12 – Tratamento do TEA – Atualização das Diretrizes para Diagnóstico e Tratamento do TEA
Tratamento do TEA - As novas diretrizes da Sociedade Brasileira de Neurologia Infantil trazem avanços na compreensão do autismo com foco no diagnóstico precoce, terapias baseadas em evidência e ética profissional

Tratamento do TEA – O Transtorno do Espectro Autista (TEA) é hoje um dos temas mais debatidos nas áreas da neurociência, psicologia e psiquiatria. A compreensão sobre o autismo evoluiu intensamente nas últimas décadas, e essa transformação reflete não apenas avanços científicos, mas também mudanças profundas na forma como a sociedade enxerga o desenvolvimento humano.
A recente atualização publicada pela Sociedade Brasileira de Neurologia Infantil (SBNI) reúne as mais modernas evidências científicas e oferece um panorama completo sobre diagnóstico, avaliação clínica, terapias baseadas em evidência e condutas éticas. O documento também esclarece equívocos comuns e alerta sobre tratamentos sem comprovação científica, reforçando a importância de uma abordagem centrada no indivíduo e guiada pela ciência.
O TEA é caracterizado fundamentalmente por desafios na comunicação e interação social, associados a padrões de comportamentos repetitivos e interesses restritos. Contudo, essa definição, embora precisa, apenas arranha a superfície de uma condição imensamente heterogênea.
A transição para o termo “espectro” no Manual de Diagnóstico e Estatística de Transtornos Mentais (DSM-5) foi um reconhecimento formal dessa diversidade, abolindo subcategorias anteriores e introduzindo um sistema de níveis de suporte (1, 2 e 3) que reflete a necessidade individual de auxílio nas atividades diárias.
O Que É Autismo – Tratamento do TEA
O TEA é um transtorno do neurodesenvolvimento que se manifesta nos primeiros anos de vida, afetando principalmente a comunicação social e o comportamento. Segundo o DSM-5 (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais), o autismo é um espectro que abrange diferentes níveis de gravidade e suporte, variando de pessoas com autonomia funcional até aquelas que necessitam de acompanhamento contínuo.
A neurociência tem sido fundamental para compreender as bases biológicas do autismo. Estudos recentes mostram diferenças nas conexões sinápticas, no funcionamento de redes neurais e na forma como o cérebro processa estímulos sensoriais e sociais.
Essas alterações explicam parte das dificuldades em interpretar emoções, manter contato visual ou compreender nuances de linguagem, como ironia e metáforas. No entanto, compreender o autismo vai muito além da biologia: envolve também a análise dos aspectos psicológicos, afetivos e ambientais que influenciam o desenvolvimento e a adaptação social.
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Neurobiológica do Autismo
A ausência de um marcador biológico definitivo para o TEA tem sido, historicamente, um dos maiores desafios para o diagnóstico. No entanto, a última década testemunhou uma verdadeira revolução no campo da neurociência, que começa a preencher essa lacuna. Pesquisas sofisticadas, utilizando tecnologias de ponta, estão pintando um retrato cada vez mais detalhado da arquitetura e do funcionamento do cérebro autista. Um dos achados mais consistentes e impactantes refere-se aos padrões atípicos de conectividade cerebral.
Estudos de neuroimagem funcional, como a ressonância magnética funcional (fMRI), têm revelado um padrão paradoxal: uma “hipoconectividade” em longas distâncias, coexistindo com uma “hiperconectividade” em áreas locais. Em termos mais simples, parece haver uma comunicação menos eficiente entre regiões cerebrais distantes, que precisam colaborar para funções complexas como a cognição social, enquanto as conexões dentro de áreas mais específicas e próximas podem ser excessivamente intensas.
Essa teoria da conectividade ajuda a explicar, por exemplo, a dificuldade em integrar múltiplas informações para compreender um contexto social amplo, ao mesmo tempo em que há uma capacidade notável para o foco intenso em detalhes específicos.
Outra fronteira de pesquisa que tem ganhado destaque é o estudo da plasticidade neuronal, a capacidade do cérebro de se modificar e se adaptar em resposta a experiências. As novas recomendações da SBNI enfatizam a importância de aproveitar as “janelas críticas” do desenvolvimento infantil, períodos em que o cérebro é excepcionalmente maleável. A intervenção precoce, portanto, não é apenas uma recomendação baseada na observação clínica, mas uma estratégia com profundo embasamento neurobiológico.
