17 – Violência Infantil e o Despreparo Sistêmico
Violência Infantil - Dra. Georgia Gentile Beluso, pediatra e advogada, expõe as fraturas no sistema de proteção infantil, desde a formação médica até a atuação do Conselho Tutelar, e revela como a sociedade e suas instituições estão falhando em proteger os mais vulneráveis

Violência Infantil – Em uma era de conectividade onipresente, a cada rolagem de tela, a sociedade é confrontada com uma realidade brutal e cada vez mais visível: o aumento alarmante das agressões contra crianças. Casos que antes permaneciam confinados às quatro paredes de um lar ou a relatórios policiais restritos, hoje explodem em manchetes e vídeos virais, forçando uma discussão que por muito tempo foi negligenciada.
A violência, em suas mais diversas formas — física, psicológica e sexual —, sempre foi uma chaga social, mas o foco recente sobre as crianças neurodivergentes, como autistas e portadores de TDAH, adiciona uma camada de complexidade e urgência ao debate.
É neste cenário conturbado que a Dra. Georgia Gentile Beluso, uma profissional com uma perspectiva singular, que une a pediatria à pneumologia e ao direito, emerge como uma voz de autoridade e denúncia.
Em uma entrevista reveladora, cheia de relatos de casoso chocantes e revoltantes, a médica, que também possui mestrado em Direito Constitucional na área da saúde, compartilhou suas experiências e análises sobre um sistema que, segundo ela, está fundamentalmente despreparado para lidar com a crescente onda de violência.
A conversa, longe de ser um mero relato de casos, transformou-se em um diagnóstico profundo das falhas estruturais que permeiam a formação de profissionais, a atuação de órgãos de proteção e a própria percepção social sobre a infância e a neurodiversidade.
Dra Georgia fez críticas contundentes à espetacularização do sofrimento infantil nas redes sociais, a inadequação do ensino médico, a ineficácia de instituições como o Conselho Tutelar e a perigosa “indústria do diagnóstico” que rotula crianças sem a devida investigação.
O Palco Digital e a Banalização da Luta:
As “Mães Guerreiras” e a Vitimização que Estigmatiza
A discussão sobre a violência contra crianças atípicas ganha um contorno particularmente moderno e problemático com a ascensão das redes sociais. A entrevista inicia com uma provocação da apresentadora, que, como mãe de uma criança atípica, aponta para um fenômeno preocupante: vídeos de mães, frequentemente chamadas de “guerreiras”, que expõem as crises e os comportamentos agressivos de seus filhos autistas. A intenção pode ser a de buscar apoio ou desabafar, mas o resultado, como aponta a Dra. Georgia, pode ser profundamente danoso.
“Eu acho que expor a criança, expor esse tipo de comportamento não ajuda. Eu acho que é uma vitimização dos pais em relação a isso… Só que você expor esse tipo de lesão, esse tipo de situação, estimula outras pessoas também a terem esse comportamento, porque eles falam assim: se nem a mãe aguenta, por que eu tenho que aguentar?”, disse a Dra. Georgia.
A análise da médica é cirúrgica. Ao transformar a dificuldade da maternidade atípica em um espetáculo público, essas postagens, ainda que não intencionalmente, constroem uma narrativa perigosa: a de que a criança autista é um fardo, uma fonte de agressão e desordem.
Essa mensagem reverbera para além da bolha de seguidores, moldando a percepção de uma sociedade já pouco informada. Se a própria mãe, a figura central de cuidado e proteção, se mostra no limite e apresenta o filho como um agressor, que tipo de empatia ou paciência se pode esperar de um professor, de um cuidador ou de um estranho em um espaço público?
Dra. Georgia reconhece o imenso cansaço e a sobrecarga que recaem sobre esses pais. A privação de sono, a dedicação 24 horas por dia e a falta de uma rede de apoio eficaz são fatores que levam qualquer ser humano ao limite.
Contudo, ela enfatiza que a solução não está na exposição que estigmatiza a criança, mas na busca por ajuda qualificada para os próprios pais.
“Eu acho que esses pais precisam buscar ajuda fora; eles têm que ter um tempo fora. Infelizmente, nem sempre isso é possível”, pondera a médica.
A ausência dessa válvula de escape e de suporte psicológico para os cuidadores cria um ciclo vicioso de estresse que pode, ele mesmo, culminar em violência ou negligência, e que, ao ser exposto, legitima a intolerância alheia.
