade, ansiedade ou transtornos de conduta.
Frequentemente, esses indivíduos começam a apresentar o comportamento no fim da adolescência ou início da vida adulta, quando percebem a excitação associada ao toque furtivo. Muitos deles relatam que a primeira experiência ocorreu em locais públicos e foi acompanhada de uma sensação intensa de prazer e medo.
O frotteurista geralmente fantasia situações de carinho e reciprocidade, acreditando que o contato físico cria algum tipo de conexão com a vítima. Essa distorção cognitiva reforça o ciclo do comportamento, levando à reincidência.
Apesar disso, o portador do transtorno tem plena consciência da ilegalidade de seus atos. Ele sabe que está praticando um crime e, por isso, busca locais e situações que favoreçam o anonimato.
Critérios Diagnósticos E Estrutura Clínica
O DSM-5-TR estabelece dois critérios fundamentais para o diagnóstico do transtorno frotteurista:
Critério A: o indivíduo apresenta, durante pelo menos seis meses, excitação sexual intensa e recorrente ao tocar ou esfregar-se em pessoas que não consentem, conforme manifestado por fantasias, impulsos ou comportamentos.
Critério B: o sujeito colocou esses impulsos em prática com uma ou mais pessoas não consentidas, ou suas fantasias causam sofrimento clínico significativo, comprometendo sua vida social, profissional e afetiva.
Se o indivíduo apenas fantasia sem agir, o quadro é classificado como parafilia frotteurista. Quando há ação e prejuízo, transforma-se em transtorno frotteurista.
Especificadores E Situações Clínicas
Assim como em outros transtornos parafílicos, o frotteurismo pode ser qualificado por especificadores:
- Em ambiente protegido, quando o sujeito se encontra institucionalizado (por exemplo, preso ou internado), sem oportunidade de cometer o ato.
– - Em remissão completa, quando não há manifestações do comportamento por pelo menos cinco anos, mesmo em ambiente não protegido.
Essas distinções são cruciais para o acompanhamento terapêutico e para a aplicação de medidas legais, pois ajudam a determinar o risco de reincidência.
A Cultura Do “Encoxador”
Nas últimas décadas, o termo “encoxador” se popularizou na mídia brasileira, especialmente em reportagens sobre abusos em transportes coletivos. O que muitas vezes é tratado como simples importunação é, na verdade, uma manifestação direta do transtorno frotteurista.
O encoxador não age por acidente. Ele escolhe o momento, o local e a vítima. O comportamento é repetitivo, e o prazer não está apenas no contato físico, mas também no fato de fazê-lo sem permissão. A clandestinidade é parte da excitação.
Infelizmente, o tratamento dado pela sociedade a esses casos ainda é superficial. Em vez de enxergar o comportamento como sinal de doença sexual e risco social, muitos o interpretam como mera falta de respeito ou “perversão casual”.
No entanto, as estatísticas mostram que o problema é muito mais grave. Estudos indicam que até 30% dos homens adultos já praticaram algum ato frotteurista, ainda que isoladamente. E entre 10% e 14% dos pacientes com diagnóstico de parafilias ou hipersexualidade atendidos em clínicas psiquiátricas apresentam traços de froteurismo clínico.
Especificadores E Grau De Gravidade
Assim como outros transtornos parafílicos, o frotteurismo pode receber especificadores clínicos, como “em ambiente protegido” — quando o indivíduo está institucionalizado ou impossibilitado de ter acesso a vítimas —, e “em remissão completa”, aplicado a quem passou pelo menos cinco anos sem episódios em ambiente livre.
Esses critérios ajudam profissionais a identificar o risco de reincidência e a eficácia do tratamento. A remissão não significa cura, mas controle.
As Múltiplas Desculpas Do Agressor
Durante interrogatórios e avaliações clínicas, é comum que o frotteurista negue o caráter sexual de suas ações. Muitos afirmam que o contato foi acidental, resultado da lotação, ou que não tinham intenção de se excitar.
Essas justificativas fazem parte do mecanismo de negação típico do transtorno. O indivíduo racionaliza seu comportamento, tentando preservá-lo da censura social e jurídica. Ainda assim, o padrão de repetição e o prazer sexual envolvido não deixam dúvidas sobre a natureza do ato.
O fato de negar o impulso não impede o diagnóstico. O que determina o transtorno é o comportamento recorrente e a presença de excitação sexual associada ao toque não consentido.
Número De Vítimas
E Padrão De Reincidência
A literatura forense considera que o diagnóstico é mais robusto quando há múltiplas vítimas ou episódios distintos, ainda que praticados contra a mesma pessoa.
As Vítimas E O Trauma Invisível
O transtorno frotteurista não afeta apenas quem o possui. Ele deixa marcas profundas em suas vítimas — geralmente mulheres — que experimentam choque, repulsa e humilhação.
Muitas relatam dificuldade em usar transporte público, medo de multidões e sintomas de transtorno de estresse pós-traumático (TEPT). O impacto psicológico é devastador e frequentemente negligenciado.
O froteurismo, embora pareça “menor” em comparação a crimes sexuais mais violentos, viola a integridade corporal e emocional da vítima, configurando um tipo de agressão sexual silenciosa e cotidiana.
Três ou mais vítimas em diferentes ocasiões costumam indicar um padrão consolidado de comportamento, mas mesmo um único caso recorrente pode ser suficiente, desde que o indivíduo reconheça a presença do impulso e demonstre sofrimento ou perda de controle.