Estimular o cérebro jovem com as terapias adequadas pode, literalmente, ajudar a construir e fortalecer circuitos neurais mais eficientes, mitigando os desafios impostos pela condição. A pesquisa também aponta para diferenças estruturais, como a macrocrania, um aumento do perímetro cefálico frequentemente observado em crianças com TEA nos primeiros anos de vida.
Embora não seja um sinal diagnóstico isolado, esse crescimento cerebral acelerado e precoce sugere processos de desenvolvimento atípicos que estão sob intensa investigação. Estudos recentes publicados na revista JAMA, por exemplo, encontraram uma densidade sináptica – o número de conexões entre os neurônios – significativamente menor em indivíduos autistas, um achado que desafia paradigmas anteriores e abre novas vias para a compreensão da fisiopatologia do TEA.
Além da imagem estrutural e funcional, a neurociência busca por biomarcadores que possam auxiliar no diagnóstico precoce e objetivo. O rastreamento visual (eye-tracking) surge como uma das tecnologias mais promissoras. Dispositivos que monitoram para onde uma criança olha ao ser exposta a estímulos sociais, como um rosto ou uma cena de interação, têm demonstrado um alto poder preditivo.
Crianças com desenvolvimento típico tendem a focar nos olhos e na boca para extrair informações sociais, enquanto crianças que mais tarde são diagnosticadas com TEA frequentemente apresentam um padrão de olhar mais disperso, focando em objetos ou em partes menos informativas do rosto. O FDA, agência reguladora dos Estados Unidos, já autorizou a comercialização do primeiro dispositivo baseado em rastreamento visual para auxiliar no diagnóstico de TEA em crianças pequenas, um marco que sinaliza a transição dessas tecnologias do laboratório para a prática clínica.
Comorbidades Neurológicas –
Além dos Sintomas Centrais
O TEA raramente caminha sozinho. A presença de comorbidades neurológicas é a regra, não a exceção, e seu reconhecimento e manejo adequados são fundamentais para o bem-estar global do indivíduo. A epilepsia merece destaque especial, afetando entre 20 a 30% das pessoas com TEA, uma prevalência muito superior à da população geral. As crises podem ser de diversos tipos, desde ausências sutis até convulsões tônico-clônicas generalizadas. Em alguns casos, a atividade epileptiforme subclínica pode contribuir para regressões no desenvolvimento ou para dificuldades cognitivas adicionais.
Os distúrbios do sono constituem outra comorbidade extremamente frequente, afetando até 80% das crianças com TEA. Dificuldades para adormecer, despertares noturnos frequentes, sono fragmentado e despertar precoce são queixas comuns. Esses problemas não são meramente inconvenientes; eles têm impacto direto no comportamento diurno, na capacidade de aprendizagem, na regulação emocional e na qualidade de vida de toda a família. A abordagem inicial envolve medidas de higiene do sono, mas frequentemente requer intervenção farmacológica com melatonina, que tem se mostrado segura e eficaz.
Os problemas gastrointestinais também são reportados com frequência aumentada no TEA. Constipação, diarreia, refluxo gastroesofágico e dor abdominal podem estar presentes e, em alguns casos, podem influenciar o comportamento. Uma criança com desconforto abdominal pode apresentar irritabilidade, agitação ou comportamentos disruptivos que podem ser erroneamente atribuídos apenas ao autismo. A avaliação e o tratamento adequados dessas condições podem resultar em melhora significativa do bem-estar e do comportamento.
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Aspectos Sensoriais
Uma das características mais marcantes e universais do TEA são as alterações no processamento sensorial. Indivíduos no espectro podem apresentar tanto hiperreatividade quanto hiporreatividade a estímulos sensoriais, e essa variabilidade pode ocorrer até mesmo na mesma pessoa em diferentes modalidades sensoriais ou em diferentes momentos.
A hiperreatividade pode se manifestar como uma aversão extrema a sons específicos (misofonia), texturas de alimentos ou roupas, luzes brilhantes ou multidões. Por outro lado, a hiporreatividade pode levar a comportamentos de busca sensorial, como balançar o corpo, bater palmas repetitivamente ou procurar estímulos visuais intensos.