Essa cultura da exposição, muitas vezes chamada de “sharenting” (uma junção de “share”, compartilhar, e “parenting”, parentalidade), levanta questões éticas profundas sobre o direito à privacidade e à imagem da criança.
A criança, especialmente a neurodivergente, que tem sua crise de desregulação transmitida para milhares de pessoas, tem sua dignidade violada. No futuro, essa pegada digital pode se tornar uma fonte de constrangimento e sofrimento, um registro permanente de seus momentos de maior vulnerabilidade, acessível a colegas, empregadores e ao mundo. A Dra. Georgia adverte que essa prática, ao invés de gerar empatia, pode ter o efeito contrário, desumanizando a criança e reduzindo-a à sua condição ou ao seu comportamento mais desafiador. A mensagem que fica para o público é a do caos, e não a da complexidade e da necessidade de compreensão e suporte que a criança autista demanda.
Violência Infantil – A Falha no Primeiro Contato
Se a percepção pública é moldada por narrativas distorcidas, a situação se agrava quando a falha reside no primeiro porto seguro que uma família deveria encontrar: o consultório médico. A Dra. Georgia Gentile Georgia é enfática ao afirmar que a formação dos profissionais de saúde no Brasil é dramaticamente insuficiente para atender às demandas de crianças neurodivergentes e, mais grave ainda, para identificar e denunciar sinais de violência.
“Ela foi a primeira que me respeitou”: A Violência Sutil do Procedimento Padrão
Um dos relatos mais impactantes da entrevista ilustra o abismo que existe entre o procedimento médico padrão e o cuidado humanizado. A doutora narra o atendimento de um menino de sete anos, autista com superdotação, que chegou ao pronto-socorro com febre e dor de ouvido. A família, já exausta e apreensiva, avisou que seriam necessárias quatro pessoas para contê-lo para o exame, um procedimento violento que era rotina na vida da criança desde um ano de idade.
Recusando-se a perpetuar esse trauma, Dra. Georgia pediu para ficar a sós com o menino. Com paciência, ela explicou cada passo do exame, mostrou os instrumentos e estabeleceu uma relação de confiança. O resultado foi surpreendente: a criança não apenas permitiu o exame completo, como, ao final, verbalizou para a mãe, que chorava de alívio e espanto, a razão de sua colaboração:
“Mamãe, ela foi a primeira que me respeitou”.
Essa frase, vinda de uma criança de sete anos, é uma condenação do sistema. Ela revela que a “agressividade” e a “falta de colaboração” frequentemente atribuídas a crianças autistas durante procedimentos médicos não são inerentes à sua condição, mas uma reação a uma abordagem que ignora sua hipersensibilidade, sua inteligência e sua necessidade de previsibilidade e respeito.
A prática de imobilizar uma criança, por mais que seja vista como um atalho para a conclusão de um exame, é, em si, um ato de violência que gera mais trauma e reforça a percepção da criança de que o mundo é um lugar agressor. A experiência da Dra. Georgia, que demorou mais de meia hora em um atendimento de pronto-socorro, algo impensável na lógica produtivista da saúde, prova que o respeito e a paciência não são luxos, mas ferramentas clínicas essenciais.
Uma Formação Acadêmica que Ignora a Realidade
De onde vem esse despreparo? A resposta, segundo a médica, está na base: a universidade. Questionada se as faculdades de medicina preparam os futuros médicos para atender pacientes neurodivergentes, sua resposta é um sonoro “não”.
“Infelizmente, nós não temos essa orientação. Eu fiz faculdade recente, me formei em 2018 como médica, e já peguei pacientes autistas… Na residência médica e na faculdade, eu não me lembro de ter tido uma aula específica sobre neurodivergente… A gente está num ponto que não dá mais para eu ficar assim: ah, tá, eu vou ter uma matéria de neurodivergência, sei lá, no segundo ano de medicina, para que o médico saiba lidar com isso em 2030. É para ontem que a gente precisa disso.”
A Dra. Georgia, que buscou conhecimento sobre o autismo por conta própria devido a um sobrinho no espectro, denuncia que as grades curriculares são antiquadas e não acompanham a evolução das demandas sociais e de saúde.