A reincidência é comum, especialmente quando não há acompanhamento psicológico. Muitos agressores são pegos várias vezes até que recebam atenção psiquiátrica.
Fatores De Risco E Desenvolvimento
O transtorno frotteurista está frequentemente associado a transtornos antissociais e hipersexualidade. O sujeito apresenta impulsividade elevada, pouca empatia e dificuldade de lidar com frustrações.
Além disso, há fatores temperamentais e ambientais que contribuem para o desenvolvimento da parafilia:
- Histórico de abuso sexual e emocional na infância.
– - Criação em ambientes repressivos em relação à sexualidade.
– - Uso precoce de pornografia e erotização distorcida das relações humanas.
– - Ausência de vínculos afetivos saudáveis e dificuldades de intimidade.
– - Comportamento antissocial e falta de empatia.
– - Hipersexualidade e busca constante por estímulo.
– - Transtorno de personalidade antissocial ou transtorno de conduta.
– - Abuso de álcool e drogas, que diminuem a inibição.
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O prognóstico depende da gravidade dos sintomas e da resposta ao tratamento. Indivíduos que buscam ajuda e aderem à psicoterapia têm maior chance de controle, enquanto os que negam o problema tendem à reincidência.
Muitos frotteuristas relatam solidão e isolamento emocional. O ato de tocar outra pessoa se torna, inconscientemente, uma forma distorcida de contato humano.
Froteurismo Feminino E Subnotificação
Embora a maioria dos casos registrados envolva homens, o froteurismo também ocorre em mulheres. No entanto, a sociedade tende a minimizar ou ridicularizar esse comportamento quando praticado por elas.
O machismo cultural faz com que poucos homens denunciem episódios de abuso sexual cometidos por mulheres. O medo de serem desacreditados ou ridicularizados contribui para a subnotificação e a invisibilidade do froteurismo feminino.
É provável que o número real de casos seja muito maior do que as estatísticas indicam. Essa desigualdade na percepção social reflete, mais uma vez, o viés de gênero presente nas análises de crimes sexuais.
Diagnóstico Diferencial:
O Que Não É Frotteurismo
O diagnóstico do transtorno frotteurista exige cuidado. O simples ato de encostar-se em alguém não o caracteriza, sendo necessário avaliar a intenção e o contexto.
Outras condições podem gerar comportamentos semelhantes, como:
- Transtorno de conduta, em que o indivíduo toca os outros como forma de desafio e não por excitação.
– - Transtorno de personalidade antissocial, no qual o sujeito viola regras e limites sem motivação sexual.
– - Transtornos por uso de substâncias, em que o toque ocorre sob efeito de álcool ou drogas estimulantes.
A diferença essencial está no elemento erótico: o frotteurista sente prazer ao se esfregar, mesmo quando não está intoxicado, e repete o comportamento ao longo do tempo.
Comorbidades Frequentes
Assim como outras parafilias, o transtorno frotteurista raramente ocorre de forma isolada. Ele costuma vir acompanhado de hipersexualidade, transtorno exibicionista, transtorno voyeurista, além de condições clínicas como depressão, ansiedade, bipolaridade e abuso de substâncias.
Essas comorbidades ampliam o risco de reincidência e tornam o tratamento mais complexo. O acompanhamento deve ser multidisciplinar, unindo psicólogos, psiquiatras e profissionais forenses.
O Contexto Forense
E A Responsabilidade Penal
Do ponto de vista jurídico, o comportamento frotteurista se enquadra no artigo 215-A do Código Penal Brasileiro, que trata da importunação sexual. O crime ocorre quando há ato libidinoso sem consentimento da vítima, com pena que pode chegar a cinco anos de reclusão.
A diferença entre o transtorno e o crime está no campo da imputabilidade. Se o indivíduo, no momento do ato, tinha plena capacidade de compreender e de se autodeterminar, ele responde criminalmente.
No entanto, se for comprovado que o comportamento decorreu de um transtorno mental grave, pode ser considerado semi-imputável ou até inimputável, sendo submetido a tratamento psiquiátrico em vez de pena carcerária.
A perícia psicológica é fundamental nesses casos. Ela avalia se o ato foi deliberado, impulsivo ou compulsivo, e determina o nível de discernimento do autor.
A Psicologia Forense No Enfrentamento
Do Froteurismo
A psicologia forense atua tanto na avaliação dos acusados quanto no acolhimento das vítimas. O trabalho pericial busca compreender os fatores que motivaram o ato, identificando se há transtorno parafílico subjacente.
Já o atendimento clínico visa reduzir os danos emocionais das vítimas, que frequentemente desenvolvem traumas duradouros. A vergonha e o medo de reviver o episódio levam muitas delas a se calarem, o que reforça a invisibilidade do problema.
O tratamento dos agressores envolve terapia cognitivo-comportamental e, em alguns casos, intervenções farmacológicas que ajudam a reduzir a libido e controlar impulsos.
A Dimensão Social Do Problema
O transtorno frotteurista é uma expressão complexa da sexualidade humana que expõe as fragilidades da mente e os limites do controle sobre o desejo. Mais do que uma conduta criminosa, é um problema de saúde mental e social que precisa ser compreendido de forma integrada.
A psicologia, o direito e a sociedade devem atuar juntos — não apenas para punir, mas também para educar, tratar e prevenir.
Em um país onde o transporte público é palco diário de abusos, compreender o transtorno frotteurista é essencial para romper o ciclo de silêncio, garantir justiça às vítimas e oferecer tratamento a quem, por impulso ou doença, perdeu o controle sobre o próprio corpo.
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