Essas diferenças sensoriais não são caprichos ou birras; elas refletem uma organização neurológica atípica que processa as informações do ambiente de forma diferente. Compreender e acomodar essas necessidades sensoriais é fundamental para criar ambientes onde a pessoa com TEA possa funcionar de forma mais confortável e eficaz.
Estratégias como o uso de fones de ouvido com cancelamento de ruído, roupas com texturas específicas, ambientes com iluminação controlada ou a criação de “cantinhos sensoriais” podem fazer uma diferença significativa na qualidade de vida.
Diagnóstico
O documento da SBNI enfatiza que o diagnóstico do TEA é essencialmente clínico. Ele depende da observação direta do comportamento, da escuta atenta dos familiares e de uma compreensão profunda sobre o desenvolvimento infantil. A ausência de um marcador biológico único faz com que a experiência do profissional seja determinante.
A janela de oportunidade para a intervenção, quando a plasticidade neuronal está em seu auge, torna o diagnóstico precoce uma verdadeira corrida contra o tempo. As diretrizes da SBNI reforçam a importância de os profissionais de saúde e os pais estarem atentos aos sinais de alerta que podem surgir nos primeiros meses de vida.
Manifestações como a falha em sustentar o contato visual durante a amamentação, a baixa reciprocidade social, a ausência de balbucio ou de imitação de gestos podem ser indicativos precoces. Embora o diagnóstico definitivo em crianças muito pequenas seja complexo, a pesquisa tem demonstrado uma estabilidade surpreendente.
Um estudo de grande impacto, citado no documento, revelou que a partir dos 14 meses de idade, a acurácia do diagnóstico de TEA começa a ser consistente, atingindo 84% de estabilidade aos 16 meses quando reavaliado aos três anos de idade. Este dado é um divisor de águas, pois combate a antiga noção de que seria necessário esperar até os 3 ou 4 anos para um diagnóstico seguro, um tempo precioso que seria perdido.
O processo diagnóstico é essencialmente clínico, uma tapeçaria tecida com os fios da observação atenta da criança e de uma entrevista detalhada com os pais. O profissional precisa investigar minuciosamente o histórico do desenvolvimento, desde a gestação e o período neonatal até os marcos motores e de linguagem. Ferramentas de rastreio, como o M-CHAT (Modified Checklist for Autism in Toddlers), validado para o português brasileiro e recomendado pela Sociedade Brasileira de Pediatria, são instrumentos valiosos para a triagem em larga escala na atenção primária.
É crucial entender, contudo, que escalas de rastreio não fecham diagnóstico; elas sinalizam a necessidade de uma avaliação mais aprofundada por uma equipe especializada. Para a confirmação diagnóstica, instrumentos mais robustos e que exigem treinamento específico, como o ADOS-2 (Autism Diagnostic Observation Schedule) e a ADI-R (Autism Diagnostic Interview-Revised), são considerados o padrão-ouro. A complexidade reside também no diagnóstico diferencial, pois muitos outros transtornos do neurodesenvolvimento, como o Transtorno da Comunicação Social ou mesmo a deficiência intelectual, podem apresentar sintomas que se sobrepõem aos do TEA, exigindo do clínico experiência e discernimento.
A psicologia e a psiquiatria desempenham aqui um papel central, pois ajudam a diferenciar o autismo de outros transtornos com sintomas semelhantes, como o déficit de atenção e hiperatividade (TDAH), transtornos da linguagem ou deficiências intelectuais.
A observação de sinais precoces é um ponto decisivo. Estudos de neurociência mostram que, desde os primeiros meses de vida, podem ser identificados padrões de atenção diferentes — como a redução do contato visual durante as interações e a dificuldade de imitar sons e gestos.
Esses sinais, quando reconhecidos cedo, permitem uma intervenção precoce, aproveitando a plasticidade cerebral — a capacidade do cérebro de se reorganizar e formar novas conexões neurais nos primeiros anos de vida. É essa plasticidade que explica por que a terapia precoce pode transformar o prognóstico de muitas crianças.