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O conhecimento sobre o espectro autista e outras neurodivergências, quando existe, é superficial e frequentemente focado apenas nos aspectos farmacológicos, ignorando as complexas necessidades de manejo comportamental, sensorial e de comunicação. Essa lacuna educacional cria profissionais que, mesmo bem-intencionados, podem perpetuar práticas inadequadas por puro desconhecimento. Eles aprendem a tratar doenças, mas não a cuidar de pessoas em sua totalidade, especialmente quando essas pessoas não se encaixam nos moldes do paciente “típico”.
A Obrigação Legal Ignorada: Subnotificação
O despreparo se torna ainda mais perigoso quando o assunto é a violência. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) é claro em seu artigo 13, que determina a obrigatoriedade da notificação de suspeita ou confirmação de maus-tratos por parte de profissionais de saúde.
No entanto, a realidade é outra. “Os médicos não sabem fazer isso”, afirma a Dra. Georgia. Ela relata sua própria experiência como um ponto fora da curva: após ter denunciado 12 casos de violência e abuso ao longo de sua carreira, ouviu de um juiz a pergunta estarrecedora:
“Nossa, você não acha que você está denunciando demais?”. A conclusão da médica é lapidar: “Não sou eu que estou denunciando demais, são os outros que não denunciam”.
Essa omissão sistêmica, fruto de uma formação falha que dedicou, em seu caso, apenas duas horas ao tema em seis anos de faculdade, deixa inúmeras crianças em situação de risco. O profissional que não sabe identificar os sinais sutis de abuso — mudanças de comportamento, lesões que não condizem com a história contada, relatos indiretos através de brincadeiras —, ou que sabe, mas não conhece os procedimentos legais para a notificação, torna-se um cúmplice passivo da violência.
A falta de preparo não é apenas técnica, mas também jurídica e humanística, criando uma barreira que impede que o sistema de saúde cumpra seu papel fundamental na rede de proteção à infância.
Ao ser questionada sobre o aumento vertiginoso dos abusos sexuais infantis e violência doméstica, a médica é enfática ao afirmar que se deu na pandemia, durante o lockdown.
O que eu percebi da pandemia para cá: na pandemia, a gente teve um aumento exorbitante de casos de violência doméstica e abuso sexual, porque as pessoas ficaram confinadas em casa e as coisas começaram a acontecer.
Só que muitos desses casos por conta mesmo da pandemia, eles não chegaram a ser notificados porque nem chegavam na área da saúde. Então, isso aumentou demais. Eu acho que outro ponto importante também é a questão da internet.
A Dra Georgia cita o caso de uma menina que a marcou profundamente. Uma criança, de classe média-alta, simulava sexo entre duas bonecas durante a consulta hospitalar. Ao perceber, a médica internou a menina para descobrir o que estava acontecendo e o pior se confirmou: a criança estava sendo abusada com a anuência da mãe. As duas crianças eram abusadas. A paciente e a irmã.
Estava no pronto-socorro, classe média alta, e chegou uma criança de quatro anos. Ela tinha duas bonequinhas e ficou brincando do meu lado. O pai ficou em pé e a mãe sentada. Mas ali eu percebi que tinha algo errado.
Tudo que eu perguntava para a mãe, a mãe olhava para o pai, que só sinalizava com a cabeça, e ela respondia. Então, era como se ela tivesse que ter o aval dele. Isso foi logo depois, assim, quando a gente começou a voltar da pandemia que isso aconteceu.
Eu fui pedir internação, falei que eu precisava investigar mais a fundo, que eu não sabia o que ela tinha e internei essa criança. Fiz exame da cabeça aos pés. E essa criança falava muito pouco, né? Então, a mãe, nesse momento, até falou assim: ah, eles estão achando que ela é autista e tal, mas na verdade não era um autismo, era realmente um trauma, né?
Então, a criança estava ali, ela se fechou dentro do trauma dela. E depois que isso aconteceu, eu conheço o caminho das pedras como advogada. Então, eu internei a criança, acionei o conselho tutelar, que foi lá, não fez muita coisa. Eu não fiquei contente com isso. Eu falei direto com a Vara da Infância e Juventude, que me deu um apoio.
A denúncia, que deveria ser um mecanismo de proteção, é vista por muitos profissionais como um problema a ser evitado, seja por medo de represálias, por receio de envolvimento em processos judiciais complexos ou simplesmente por não saberem como proceder. O resultado é um silêncio que custa a segurança e, por vezes, a vida de crianças.