O diagnóstico deve ser multidimensional, envolvendo a história familiar, o ambiente em que a criança vive, e os fatores gestacionais e neonatais. Condições como infecções durante a gravidez, diabetes gestacional ou complicações no parto podem ter relevância. Também é necessário investigar a presença de outras condições neurológicas e genéticas, como síndrome do X-frágil ou esclerose tuberosa.
Neurociência E O Diagnóstico Precoce
A pesquisa neurocientífica tem aberto caminhos promissores na detecção precoce do autismo. Estudos com ressonância magnética funcional e rastreamento ocular identificam diferenças significativas na conectividade cerebral e nos padrões de atenção social em bebês que futuramente serão diagnosticados com TEA. Crianças com autismo tendem a olhar menos para os olhos e mais para objetos, um comportamento que pode ser medido de forma objetiva por meio de dispositivos de rastreamento visual.
Em 2024, o FDA (órgão regulador dos Estados Unidos) aprovou o primeiro dispositivo que utiliza tecnologia de rastreamento ocular para ajudar na triagem de crianças entre 16 e 30 meses. Esses avanços representam uma integração inédita entre neurociência e tecnologia aplicada à saúde mental, mas ainda exigem profissionais capacitados para interpretar os resultados dentro do contexto clínico e psicológico.
A neurociência também tem contribuído para compreender as bases genéticas do autismo. Estudos apontam que, em muitos casos, há uma combinação de fatores genéticos e ambientais — uma herança poligênica que envolve centenas de genes. Isso explica por que o TEA não se manifesta de forma idêntica entre indivíduos, e por que ele pode coexistir com outras condições psiquiátricas, como ansiedade, depressão e transtornos obsessivos.
Psicologia e a Psiquiatria
A psicologia contribui de maneira decisiva para o diagnóstico, oferecendo instrumentos de avaliação do comportamento e das relações afetivas. Escalas como o M-CHAT, CARS-2, ADOS-2 e ADI-R são ferramentas amplamente utilizadas e validadas no Brasil. Elas auxiliam o psicólogo e o psiquiatra a observar padrões de interação, resposta emocional e capacidade de comunicação social.
O relatório da SBNI destaca que nenhuma ferramenta isolada substitui a observação clínica. A relação terapêutica, a empatia e a escuta são tão importantes quanto os testes padronizados. É essa integração entre técnica e sensibilidade que permite ao profissional compreender a singularidade de cada criança.
Outro aspecto fundamental é a diferenciação entre TEA e comportamentos influenciados pelo ambiente. Crianças expostas a privações afetivas, negligência emocional ou excesso de estímulos eletrônicos podem apresentar sinais semelhantes aos do autismo, sem necessariamente preencher os critérios diagnósticos.
A psicologia do desenvolvimento alerta que a privação simbólica — ausência de brincadeiras, leituras e contato humano — compromete a aquisição de linguagem e empatia, podendo gerar um “autismo virtual” reversível com reeducação afetiva e redução do tempo de telas.
A interface com a psiquiatria é fundamental, uma vez que a prevalência de comorbidades psiquiátricas é extremamente elevada. Transtornos de ansiedade, Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), depressão e transtornos disruptivos do comportamento são acompanhantes frequentes, adicionando camadas de complexidade ao quadro clínico e ao manejo terapêutico.
A irritabilidade, a agitação e a agressividade, embora não façam parte dos critérios diagnósticos centrais do TEA, são sintomas que frequentemente levam as famílias a buscar ajuda e que podem causar prejuízos significativos. É neste ponto que a intervenção farmacológica pode se tornar uma ferramenta importante, não para “tratar o autismo”, mas para manejar sintomas-alvo específicos que interferem na capacidade de engajamento nas terapias e na vida diária.
As diretrizes da SBNI, alinhadas com as agências internacionais, destacam que apenas dois medicamentos, os antipsicóticos atípicos risperidona e aripiprazol, possuem aprovação do FDA para o tratamento da irritabilidade associada ao TEA. A decisão de iniciar uma medicação deve ser sempre criteriosa, pesando os potenciais benefícios contra os riscos de efeitos adversos, e inserida dentro de um plano terapêutico amplo que priorize as intervenções comportamentais.
Para outras comorbidades, como o TDAH, o uso de psicoestimulantes pode ser considerado, embora a resposta em indivíduos com TEA possa ser mais variável. A abordagem da ansiedade e da depressão também requer um olhar cuidadoso, muitas vezes combinando psicoterapia adaptada e, quando necessário, o uso de antidepressivos.
O manejo dos distúrbios do sono, por sua vez, começa com a higiene do sono, mas pode incluir o uso de melatonina, que tem se mostrado eficaz e segura em muitos casos. A abordagem psiquiátrica no TEA é, portanto, uma arte de precisão, focada em aliviar o sofrimento e em remover barreiras para que o indivíduo possa se beneficiar ao máximo das intervenções desenvolvidas para suas necessidades nucleares.
A Neuropsiquiatria do Autismo
A psiquiatria do desenvolvimento tem estudado como as alterações neurobiológicas do autismo se traduzem em sintomas comportamentais. Pesquisas mostram diferenças na atividade do córtex pré-frontal, responsável pelo controle inibitório e pela empatia, e do sistema límbico, associado à regulação emocional. Essas descobertas explicam a dificuldade que muitas pessoas autistas têm para identificar emoções nos outros ou ajustar comportamentos sociais.
Os níveis de suporte descritos pelo DSM-5 refletem justamente o grau de autonomia funcional. Indivíduos classificados no nível 1 necessitam de suporte leve e podem atingir independência plena com acompanhamento terapêutico. Já os níveis 2 e 3 indicam maior dependência e desafios cognitivos e comportamentais mais acentuados. A determinação do nível, contudo, deve ser feita com cautela, respeitando o momento do desenvolvimento e evitando rótulos permanentes.
Entre Conexões e Desconexões
Aprofundando a investigação sobre a neurobiologia do TEA, a hipótese da conectividade cerebral se desdobra em nuances fascinantes. A ideia de um cérebro com “excesso de conexões locais e déficit de conexões globais” oferece um modelo poderoso para entender muitas das características autistas. O cérebro neurotípico é hábil em podar sinapses irrelevantes durante o desenvolvimento, um processo que otimiza a eficiência das redes neurais.
No cérebro autista, evidências sugerem que essa “poda sináptica” pode ser menos eficiente, resultando em um excesso de “ruído” informacional local. Isso poderia explicar a sensibilidade sensorial exacerbada – uma hiperreatividade a estímulos como sons, luzes e texturas – que é comum no espectro. O mundo pode ser percebido como um bombardeio sensorial caótico e avassalador. Por outro lado, a dificuldade em integrar informações de diferentes modalidades sensoriais e cognitivas, decorrente da menor conectividade a longa distância, pode comprometer a capacidade de extrair o significado geral de uma situação, a chamada “coerência central fraca”.
Outra área de intensa investigação é o funcionamento dos circuitos neurais implicados na cognição social, como a rede de neurônios-espelho e as áreas relacionadas à Teoria da Mente – a capacidade de inferir os estados mentais de outras pessoas. Alterações na ativação e conectividade dessas redes podem ser a base neural para as dificuldades na interação social, na compreensão de intenções, metáforas e na empatia cognitiva.
Além disso, a alta prevalência de comorbidades neurológicas, como a epilepsia, que afeta de 20 a 30% dos indivíduos com TEA, reforça a noção de uma disfunção cerebral subjacente. A ocorrência de crises epilépticas ou de alterações eletroencefalográficas sugere uma instabilidade na excitabilidade neuronal, um desequilíbrio entre os processos de excitação e inibição no cérebro que pode estar intrinsecamente ligado à própria neurobiologia do autismo. Os distúrbios do sono, também extremamente frequentes, são outra peça desse quebra-cabeça, possivelmente ligados a desregulações no ciclo circadiano e na produção de melatonina, com impacto direto no comportamento, na aprendizagem e na qualidade de vida.
Ciência, Ética e Humanização
Entre as várias formas de intervenção, o documento da SBNI reconhece como principal referência a Análise do Comportamento Aplicada (ABA). Essa abordagem é uma das mais estudadas pela psicologia e pela neurociência comportamental, baseando-se na modificação de comportamentos por meio de reforço positivo e estímulos estruturados. A ABA não é uma “técnica única”, mas uma ciência que investiga as relações entre comportamento e ambiente. Seu sucesso está em adaptar o método às necessidades de cada indivíduo, respeitando o ritmo de aprendizagem e a complexidade do caso.