A Fábrica de Laudos: A “Indústria” do TDAH
e a Invisibilidade da Superdotação
Paralelamente à questão da violência, a entrevista expõe outra crise silenciosa que afeta diretamente as crianças neurodivergentes: a proliferação de diagnósticos apressados e, muitas vezes, equivocados. Dra. Georgia critica o que parece ser uma “indústria do laudo”, onde condições complexas como o Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH) e o autismo são distribuídas com base em avaliações superficiais, enquanto outras, como a superdotação, são sistematicamente ignoradas.
“Eu recebo muita criança que tem laudo de autismo, de TDAH, quando, na verdade, é uma superdotação… O que eu percebo é que o diagnóstico, hoje, ele é feito de uma forma muito rápida. Eu não consigo, em uma consulta, em 15 minutos ou numa sessão, duas sessões de terapia, [dar um diagnóstico]. Eu preciso aí de um tempo para eu avaliar como essa criança se comporta.”
A médica alerta para a “moda do teste”, procedimentos caros e rápidos que prometem respostas definitivas, mas que, segundo ela, “não medem nada”. O resultado é uma geração de crianças medicadas desnecessariamente. “
É muito comum a gente pegar criança que tem superdotação com diagnóstico errado de TDAH, sendo medicada para TDAH. Então, eu tô pegando uma criança que tem uma superdotação ou uma alta habilidade e ela tá sendo… tomando um remédio que tá deixando ela assim, ó, e não deixa ela explorar tudo que ela tem capacidade de fazer.”
Essa prática não apenas acarreta riscos à saúde da criança, que passa a usar medicamentos controlados com potenciais efeitos colaterais, mas também gera um ciclo de estigmatização e sofrimento. A criança que poderia estar tendo seu potencial explorado em um ambiente adaptado às suas altas habilidades é, em vez disso, rotulada como “doente” ou “problemática”, sofrendo bullying e tendo sua autoestima minada.
A crítica se estende à banalização de termos psiquiátricos na sociedade, onde “todo mundo tem TDAH”, “todo adulto agora tem borderline” e “todos os homens são narcisistas”. Essa cultura de encaixar pessoas em caixinhas diagnósticas ignora a singularidade de cada indivíduo e serve a interesses comerciais, não ao bem-estar do paciente.
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A Chave para o Futuro: Educação Individualizada
e a Recusa em Desistir
Em meio a um cenário de falhas sistêmicas e diagnósticos apressados, a entrevista oferece um vislumbre de esperança, ancorado em um princípio fundamental: a importância de uma abordagem individualizada e da perseverança. As histórias compartilhadas pela Dra. Georgia e pela apresentadora demonstram que, quando o sistema falha, a dedicação de um único profissional ou de uma família pode alterar completamente a trajetória de uma criança.
O Pianista de Berlim e as Partituras Coloridas
A Dra. Georgia, que também foi professora de piano, narra a história de um aluno de 10 anos com dislexia, cujo sonho era se tornar pianista de orquestra. Ele já havia passado por cinco professores e estava profundamente frustrado por não conseguir aprender a ler partituras, um requisito essencial para seu objetivo. Em vez de desistir, a então professora buscou entender a forma particular de aprendizado do menino.
“E aí, um dia, a gente estava conversando durante a aula e eu percebi que tudo ele falava de cores… Eu falei: vamos fazer o seguinte, vamos colorir as notas, vamos dar cor para as notas… Ele aprendeu a ler a partitura.”
Anos depois, aquele menino enviou uma foto: ele havia se tornado pianista na Orquestra de Berlim. Sua partitura, ainda hoje, é toda colorida, um testemunho do método que permitiu que ele superasse sua dificuldade. Essa história é uma poderosa metáfora para a educação de crianças neurodivergentes. Não se trata de forçar a criança a se adaptar a um método rígido e padronizado, mas de o profissional ter a sensibilidade e a criatividade para adaptar o método à criança.
A Luta por uma Reprovação Necessária
A apresentadora da entrevista, Camila, compartilha sua própria experiência com o filho, também disléxico. Ela descobriu que a escola, para não lidar com a dificuldade do aluno, simplesmente xerocava o caderno de um colega e colava nas páginas do seu filho, que passava o tempo na aula desenhando. A situação chegou ao cúmulo de a escola querer aprovar o menino para a quarta série sem que ele soubesse ler ou escrever.