Modelos mais recentes como Denver, JASPER e Pivotal Response Training representam uma evolução da ABA, incorporando elementos naturalísticos e interativos. Essas terapias estimulam o aprendizado em contextos reais — brincadeiras, interações sociais e rotinas diárias — aproveitando a motivação espontânea da criança. A neurociência mostra que o aprendizado baseado em contexto ativa mais regiões cerebrais associadas à atenção e à memória emocional, potencializando a eficácia da intervenção.
A abordagem transdisciplinar é outro pilar essencial. Ela reúne psicólogos, fonoaudiólogos, terapeutas ocupacionais, neurologistas, psiquiatras e pedagogos em um plano terapêutico integrado. Essa convergência reflete a própria natureza do autismo, que envolve dimensões cognitivas, emocionais e neurológicas simultaneamente. Nenhuma disciplina isolada é capaz de compreender o espectro em sua totalidade.
A Plasticidade Cerebral
Do ponto de vista neurocientífico, o sucesso das intervenções precoces se explica pela plasticidade cerebral. Nos primeiros anos de vida, o cérebro forma e reorganiza conexões neurais com rapidez extraordinária. Cada estímulo recebido — visual, tátil, auditivo ou afetivo — influencia a arquitetura cerebral. Crianças com TEA que são estimuladas de forma adequada desenvolvem novas redes de comunicação entre regiões cerebrais que, antes, funcionavam de modo desintegrado.
Pesquisas em neuroimagem demonstram que a intervenção precoce pode modificar padrões de conectividade, melhorando o engajamento social e a linguagem. Essa evidência reforça o papel da psicologia e da pedagogia terapêutica como mediadoras do processo de reorganização neural. O brincar simbólico, a imitação e o vínculo afetivo tornam-se ferramentas neurológicas para reconfigurar a forma como o cérebro percebe e responde ao mundo.
Características Clínicas
Para compreender plenamente o Transtorno do Espectro Autista, é fundamental conhecer as manifestações clínicas que definem a condição. As diretrizes da SBNI apresentam um quadro abrangente das características frequentemente observadas, organizadas em duas dimensões principais conforme estabelecido pelo DSM-5.
Dificuldades Sociais e de Comunicação | Interesses Restritos e Repetitivos |
---|---|
Dificuldade para iniciar e manter conversação | Estereotipias motoras e/ou vocais |
Dificuldade para iniciar ou responder uma interação social | Alinhar, girar ou demais movimentos repetidos com objetos |
Dificuldade em demonstrar e reconhecer corretamente as emoções | Sofrimento ou desconforto frente às mudanças |
Isolamento social | Dificuldade com transições de ambientes ou atividades |
Pouco contato visual ou contato visual pouco sustentado | Padrões rígidos de pensamento e comportamento |
Expressão e compreensão empobrecida da linguagem corporal | Rituais de saudação e outros contextos |
Ausência ou dificuldade em estabelecer amigos | Necessidade de fazer o mesmo caminho ou outros padrões de rigidez |
Inabilidade em ajustar o comportamento aos contextos sociais | Interesse extremo ou restrito a um assunto |
Dificuldade para entender ironia, metáforas ou piadas | Apego incomum a determinado objeto |
Dificuldade em se colocar no lugar do outro (teoria da mente) | Hipo ou hiperreatividade aos estímulos sensoriais |
Dificuldade em compartilhar brincadeiras imaginativas | Cheirar ou manipular objetos de forma atípica |
Seletividade alimentar em padrões atípicos |
Essas características não se manifestam de forma uniforme em todos os indivíduos com TEA. A intensidade, a combinação e a evolução desses sintomas ao longo do tempo variam enormemente, justificando a denominação “espectro”. Algumas crianças podem apresentar habilidades excepcionais em áreas específicas, como matemática, música ou arte, enquanto enfrentam desafios significativos na comunicação social. Outras podem ter uma linguagem aparentemente fluente, mas com dificuldades sutis na pragmática – o uso social da linguagem em diferentes contextos.
Quando e Como Investigar
A abordagem diagnóstica do TEA vai além da observação clínica e pode incluir uma série de exames complementares, dependendo da apresentação clínica e da história individual. As recomendações da SBNI estabelecem critérios claros para a solicitação de exames, evitando tanto a investigação excessiva quanto a negligência de condições importantes.
Tipo de Exame | Indicação |
---|---|
Exames laboratoriais gerais (hemograma, função hepática, renal, tiroidiana) | Avaliação geral de saúde, não específica para TEA |
Cariótipo e array-CGH | História familiar de deficiência intelectual, dismorfias, macrocrania acentuada |
Pesquisa de X-frágil | História familiar sugestiva, deficiência intelectual associada |
Eletroencefalograma (EEG) | Suspeita de epilepsia, episódios paroxísticos, regressão do desenvolvimento |
Neuroimagem (RM ou TC) | Macrocrania acentuada (>2 DP), sinais neurológicos focais, suspeita de lesão estrutural |
Avaliação auditiva | Atraso de linguagem, suspeita de perda auditiva |
Avaliação oftalmológica | Quando há suspeita de déficit visual |
A decisão de solicitar exames deve ser sempre individualizada, baseada na história clínica e no exame físico. A investigação genética, por exemplo, é particularmente importante quando há história familiar de deficiência intelectual ou quando a criança apresenta características dismórficas. O array-CGH (hibridização genômica comparativa) pode identificar microduplicações ou microdeleções cromossômicas associadas ao TEA, informações que podem ter implicações para o aconselhamento genético familiar.
Prescrição de Terapias
A SBNI alerta sobre o crescimento de práticas sem comprovação científica. Dietas restritivas, suplementações indiscriminadas, ozonioterapia, quelantes, células-tronco e uso de canabidiol são exemplos de abordagens que ainda não apresentam evidências robustas. O canabidiol, por exemplo, embora estudado em diversas universidades, continua classificado como experimental. Há relatos de melhoras subjetivas em alguns pacientes, mas os estudos carecem de metodologia rigorosa e controle placebo.
A neurociência contemporânea exige prudência: qualquer intervenção que atue sobre o sistema nervoso central deve ser validada por ensaios clínicos controlados. Além disso, práticas sem base científica podem gerar efeitos colaterais graves ou retardar o acesso a terapias eficazes. A ética médica e psicológica recomenda sempre o equilíbrio entre inovação e responsabilidade, priorizando o bem-estar do paciente.
Os Cuidadores e o Papel da Família
A jornada terapêutica do autismo não se limita ao indivíduo diagnosticado. A família é parte essencial do processo. A psicologia clínica observa que muitos pais vivenciam sentimentos de culpa, medo e exaustão emocional após o diagnóstico. Por isso, a orientação e o acolhimento familiar são elementos terapêuticos em si. Intervenções mediadas pelos pais, conhecidas como parent training, têm mostrado resultados promissores, especialmente quando aplicadas em conjunto com as terapias estruturadas.
O treinamento parental ensina estratégias para lidar com comportamentos desafiadores e reforçar comportamentos positivos em casa. Quando os cuidadores compreendem as bases neurológicas e psicológicas do autismo, tornam-se parte ativa do processo de reabilitação, reforçando o aprendizado em ambiente natural.
Sintomas Associados e Comorbidades
A psiquiatria infantil desempenha um papel crucial na abordagem dos sintomas associados. Embora não haja um medicamento que trate o autismo em si, muitos pacientes apresentam condições concomitantes que exigem tratamento farmacológico. Irritabilidade, agressividade, distúrbios de sono, TDAH, ansiedade e depressão são comuns e podem interferir na resposta terapêutica.
Medicamentos como risperidona e aripiprazol são usados com segurança para controlar agressividade e irritabilidade, enquanto os psicoestimulantes e a atomoxetina auxiliam no manejo do TDAH. Já a melatonina, amplamente estudada pela neurociência do sono, mostrou-se eficaz na regulação do ritmo circadiano de crianças autistas, melhorando o descanso e, consequentemente, o comportamento.
Entretanto, a SBNI ressalta que a medicação deve ser sempre um complemento, e nunca o eixo central da intervenção. A psicoterapia comportamental e o acompanhamento psiquiátrico contínuo continuam sendo os pilares do tratamento.
Sono, Alimentação e Comportamento
O documento destaca que os distúrbios do sono e os hábitos alimentares seletivos são manifestações frequentes no TEA. A neurociência explica que esses sintomas estão relacionados à disfunção de neurotransmissores como serotonina e melatonina, e a uma maior sensibilidade sensorial a texturas e sons. Crianças autistas podem apresentar hiperreatividade a estímulos auditivos, táteis ou visuais, o que interfere tanto na alimentação quanto no sono.