“Eu tive que entrar na Secretaria da Educação, abrir um procedimento interno para conseguir repetir meu filho. Eles queriam aprovar para a quarta série uma criança que não lia e não escrevia. Como isso?”
Após uma batalha burocrática, ela conseguiu que o filho reprovasse e o mudou para uma escola que ofereceu um planejamento escolar individual. Em seis meses, com a abordagem correta, o menino aprendeu a ler e a escrever.
Ambas as histórias convergem para o mesmo ponto: a falha não está na criança que não aprende, mas no sistema que não sabe ensinar. A recusa em desistir e a busca por caminhos alternativos são a chave para destravar o potencial que existe em cada indivíduo, independentemente de seus rótulos ou diagnósticos.
A Ineficácia do Conselho Tutelar e a Justiça Lenta
Se a notificação de um caso de violência é o primeiro passo, o caminho que se segue é muitas vezes um labirinto de ineficiência e descaso, com o Conselho Tutelar frequentemente se mostrando o elo mais fraco. A Dra. Georgia, com sua dupla visão de médica e advogada, faz uma crítica contundente ao órgão.
“O conselho tutelar, eu falo que ele, na lei, é maravilhoso. Eu acho que a forma de eleição dos conselheiros está completamente equivocada. Eu preciso de pessoas que sejam carne de pescoço… Ultimamente, o que eu tenho visto, são pessoas que não querem brigar. Ah, não, dá trabalho, mas coitada da mãe, vai ficar sem o filho. Aí, a criança morre porque não tirou.”
A médica descreve o Conselho Tutelar como um “cabide de emprego” que atrai pessoas sem o perfil combativo necessário para a função. A tendência de tentar resolver o conflito dentro da própria família, mesmo quando o agressor faz parte dela, coloca a criança em risco contínuo.
A solução de “morar na casa da avó”, para onde o agressor tem livre acesso, é um exemplo da falta de compreensão da dinâmica da violência doméstica. A lei, no papel, é elogiada, mas sua aplicação prática é minada por um processo de escolha política e pela falta de preparo e de “sangue no olho” dos conselheiros.
O problema se estende ao Poder Judiciário. A Dra. Georgia aponta a queda na qualidade do ensino jurídico como um fator que impacta diretamente a eficácia da justiça. Petições mal escritas, relatórios médicos incompletos e uma burocracia lenta criam um ambiente onde a impunidade prospera. “Como esperar que a justiça seja feita se eles não conseguem escrever com clareza um texto, uma petição?”, questiona, lembrando que um processo mal instruído desde o início dificilmente resultará em uma punição justa para o agressor e na proteção efetiva da vítima.
A complexidade dos casos de violência, especialmente os que envolvem abuso sexual e psicológico, exige uma documentação robusta e uma argumentação jurídica precisa. Quando os profissionais da linha de frente — médicos, psicólogos, assistentes sociais — não conseguem fornecer relatórios detalhados e tecnicamente corretos, e os advogados não conseguem traduzir esses fatos em peças processuais convincentes, a chance de a justiça falhar aumenta exponencialmente.
Tabus que Destroem: A Violência Contra Meninos
e a Complexidade do Abuso
Na parte final da entrevista, a discussão avança para territórios ainda mais sombrios e socialmente negligenciados: o abuso sexual contra meninos e o mito de que mulheres não são capazes de cometer atos de violência. A Dra. Georgia e a apresentadora concordam que esses são tabus que matam e destroem vidas, perpetuados por uma cultura que normaliza certos comportamentos e se recusa a enxergar a complexidade da violência.
O Silêncio Ensurdecedor do Abuso Masculino
O abuso contra meninos é frequentemente invisibilizado ou, pior, romantizado sob o manto de uma suposta “iniciação sexual”. A imagem de um adolescente com uma mulher mais velha é celebrada como um sinal de virilidade, ignorando a dinâmica de poder e o potencial traumático da experiência para o garoto.
“O moleque está sendo abusado, seu imbecil!”, desabafa a apresentadora, criticando a mentalidade que vê a situação como motivo de comemoração. “Vai ser comedor, hein, macho?”, é a frase que, segundo ela, resume a reação social, uma reação que enterra a violência sob uma camada de machismo tóxico.
Essa falta de reconhecimento social faz com que meninos vítimas de abuso tenham ainda mais dificuldade em falar sobre o ocorrido e em encontrar apoio. O trauma, não processado, pode levar a uma vida de reclusão, disfunções de relacionamento ou comportamentos hipersexualizados, como aponta a médica.