A psicologia comportamental auxilia na reeducação sensorial e na criação de rotinas previsíveis que reduzem a ansiedade. A higiene do sono, o reforço de comportamentos adequados e o controle de estímulos eletrônicos são estratégias eficazes para restaurar o equilíbrio entre corpo e mente. Nesse sentido, neurociência e psicologia caminham lado a lado: o cérebro responde ao ambiente que o cerca, e o comportamento é o reflexo dessa resposta.
Terapias Alternativas
O avanço da informação, especialmente nas redes sociais, tem levado muitas famílias a aderirem a métodos alternativos que prometem resultados milagrosos. A SBNI alerta que terapias como ozonioterapia, oxigenioterapia hiperbárica, dietas sem base médica e uso de suplementos sem eficiência comprovada não possuem respaldo científico. Além de ineficazes, essas práticas podem causar danos físicos, psicológicos e financeiros.
Do ponto de vista ético, tanto a psicologia quanto a medicina têm a obrigação de proteger as famílias contra práticas enganosas. O papel do profissional é orientar com clareza, baseando-se em dados comprovados, não em promessas. O documento da SBNI reforça ainda que as vacinas não causam autismo — uma desinformação amplamente desmentida pela comunidade científica, mas ainda difundida por grupos anticientíficos.
Relatórios Médicos, Ética e Regulamentação
A parte final das diretrizes trata de um tema frequentemente polêmico: a elaboração de relatórios médicos e terapêuticos. O documento diferencia laudo e relatório médico, explicando que o primeiro descreve resultados de exames, enquanto o segundo resume o quadro clínico, diagnóstico e terapias indicadas. A SBNI orienta que os relatórios sejam éticos, individualizados e transparentes, sem induzir diagnósticos ou exagerar sintomas.
A regulamentação da ANS garante cobertura ilimitada de sessões com psicólogos, terapeutas ocupacionais e fonoaudiólogos. O médico responsável pode indicar o método de intervenção — como ABA — e a carga horária terapêutica inicial, mas a definição final deve envolver toda a equipe transdisciplinar. Essa abordagem evita tanto excessos quanto subtratamentos, garantindo que a intensidade terapêutica acompanhe a evolução clínica do paciente.
Autismo e a Ciência
O autismo não é apenas um transtorno neurológico, mas uma condição que atravessa fronteiras entre neurobiologia, psicologia e psiquiatria. A compreensão do espectro amplia a empatia social e redefine o conceito de diversidade cognitiva. A neurociência nos mostra que o cérebro autista não é “defeituoso”, mas diferente em sua arquitetura e funcionamento — e é essa diferença que deve guiar o olhar terapêutico e social.
A realidade virtual está sendo explorada tanto como ferramenta diagnóstica quanto terapêutica. Ambientes virtuais controlados podem simular situações sociais complexas, permitindo a avaliação das habilidades sociais em contextos padronizados e oferecendo oportunidades de treino em um ambiente seguro e repetível. Aplicativos móveis baseados em princípios da ABA estão democratizando o acesso a estratégias terapêuticas, permitindo que pais e cuidadores implementem intervenções estruturadas em casa.
A genômica também promete revolucionar nossa compreensão do TEA. Com a identificação de centenas de genes associados à condição, caminhamos para uma era de medicina personalizada, onde o perfil genético individual pode orientar escolhas terapêuticas específicas. Embora ainda estejamos nos estágios iniciais dessa jornada, a perspectiva de tratamentos direcionados baseados na biologia molecular individual é extremamente promissora.
O futuro da ciência aponta para diagnósticos mais precoces, intervenções personalizadas e tecnologias assistivas que dialogam com o funcionamento cerebral. O desafio é garantir que esses avanços cheguem de forma ética, acessível e humanizada, sem transformar o indivíduo em um número ou protocolo.
Referências
- Sociedade Brasileira de Neurologia Infantil (SBNI). (2023). Recomendações e Orientações para o Diagnóstico, Investigação e Abordagem Terapêutica do Transtorno do Espectro Autista (atualização).
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