O caso dos irmãos Menendez, que assassinaram os pais após anos de abuso sexual sofrido nas mãos do pai, e que só ganharam alguma credibilidade sobre o abuso após o testemunho de outra vítima, Roi, do extinto grupopo Menudos, ilustra como o sistema e a opinião pública são céticos quando a vítima é do sexo masculino.
A sociedade ainda opera sob a falsa premissa de que homens e meninos são inerentemente fortes e imunes a esse tipo de vitimização, um preconceito que garante o silêncio e o sofrimento de incontáveis vítimas.
O Mito da Santidade Materna e a Violência no Feminino
Da mesma forma, a ideia de que mulheres são incapazes de cometer abusos graves é um mito perigoso. A entrevista cita o caso de Mary Bell, uma menina que cometeu assassinatos na infância, mas cuja história revela um passado de abusos horrendos perpetrados pela própria mãe, que a explorava sexualmente.
Embora seja um caso extremo, ele serve para quebrar a imagem da santidade materna e lembrar que a capacidade para a crueldade não tem gênero. A mãe de Mary Bell, segundo os relatos, chegava a amarrar o cabelo da filha de três anos em uma cadeira para imobilizar sua cabeça enquanto clientes ejaculavam em sua boca. Este nível de depravação, vindo da figura que deveria ser a principal protetora, desafia as noções mais básicas de maternidade.
A apresentadora também traz o caso de Sabrina, uma menina de dois anos que foi estuprada e morta pelo namorado da mãe, enquanto o pai lutava desesperadamente pela guarda na justiça, sendo ignorado pelo juiz e pelo Conselho Tutelar.
A história reforça a crítica da Dra. Georgia sobre a tendência do sistema em favorecer a mãe, mesmo quando há evidências de negligência ou perigo. A violência e o abuso são fenômenos complexos que podem surgir em qualquer configuração familiar, e a recusa em discutir abertamente esses tabus apenas garante que mais vítimas sofram em silêncio.
A conversa com a Dra. Georgia Gentile Beluso não termina com respostas fáceis, mas com um chamado inequívoco à responsabilidade. A entrevista revela um panorama desolador, mas também aponta caminhos. Fica claro que a proteção de crianças, especialmente as neurodivergentes, no Brasil, é um edifício com fundações rachadas.
As falhas são sistêmicas e interconectadas. Começam na formação universitária, que produz médicos e psicólogos despreparados para as nuances da neurodiversidade e para os protocolos de denúncia de violência.
Passam pela espetacularização da dor nas redes sociais, que estigmatiza crianças e legitima a intolerância. Desembocam na inoperância de órgãos que deveriam ser a linha de frente da proteção, como o Conselho Tutelar, muitas vezes transformado em um “cabide de empregos” sem a combatividade necessária. E se aprofundam em uma perigosa cultura do diagnóstico fácil, que medica em vez de compreender, e que rotula em vez de individualizar.
No entanto, em meio aos escombros, as histórias de sucesso — o menino autista que foi respeitado, o pianista disléxico que chegou a Berlim, o garoto que finalmente aprendeu a ler — mostram que a mudança é possível. Ela reside na recusa em aceitar o status quo. Reside na coragem de profissionais que, como a Dra. Georgia, denunciam o que está errado e praticam uma medicina humanizada.
Reside na perseverança de pais que lutam contra o sistema para garantir o direito de seus filhos a uma educação adequada. Reside na disposição de olhar para cada criança como um indivíduo único, com sua própria forma de aprender e de sentir.
O recado final é que a sociedade não pode mais se dar ao luxo de terceirizar a responsabilidade. A proteção da infância é um dever coletivo. É preciso cobrar por uma reforma curricular nas universidades, por uma fiscalização rigorosa e uma reestruturação do Conselho Tutelar, e por uma cultura de diagnóstico responsável e criterioso.
Acima de tudo, é preciso falar, debater e expor essas feridas abertas, não para chocar, mas para curar. A voz da Dra. Georgia ecoa como um lembrete de que, por trás de cada estatística de violência, existe uma criança esperando para ser ouvida, respeitada e, finalmente, protegida.
Este artigo foi elaborado com base na transcrição de uma entrevista realizada com a Dra. Georgia Gentile Beluso. Todas as citações e casos relatados foram extraídos diretamente de sua fala durante a conversa.
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